Brasil

O adeus de Duque, um técnico de grandes feitos pelo país e histórias folclóricas

Foram oito títulos de estaduais, sete apenas em Pernambuco, onde ganhou status de lenda. Dirigiu um Fluminense campeão em pleno Fla-Flu. Protagonizou uma das maiores histórias do Corinthians, a famosa Invasão de 1976, oferecendo ainda ligeira contribuição à quebra do jejum no ano seguinte. Conquistou até título nacional com o Olaria. E, além das fronteiras, não só abriu as portas para os comandantes brasileiros no Oriente Médio, como também acabou eleito o melhor treinador do continente africano. Duque foi um dos técnicos mais simbólicos do futebol brasileiro por mais de duas décadas. Treinou grandes clubes e, na montanha-russa do ofício, passou também por pequenos. Era uma voz respeitada. Mas, hoje em dia, pouco lembrada. No último final de semana, o veterano deu seu adeus, falecendo aos 91 anos, após muitos serviços prestados ao futebol. Merece lembranças.

Nascido em Belo Horizonte, Duque fez carreira como jogador antes de virar técnico. Chegou a defender o Cruzeiro, mas logo se mudaria para o Rio de Janeiro. Passou por Vasco, Fluminense e Canto do Rio, pendurando as chuteiras em 1958. E se a trajetória nos gramados não guardou grandes feitos, ele logo migraria para um novo horizonte. Permaneceu no Rio, ingressando na Escola Nacional de Educação Física. Auxiliar no Olaria, assumiu a equipe logo depois, a partir de 1963. Iniciava a sua ascensão.

Não demorou para que Duque chamasse atenção, assinando com o Vasco. Não permaneceu por muito tempo na Colina, mas o trabalho em um dos maiores clubes do país foi a porta de entrada para os seu sucesso. Pegou as malas e rumou para Pernambuco, contratado pelo Náutico. No Timbu, comandou um dos times mais célebres da história do clube, em passagens intermitentes. Dos seis títulos estaduais conquistados em sequência pelos alvirrubros nos anos 1960, o técnico esteve presente em quatro: 1964, 1966, 1967, 1968. Brilhantismo que não se limitou ao estado, com a campanha histórica na Taça Brasil de 1967. Os pernambucanos eliminaram nas semifinais o esquadrão do Cruzeiro, campeão no ano anterior. Faltou apenas melhor sorte contra o Palmeiras na decisão, superados no jogo-desempate realizado no Maracanã.

O moral alto de Duque em Pernambuco impulsionou sua volta ao futebol local mais algumas vezes, mesmo aos rivais. Foi bicampeão estadual com o Santa Cruz, em 1970 e 1971, em meio ao penta tricolor. Já em 1975, veio ao Sport para encerrar o incômodo jejum de 13 anos que persistia na Ilha do Retiro. No intervalo entre os dois trabalhos, ainda levantou sua primeira taça no Rio de Janeiro, consagrando o Fluminense no Carioca de 1973. No jogo decisivo, diante de 75 mil no Maracanã, derrotou o Flamengo por 4 a 2 e fez a alegria da torcida tricolor.

A grande façanha de Duque no Maraca, contudo, aconteceu no outro lado da história. Ele era o técnico do Corinthians que frustrou a Máquina Tricolor e avançou à decisão do Campeonato Brasileiro de 1976. Era o responsável pelo time que levou milhares de alvinegros a pegarem a Dutra e viverem um dos episódios mais marcantes do futebol brasileiro. Só não teve a mesma felicidade na decisão contra o Internacional, terminando com o vice-campeonato nacional. Permaneceria no Parque São Jorge até meados do ano seguinte. O suficiente para orientar o time no início do emblemático Paulistão de 1977, conquistado por Osvaldo Brandão.

A fama de Duque o levou a receber convites do Oriente Médio, trabalhando no Catar. Passaria por outros tantos clubes brasileiros, proporcionando momento expressivo ao Olaria. Em 1981, o time da Rua Bariri faturou a Taça de Bronze, equivalente à terceira divisão do Campeonato Brasileiro. Na decisão, derrotou os pernambucanos do Santo Amaro. Ainda na década de 1980, o mineiro comandaria a seleção da Costa do Marfim. Eram tempos modestos dos Elefantes, mas os brasileiro acumulou ótimos resultados. Foram 36 vitórias e apenas três derrotas em um ano e meio de trabalho. Ganhou um torneio regional no oeste africano e recebeu o prêmio de melhor treinador do continente em 1983.

Tão marcante quanto o currículo de Duque era a sua personalidade. No Guia dos Estaduais de 1994, a Revista Placar chama o treinador de “folclórico”. E não sem motivos. O veterano tinha um jeito durão que o seguia em seus trabalhos, sem passar a mão na cabeça dos jogadores. “Às vezes você tem que ser pai, mãe e até babá de um craque. Mas também tem horas que você precisa ser bandido”, disse, na época. Apesar disso, os comandados elogiavam a relação nos bastidores e também a qualidade do treinador em orientar as equipes. Até por sua formação em educação física, primava na preparação feita durante o dia a dia. Além disso, conta-se que o técnico não se furtava a pedir uma ajuda aos orixás – como aconteceu às vésperas da vitória corintiana no Maracanã.

Verídico ou não, o fato é que Duque foi uma figura singular. E prova disso reproduzimos abaixo, em reportagem da Revista Placar de setembro de 1973. A partir de sua primeira passagem pelo Olaria, o treinador arranjou um escudeiro: Carlos Alberto Galvão, o Catuka. O rapaz não apenas auxiliava o comandante, passando estatísticas de seus times e informações dos adversários, como também espionava os bastidores dos outros clubes – com episódios dignos de cinema. Assim, contribuiu para que o Flu se consagrasse no Carioca de 1973 sob as ordens de Duque. Vale ler a quantidade de ‘causos' que os métodos de Duque e seu ajudante renderam:

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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