Nos 40 anos da ‘Invasão Corintiana’, 11 causos da loucura coletiva vivida pelos alvinegros
Há 40 anos, um dos episódios mais emblemáticos envolvendo torcedores brasileiros acontecia entre o Rio de Janeiro e São Paulo. A ‘Invasão Corintiana' virou filme, livro, música. Eternizou-se como lenda. Milhares de fanáticos atravessaram a distância que separa as duas maiores cidades do país, em busca da ilusão. A seca de títulos ainda persistia ao Corinthians. Mesmo assim, os alvinegros acreditavam na classificação à final do Campeonato Brasileiro, diante da Máquina Tricolor. Milagre que se consumou em 5 de dezembro de 1976: após o empate por 1 a 1 no tempo normal, o goleiro Tobias parou o Fluminense nos pênaltis e botou os paulistas na decisão contra o Internacional – classificado em duelo dramático contra o Atlético Mineiro, e que também será tema de texto aqui na Trivela.
A história da Dutra tomada por cerca de 700 ônibus, além dos carros, e do Maracanã abarrotado de camisas alvinegras já foi contada e recontada muitas vezes. Assim, resolvemos fazer diferente: relembrar alguns ‘causos' paralelos, menos conhecidos, sobre aquele episódio. Os 11 trechos abaixo foram baseados em reportagens publicadas na época pelo Jornal do Brasil e pela Folha de S. Paulo. Histórias curiosas, que ajudam a dimensionar o tamanho da insanidade corintiana naquele final de semana:
A invasão de bicicleta
A Dutra foi o caminho mais comum para os milhares de corintianos que se dispuseram a invadir o Rio de Janeiro. Porém, a maioria absoluta preferiu ir de carro ou ônibus. Difícil encontrar uma história mais aventureira que a de José Reginaldo Ramalho, de 23 anos. Ele saiu de São Miguel Paulista, na capital, na manhã de sexta-feira. Percorreria o trajeto todo de bicicleta. “Espero chegar domingo e, se Deus quiser, ver o meu Corinthians jogar contra o Fluminense”, declarou ao Jornal do Brasil, na véspera do jogo decisivo. A travessia era um teste de resistência para o plano mais ousado que tinha para 1978: ir à Copa do Mundo, na Argentina, pedalando.
A sede pelos ingressos
A venda das entradas para o jogo no Maracanã começaram a ser feitas na sexta-feira anterior. O Corinthians trouxe 52 mil ingressos para São Paulo, 45 mil nas arquibancadas e 7 mil nas cadeiras. E eles se esgotaram em apenas cinco horas. Os interessados lotaram o Parque São Jorge, assim como a antiga sede da federação paulista – as duas filas formadas no local dobraram quatro quarteirões da Avenida Brigadeiro Luis Antônio.
Acampamento no meio da cidade
Os hotéis do Rio de Janeiro estavam cheios de corintianos. Se bandeiras do Fluminense se espalhavam por apartamentos da cidade, as janelas dos hotéis exibiam apenas o preto e branco. Entretanto, muitos preferiram economizar o dinheiro. E acampavam pelas próprias ruas da metrópole. Alguns armaram suas barracas nas próprias praias. A grande concentração de ‘campistas' se deu na região da Barra da Tijuca.
O choro de Vicente Mateus
Ver toda aquela movimentação em prol do Corinthians bateu em cheio no coração do folclórico Vicente Mateus, então presidente alvinegro. Ao chegar com a delegação no hotel, na Avenida Niemeyer, e ser recepcionado por 300 torcedores com bandeirões, o dirigente desatou a chorar. Desceu do ônibus em lágrimas, antes de adentrar ao saguão. “Se o Corinthians perder, a Dutra vai se chamar Rodovia das Lágrimas. Mas se ganhar, vai ter carnaval na Dutra inteira”, afirmou um dos torcedores presentes, em entrevista ao Jornal do Brasil.
Dia de vestibular no Maraca
O Fluminense x Corinthians não foi o único evento no Maracanã durante aquele domingo. O estádio também recebeu 7 mil candidatos ao Colégio Naval, que realizaram naquela manhã as provas de matemática. Como de costume na época, os exames eram feitos nas próprias arquibancadas. Os vestibulandos só não tiveram tanta paz para responder às 25 questões: do lado de fora, o barulho dos alvinegros era intenso, dos gritos aos foguetes. Em São Paulo, também aconteceram as provas da USP. E não é de se duvidar que muitos tenham adiado o objetivo de entrar na universidade por um ano apenas para acompanhar a invasão.
O público poderia ter sido ainda maior
Temerosa de uma confusão dentro do estádio, a polícia proibiu a entrada de crianças menores de cinco anos. Assim, muitos torcedores que levaram os filhos ao jogo acabaram ficando de fora. “É pena não terem deixado entrar. Quem sabe dava sorte. Eu tenho 25 anos e nunca vi o Timão ganhar um campeonato. Paciência, vamos ficar torcendo aqui fora mesmo”, declarou a mãe de um menino de 16 meses, barrado nos portões do Maraca.
O rádio que selou a paz nas prisões
Assim reporta o Jornal do Brasil, da segunda-feira seguinte ao jogo: “Num acontecimento inédito na história da polícia paulista, a Secretaria de Segurança Pública recomendou aos delegados de plantão nos distritos policiais do interior e da Capital que fizessem o possível para distribuir rádios em todas as celas e, assim, evitar uma revolta entre os presos que exigiam ouvir o jogo. A vontade era tanta que milhares de presos fizeram um apelo aos responsáveis pela Casa de Detenção de São Paulo e pela Penitenciária do Estado: que a visita terminasse mais cedo”. No bairro do Cambuci, 21 menores fugiram de uma Febem para conseguir ouvir a partida.
Resumo de um ilustre
Tricolor doente, Chico Buarque esteve no Maracanã e assim descreveu a invasão, em relato à Folha de S. Paulo: “A saudação da torcida corintiana à entrada do seu time foi qualquer coisa. Virou um paiol. A maioria barulhenta e seus rojões, foguetes, quiçá metralhadoras, seria capaz de impor respeito aos rivais, se houvesse lugar para respeito no Maracanã. […] A torcida corintiana veio fervendo, bufando pela via Dutra, de ônibus, de bicicleta, em lombo de burro, em carro de boi. E aquela torcida suada, descamisada, desorganizada, desarrazoada, não iria perder uma disputinha besta de gol a gol. Nunca. Incorporou-se a Tobias, defendeu um, dois, três pênaltis, cantou muitos hinos, abriu muitas cervejas, xingou muitas mães, apanhou muita chuva, enlatou-se nos ônibus e seguiu para Porto Alegre”.
O carnaval também em São Paulo
Se milhares de corintianos festejaram a vitória no Rio de Janeiro, a comemoração em São Paulo chegou à casa dos milhões. Segundo as estimativas, cerca de um milhão de pessoas saíram as ruas para celebrar a classificação à decisão do campeonato. A carreata na Avenida Paulista contou com cinco mil carros, que a congestionaram completamente durante o buzinaço. Já o Parque São Jorge abriu suas portas, realizando até mesmo um show musical para embalar o carnaval em dezembro.
Até a indústria compreendeu a paralisação
Conforme os dados da época, cerca de 150 mil operários e funcionários públicos faltaram ao serviço na segunda-feira, dia seguinte à classificação do Corinthians. Entre os empregados da indústria, a taxa de ausentes chegou a 40% na capital e no ABC, enquanto o número de faltas no comércio atingiu 30%. Mesmo assim, o pedido da Fiesp (a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e de representantes dos comerciários era de que o empresariado não descontasse o dia de seus empregados. Embora entusiasmado com a classificação, o governador Paulo Egídio não decretou ponto facultativo. Na manhã daquele dia, ele participou da recepção aos jogadores em Congonhas.
Todo mundo louco
Do Jornal do Brasil: “Três jovens estavam sendo procurados pela polícia no centro da cidade de São Paulo, porque desfilaram totalmente nus num Puma conversível. Os jovens carregavam uma bandeira do Corinthians e atiraram garrafas nas vitrines de uma loja comercial”.