Brasil

O fico de Abel é a maior contratação e acerto da contraditória Leila Pereira

Abel ficar foi a maior contratação do Palmeiras para a temporada: não é de hoje que ele tem feito muito mesmo sem os melhores nomes

Assim como há dois anos, a maior contratação do Palmeiras para tentar seguir nas cabeças do futebol brasileiro e sul-americano é aquela que amplia o vínculo com seu treinador Abel Ferreira, primeiro por conta da distância da família, quando acabara de ser bicampeão da Libertadores da América, e agora em razão do assédio do exterior e de um possível desgaste depois do quarto final da temporada na casa, logo sendo bicampeão brasileiro e rumo ao novo Mundial de Clubes no ano que vem.

Ter o português por mais doze meses, até dezembro de 2025, garante a sequência da cabeça que lidera um elenco cascudo, vencedor, mas menos estrelado e com reduzido olhar para grandes contratações. Não vai chegar no Palmeiras um De La Cruz, um Paulinho, um Lucas, um Enner Valencia ou muito menos um Luis Suárez, o que causa um duplo conforto ao clube comandado por Abel: ele não só conhece os atalhos para tirar o melhor de cada jogador antigo da casa, com as intempéries de cada temporada, como esvazia o peso de enormes buscas no mercado, oferecendo ao projeto o melhor dos mundos.

Abel é o técnico perfeito para o modelo que o Palmeiras vive hoje

O modelo tem seus percalços. Quando vendeu Danilo para a Inglaterra, o clube passou todo o ano sem um novo primeiro homem de meio campo, apostando no máximo num segundo volante vindo do Guarani, o colombiano Richard Ríos. Ao perder Scarpa, viu as passagens de Tabata e Artur durarem pouco. O clamor por um centroavante de mais peso nunca vingou no elenco de Deyverson, Navarro, Merentiel e Flaco Lopez – só o último continua na Academia –, e Endrick, protagonista do último terço da conquista do Campeonato Brasileiro, tem mais uns vinte, trinta jogos (se muito) até viajar para o Real Madrid.

Mas Abel se notabiliza por dobrar a aposta e, sem Dudu e com Rony no banco, ele bateu em primeiro com Mayke e Breno Lopes na frente, enquanto no meio viu Zé Rafael se tornar ainda mais fundamental ao time jogando de camisa cinco. É fato também que não tem sido o bastante para voltar à final da Libertadores, eliminado duas vezes em casa para Athletico-PR e Boca Juniors, mas ninguém melhor que ele para manter a corda esticada num vestiário tomado por pôsteres de campeão. A ver se Anibal Moreno, Bruno Rodrigues e Caio Paulista são o suficiente para render pequenas novidades ao time mais bem definido do país.

O repórter Bruno Andrade, do UOL, revelou que Abel chegou a viajar para o Catar e conhecer o Al Sadd, que lhe prometia o maior salário do planeta. Não topou a mudança, também por conta da esposa e das filhas, mas é difícil imaginar que as especulações em cima de seu nome se encerrem. É claro que ele ainda imagina um grande momento na Europa, e talvez essa proposta não tenha chegado ao nível que se espera, tal qual aconteceu com Marcelo Gallardo, que passou oito anos no River Plate (e nós passamos uma década falando da abertura aos técnicos argentinos nas ligas europeias) e acabou parando na Arábia Saudita.

Fico de Abel: o maior acerto e contratação de Leila Pereira

De toda forma, o fico de Abel é de longe o maior acerto da gestão Leila Pereira, que não se notabiliza até aqui por agressividade no mercado, mas sim pela manutenção de seus principais profissionais, por exemplo recusando uma bala pela venda do capitão Gustavo Gómez. É também uma presidência muito pouco transparente, em trajetória que vem desde a estranha manifestação de ser sócia do clube desde os anos 1990, usada para fins de candidatura, até as recentes perseguições a conselheiros da oposição que cobram maior clareza nas suas relações pessoais com o Palmeiras, como o acordo para o uso de seu avião para as viagens do elenco ou os acertos da superexposição de suas marcas desde 2015 em diversas frentes da instituição.

O óbvio conflito de interesses entre a empresária patrocinadora e a líder política da agremiação segue sendo tirado como coisa menor por Leila, que como ato mais recente se tornou também gestora da Arena Barueri, segunda casa do time principal. Por onde se olha seus negócios estão sobre a mesa. Ela, que cobra tanta clareza nos valores financeiros praticados pelos rivais do campo e maior profissionalização do meio, mistura suas gavetas ao gosto próprio e não gosta de ser questionada por isso. É curioso.

A contraditória Leila acertou também na coletiva só para mulheres

Vale elogiar a iniciativa de uma coletiva de imprensa apenas com repórteres mulheres, um marco simbólico, importante e que fortalece a provocação a um ambiente historicamente tão masculino e machista. Quem de nós, homens e jornalistas, nunca conviveu numa redação ou num ambiente de bola com a estigmatização da presença feminina, sempre o alvo das piadas ou dos piores comentários e assédios, lugar desconfortável, hostil e apertado para elas? É um golaço de Leila, um ato inesquecível, que torço para encorajar meninas que sonham em trabalhar no mundo do esporte e também para constranger senhores presos no século retrasado. Tudo bem que sua principal empresa, voltada para créditos pessoais, é alvo de condenação por cometer juros abusivos, aqueles que surgem de contratos de difícil compreensão para pessoas vulneráveis, muitas delas mulheres idosas sozinhas. Quem também não conhece uma senhora que já foi enrolada por um banco? A vida é contradição.

Abel estreia domingo no Paulistão e tem chance de bater (mais) recordes

O Palmeiras estreia na temporada no domingo, contra o Novorizontino, buscando ser tricampeão do Campeonato Paulista. Seria mais um marco para Abel Ferreira, que já tem o mesmo bicampeonato consecutivo que Vanderlei Luxemburgo conquistou no início dos anos 1990. Ele, contratado exatamente depois de Luxa e levantando Libertadores e Brasileiro depois de Luiz Felipe Scolari, segue pavimentando seu caminho para um dia ser confirmado como maior técnico da história do clube. O tempo de casa é notável para a realidade brasileira – cumprindo o contrato deve superar os quatro anos e meio de Renato à frente do Grêmio, além de passar também dos três anos e pouco de Mano no Cruzeiro, Tite no Corinthians e Muricy no São Paulo –, e o tamanho da identificação salta aos olhos em tempos de transferências e supervalorização do mercado da bola. Faz bem para o nosso futebol, tão carente e efêmero.

Foto de Paulo Junior

Paulo JuniorColaborador

Paulo Junior é jornalista e documentarista, nascido em São Bernardo do Campo (SP) em 1988. Tem trabalhos publicados em diversas redações brasileiras – ESPN, BBC, Central3, CNN, Goal, UOL –, e colabora com a Trivela, em texto ou no podcast, desde 2015. Nas redes sociais: @paulo__junior__.
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