A bola do Nova Iguaçu, histórica, foi de constranger o Vasco no Maracanã
O Nova Iguaçu, agora chamado de 'Carrossel da Baixada', se multiplicou em campo e foi mais que o Vasco em tudo: técnica, tática, físico e cabeça
Um pequeno eliminar um grande num mata-mata local é do jogo, acontece em estaduais aqui e ali, mais em São Paulo, pelo nível econômico dos times do interior, menos em outras praças, e faz parte: nem sempre a turma da elite estará com o futebol em dia para superar um azarão ensaboado num momento bem afinado, e vez ou outra, uma dessas equipes encaixa, afinal.
Mas o que marca a classificação do Nova Iguaçu sobre o Vasco é que a vitória por 1 a 0 no Maracanã (e jogando pelo empate) não se contará apenas pela tabela eternizada nas estatísticas ou por memes de internet. Precisará ser lembrado que aquele pedacinho de arquibancada superior viu seu time não permitir ao adversário nem chegar ao fim do jogo abafando em busca do resultado, deixando o lado cruz-maltino, elenco e torcida, constrangido no fim de tarde de calor, menos pelo placar e mais ainda por se enxergar tão inofensivo no duelo. O Carrossel da Baixada – que beleza de apelido para o time laranja – se multiplicou em campo e foi mais que os vascaínos em tudo, tática, técnica, físico e cabeça, para levar o jogo ao seu gosto.
O goleiro Fabrício segurou o pouco que chegou, o zagueiro Gabriel mais uma vez cresceu demais, o centroavante Carlinhos dá seu jeito mesmo quando isolado, mas a linha de três meias é que fez outra atuação daquelas. Xandinho, com a sete, Yago, com a onze, e Bill, com a dez, se juntam num trio que é um barato de ver, repetindo por ali o domingo anterior para lembrar que arrumado é um adjetivo que às vezes cabe para esses casos, mas aqui fica insuficiente para a qualidade desse time. O técnico Carlos Vitor tem um onze de investimento menor e inteligência e calma enormes, raras, para acertar os lances ofensivos. Quando a bola circula a área, pode esperar que vai se rabiscar uma jogada enjoada. Que golaço. Que time legal.
Já o Vasco, que pese o calor proibitivo e a necessidade de ganhar, em nenhum momento fez seu jogo parecer de vencedor da semifinal. Ramon Díaz prometeu a classificação e falou semana passada que os dias sem jogar contariam uma vantagem, mas seu time nunca pareceu melhor postado nem correndo mais certo que o rival. Esteve, sim, mais lento, com menos pegada e sem achar um jeito de pressionar, voltado a depender exclusivamente de Piton e Payet, abertos na esquerda à espera do tapa certo para dentro. Manjados, não acharam espaço. E nenhum atacante poderá dizer que deu realmente trabalho para a defesa da Baixada.
No meio, as escolhas do treinador argentino não funcionaram. O jovem Sforza parece o mais capaz do setor no momento, preterido para entrar no lugar de Praxedes só aos 25 minutos do segundo tempo, e Galdames também não conseguiu fazer o time jogar. Rojas, na direita, é uma escalação complicada de ser defendida, e inclusive poderia ter usado melhor a parceria com Adson por ali. Se ele foi o escolhido à frente de Paulo Henrique e Puma Rodríguez, olha… O Vasco tem problemas sérios para suportar o Brasileirão.
É interessante como o advento do clube-empresa, com o Vasco sendo adquirido pela esquisita 777, cria uma expectativa que não parece capaz de se refletir no campo neste curto prazo. O Vasco tem bons jogadores, e poderia destacar o zagueiro João Victor como uma contratação de nível bem interessante, mas a gente olha para o campo e imagina que tem nome do Nova Iguaçu que caberia no elenco do lado de lá, por que não? Isso mostra que ainda é muito pouco para subir um degrau para valer na elite, para vender confiança à torcida quando vierem os grandes jogos. É só o início da temporada, mas sofrer tanto para chegar perto do gol numa partida dessas é um alerta do tamanho de um Maracanã.
Sobre jogar no estádio mítico, sem entrar em grandes detalhes burocráticos ou contratuais, só lamento que o lugar que é um verdadeiro sinônimo de futebol mundial e um símbolo de nossa possibilidade de convivência e sociabilidade em torno do jogo chegue a esse momento, quase 75 anos de sua inauguração, discutido sob parâmetros de interesses privados, tratado como mera peça de debate pragmático, chamado de anacrônico. Esbarrei com o comentário de um repórter dizendo que arriscamos vê-lo como elefante branco. O Maracanã, gente. Já teve o tombado rasgado, já teve a velha estrutura demolida… Pelo menos quem gosta realmente de futebol deveria respeitá-lo e defender sua inclinação democrática, aberta, enorme.
Para a final, Tite, que ironia, ele que disse que o Campeonato Carioca era o mais forte do país pelo nível atual dos grandões, está a dois jogos sem sofrer gols de um quadro da Série D para ser campeão pelo novo clube. O Flamengo, em recorde de jogos com defesa intocada e sem nenhum pudor em jogar com o resultado embaixo do braço, não leva um gol desde que Carlinhos, o nove do Nova Iguaçu, fez contra os reservas do rubro-negro já tem quase dois meses. A brava história da Laranja Mecânica versão Baixada Fluminense já está feita, com sua primeira vitória no Maior do Mundo e dois jogos com qualidade de marcar o encontro diante do Vasco para sempre. A subida agora é maior, bem maior, e nos resta especular se haverá bola para encarar essa rocha que virou o time flamenguista. A final tem um favorito claro, evidente e óbvio como poucas vezes, mas está em boas mãos, à altura de quem jogou mais no torneio.