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A ausência dos campeões do mundo mais recentes pelo Brasil no funeral de Pelé é um desrespeito à história

Campeões do mundo que conquistaram o título pelo Brasil nas Copas de 1994 e 2002 foram grandes ausências no velório de Pelé, o maior jogador que o mundo já viu

Pelé morreu na última quinta-feira, dia 29 de dezembro de 2022. Quase imediatamente, vimos manifestações do mundo inteiro a respeito disso, de grandes líderes políticos a celebridades, passando, claro, por diversos jogadores de futebol, incluindo muitos dos astros brasileiros. Passados quatro dias, Pelé foi velado por 24 horas na Vila Belmiro, onde cerca de 230 mil pessoas puderam prestar suas últimas homenagens, como contamos aqui no relato de Bruno Bonsanti. Algo que chamou a atenção foi a ausência, especialmente de jogadores e ex-jogadores, incluindo os campeões mundiais pelo Brasil em 1994 e 2002. Por que ex-jogadores notáveis, grandes craques, técnicos importantes, não estiveram no funeral de Pelé?

O presidente da Fifa, Gianni Infantino, sabia da importância e esteve na Vila Belmiro no primeiro dia, logo pela manhã. O mesmo para o presidente da Conmebol, Alejandro Domínguez. O presidente da CBF, Ednaldo Rodríguez, também estava lá, assim como o presidente da Federação Paulista de Futebol, Reinaldo Carneiro. O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, e o governado recém-empossado, Tarcísio de Freitas, estavam lá. Todos sabem a importância de um gesto tão simples como estar lá, de corpo presente. Algo que parece ter passado batido pela maioria dos grandes jogadores do presente e do passado.

A importância de Pelé é quase impossível de ser descrita, porque é uma missão ingrata tentar delimitar o Rei. Escrevi, alguns dias atrás, que o grande legado de Pelé são os sentimentos que causa nos apaixonados por futebol. Os últimos dias mostraram com clareza o tamanho de Pelé, que é transcendental, é algo muito além do futebol. É alguém que ultrapassou todas as barreiras e é, sem dúvida alguma, o brasileiro mais conhecido no mundo. Talvez uma das pessoas mais reconhecidas no mundo.

Por tudo isso, era de se esperar que o velório de Pelé tivesse lotado de nomes de peso do nosso futebol. O Rei do Futebol estava se despedindo dos súditos, amantes apaixonados de um esporte que ele ajudou a transformar, engrandecer e destacar de um jeito como nenhum outro conseguiu. É referenciado por diversos dos seus pares que atuaram e brilharam ao lado dele. Pelé transformou a vida do jogador de futebol para sempre, dentro e fora de campo, a ponto de ser um influenciador muito antes de Instagram existir.

Tudo isso deveria ser motivo para todos os grandes jogadores de futebol brasileiro, especialmente os campeões do mundo, estarem em peso no velório de Pelé, marcando presença para referenciar o maior de todos, aquele que mudou a história não só do Santos, da seleção brasileira, mas do Brasil e do futebol no mundo. O peso de Pelé é algo incomensurável, inimaginável. Por respeito a uma história que ajudou a construir, era de se esperar que houvesse uma fila de grandes craques do futebol brasileiro no velório de Pelé. Mas não houve.

Curiosamente, durante a Copa do Mundo, houve reclamação sobre a falta de reconhecendo dos ídolos do passado. “É estranho falar isso, mas muitos brasileiros não torcem para o Brasil. Acontece às vezes. Se vocês virem o Ronaldo andando por aqui, vão ficar ‘uau’, ele tem algo diferente aqui. No Brasil, é só um gordo andando pela rua”, disse Kaká, em entrevista à BeIN Sports.

Não é uma crítica direcionada apenas a Kaká, que teve essa fala absolutamente infeliz e desconectada da realidade. Qualquer pessoa que já esteve em um evento qualquer em que Ronaldo aparecesse sabe que ele é reconhecido e adorado onde passa. É um fenômeno até hoje, adorado por torcidas de todos os clubes, por brasileiros em qualquer lugar deste país. Foi um exemplo, no mínimo, dos mais infelizes.

O único entre os campeões mundiais de 1994 e 2002 a estar no velório foi Mauro Silva, um excepcional jogador e atualmente vice-presidente da Federação Paulista de Futebol, onde faz um grande trabalho como dirigente também. Seus companheiros daquela Copa de 1994 não se dispuseram a ir.

Não vimos dois dos grandes expoentes recentes do Santos, Neymar e Gabigol, estarem na Vila Belmiro para homenagear o Rei. O pai de Neymar esteve na Vila e disse que o filho não poderia vir por não ter sido liberado pelo clube, algo que foi desmentido por jornalistas que cobrem o clube francês. Kylian Mbappé e Achraf Hakimi, por exemplo, estavam em Nova York para assistir a um jogo do Brooklin Nets, pela NBA. Neymar poderia, e deveria, ter feito um esforço para estar naquela que foi também sua casa para dizer adeus ao maior de todos os tempos.

Gabigol está em pré-temporada pelo Flamengo e não faria nenhum mal separar um dia para ir até lá. Não seria nenhum problema. Gabigol vestiu a 10 do Santos. Vestirá a 10 do Flamengo em 2023, um número que só é o que é por Pelé. Neymar veste a 10 do Brasil, a camisa mais importante do mundo. Nenhum deles esteve lá. E a ausência é sentida e comunica muito. Também não estiveram diversos jogadores que vestiram a camisa 10 do Santos, da Seleção e de tantos clubes por aí.

Aquelas fotos no camarote da Copa do Mundo, recheado de ex-jogadores brasileiros campeões do mundo, sendo merecidamente festejados por serem quem são, não se repetiu no velório de Pelé. Nenhum deles apareceu para prestar homenagens àquele que permitiu que eles tivessem ainda mais destaque, assinassem contratos ainda melhores, tenha criado a aura em torno do jogador brasileiro que brilha até hoje, especialmente em quem veste ou vestiu a camisa da seleção brasileira. Me questiono por que nenhum daqueles esteve na Vila Belmiro.

O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, teve um primeiro dia útil de mandato agitado, com nada menos que 17 reuniões com líderes mundiais no dia 2 de janeiro. No dia 3, interrompeu a sua agitada agenda como chefe de Estado recém-empossado para se dirigir a Santos, à Vila Belmiro, e prestar homenagens ao maior símbolo brasileiro da história, dar condolências à família e participar da cerimônia religiosa.

“Ele obrigava a gente a ir em qualquer lugar assistir futebol, porque muitas vezes a gente não gosta só do nosso time, a gente gosta de alguém que dá espetáculo, alguém que é brilhante O Pelé simboliza tudo aquilo que é a ascensão da espécie humana. Tudo aquilo que a gente poder perceber da ascensão do ser humano foi o Pelé”, disse Lula no velório do Rei, segundo relatado pelo G1.

“Era um cidadão comum. Ele não se deixava levar pelo brilhantismo dele e pelo apogeu, nos maiores momentos de glória dele, quando encontrava com a Rainha da Inglaterra, quando ganhava um prêmio, ele era o mesmo de quando dava uma entrevista ou encontrava uma criança para conversar”, disse ainda o presidente do Brasil.

“O Pelé é uma figura muito especial. A gente não pode ficar comparando Pelé a ninguém, porque não tem ninguém comparável a Pelé em se tratando de jogador de futebol, de ser humano, e de comportamento, fino e educado que o Pelé tinha. Ele foi muito para o Brasil, foi muito para Santos, para a cidade de Santos, ele foi muito para São Paulo e ele foi muito para o Lula”, disse o presidente.

“Além do futebol, ele vai ensinar um pouco de caráter, de humildade, de dignidade, e quem sabe vai ensinar um pouco as pessoas a serem mais humanistas, mais solidárias, mais fraternas. Foi tudo isso que Pelé foi. Por isso acho que o mundo deve ao Pelé muita coisa, sobretudo a dignidade de um homem que nasceu pobre, negro, em um país onde o preconceito é muito vivo, e o Pelé nunca se importou com isso. Ele sempre soube ser Pelé, o melhor e mais humilde”, continuou Lula. “Não vou ver daqui para frente nunca mais o Pelé jogar, a não ser que eu fique assistindo filmes com gols do Pelé, que são muitos. Todos nós devemos um pouco ao Pelé, e o Brasil deve muito”, finalizou.

Lula estava lá, porque sabe o tamanho que tem Pelé, a sua importância, o que ele significa. O presidente do país encontrou um espaço na sua agitada agenda para isso. Já Romário, um dos grandes craques da história do Brasil, campeão do mundo em 1994 como melhor da Copa, senador reeleito, não esteve por lá.

Os jogadores e ex-jogadores brasileiros parecem não entender a importância de um ato simbólico e que não seja um afago no próprio ego. Querem o reconhecimento, a celebração, as festividades nas quais são homenageados, mas não se dispõem a estarem no velório do brasileiro mais importante da profissão deles. Parecem não entender eventos que não sejam recebidos de empresas que pagam cachês polpudos para estarem presentes em áreas VIP e cheias de mimos e regalias. Parece que não entenderam a importância de saírem de onde estivessem para prestar homenagens ao maior de todos.

Não vimos os grandes jogadores do presente, exceto os do próprio Santos, vimos raros jogadores do passado, a maioria ligada a Pelé ou ao Santos. As pessoas estiveram lá, firmes e fortes, aguentando uma, duas ou três horas embaixo de sol para olhar, rapidamente, aquele que é o nosso único monarca legítimo, que de fato transformou a história deste país.

A ausência dos grandes craques brasileiros do presente e do passado é um imenso desrespeito à história do esporte e do país que representam. Pelé é o maior de todos, é maior que todos eles, maior que os clubes, maior que o futebol. Pelé é o Brasil representado no século 20, eternizado na memória de qualquer pessoa que viva neste mundo globalizado. Se tem uma palavra capaz de substituir Brasil, esta palavra é Pelé.

Parece haver uma confusão de conceitos quando se fala sobre a falta de reconhecimento, especialmente nos jogadores mais recentes, dos últimos 20 ou 30 anos. Reconhecimento não é bajulação e nem é um passe livre para fazer o que quiser, fazer o que quiser, e não ser criticado por isso. Parece uma ideia incutida em parte da elite econômica brasileira, à qual os jogadores mais badalados fazem parte, de que estão acima do bem e do mal, das leis e das regras que valem para os demais. Pelé é Rei, sempre será, e mesmo ele não escapou de críticas, algumas justas, outras profundamente injustas, mas nem ele teve salvo-conduto para fazer o que quiser sem ser criticado.

Que esses ex-jogadores saibam o tamanho do desrespeito com Pelé, com o futebol brasileiro, com o Brasil e com eles mesmo quando escolhem se abster de aparecer no velório do Rei. Que lembrem disso antes de cobrarem reconhecimento e idolatria, sem lembrar que além de serem paparicados e estarem rodeados de puxa-sacos prontos a dizer tudo que eles querem ouvir, há uma responsabilidade em ser ídolo. Precisam entender que os direitos que cobram em forma de privilégios também trazem deveres, que parecem sempre querer terceirizar. Pelé merecia mais respeito por parte de cada um deles.

Foto de Felipe Lobo

Felipe Lobo

Formado em Comunicação e Multimeios na PUC-SP e Jornalismo pela USP, encontrou no jornalismo a melhor forma de unir duas paixões: futebol e escrever. Acha que é um grande técnico no Football Manager e se apaixonou por futebol italiano (Forza Inter!). Saiu da posição de leitor para trabalhar na Trivela em 2009, onde ficou até 2023.
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