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O Centenario cheio retribui o apoio que o Defensor deu ao povo uruguaio nos anos de chumbo

Nacional e Peñarol têm, de longe, as duas maiores torcidas do Uruguai. Segundo uma pesquisa realizada em 2013, 53% da população que gosta de futebol é aurinegra e 40% apoia o Tricolor. Restam apenas 7% para os outros tantos clubes charruas, cerca de 200 mil pessoas de todo o país. O Defensor tem apenas uma parcela dessa minoria. Mesmo assim, mais de 20 mil estiveram presentes no Estádio Centenario nesta quinta-feira, enchendo parcialmente as arquibancadas. Certamente, boa parte deles não são torcedores violetas. Estavam lá para empurrar os compatriotas e vê-los conquistar sua maior façanha na Copa Libertadores. Empurrar um time que, em um momento muito difícil da história política país, apoiou a população uruguaia.

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A história do Defensor começou a ser escrita em 1913, fundado nas proximidades do Parque Rodó e rapidamente integrado ao Campeonato Uruguaio. Seus grandes momentos, porém, só começaram a ser vividos a partir da década de 1970, com a conquista de seu primeiro título nacional, em 1976. Mesma época em que os violetas se tornaram um símbolo de resistência à ditadura militar que se instaurou no Uruguai a partir de 1973.

Quando o Defensor se sagrou campeão, os uruguaios viviam seu período de maior terror, com tortura e desaparecimento dos supostos opositores do regime. Ainda assim, os violetas se tornaram uma válvula de escape para a dura realidade. O técnico Ricardo De León e alguns jogadores do elenco tinham ligações com a esquerda local. Logo, as arquibancadas do Estádio Luis Franzini se tornou um ponto de encontro para os opositores da ditadura, os interessados em resistir às imposições autoritárias. As arquibancadas estavam sempre cheias, não só para ver os jogos, como também para discutir política. Um oásis em meio à repressão das ruas.

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E a resistência do Defensor não se limitava apenas ao lado de fora do gramado. Como um grande emblema da luta contra os poderosos, foram justamente os violetas os primeiros a desbancar a dupla de ferro no Campeonato Uruguaio. Em 1976, pela primeira vez desde em 44 anos de era profissional no futebol do país, um clube além de Nacional e Peñarol ficou com a taça. Possivelmente nem os aurinegros e tricolores mais fanáticos que discordavam do regime ficaram descontentes com o resultado. Para comemorar o feito, um ato genial: o Defensor deu a volta olímpica ao contrário, partindo ao lado esquerdo do estádio. Mensagem subliminar do que queriam manifestar sobre a ditadura.

Muitos dos personagens daquele time histórico do Defensor acabaram perseguidos pela ditadura. Todos eles sobreviveram para ver a queda do regime em 1985. A maioria deles, para torcer também pela superação nesta Libertadores. O Uruguai atual é bastante diferente daqueles anos de chumbo, do Defensor campeão pela primeira vez. O apoio massivo, que antes servia de resistência, hoje é apenas razão de festa. Celebrou a classificação sobre o Atlético Nacional na expectativa de ir ainda mais além. Para, quem sabe, ver o filme se repetir. Os violetas levantarem a taça, darem a volta olímpica ao contrário e os uruguaios comemorarem o período que ficou para trás.

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Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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