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Na Libertadores, é preciso saber jogá-la. E o San Lorenzo soube mais que o Cruzeiro

O Cruzeiro era o último bastião brasileiro na Libertadores. Sabia que não seria fácil manter essa honra, depois da derrota no Nuevo Gasómetro. E reiterou a certeza logo nos primeiros minutos de jogo no Mineirão. O time que já havia ressuscitado por duas vezes no torneio tentaria ressurgir das cinzas pela terceira vez. Vontade inútil. A pressa que se apossou da equipe celeste foi inimiga da classificação. Pouco funcional contra a barreira montada pelos cuervos, não garantiu nada além do empate por 1 a 1. O San Lorenzo está pela primeira vez nas semifinais da Libertadores desde 1988. Não há brasileiros nesta fase do torneio pela primeira vez desde 1991.

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Os pecados do Cruzeiro existiram, só que também ficaram evidentes as virtudes do San Lorenzo. Um time que não ataca muito, mas que possui uma saída de bola rápida quando preciso, capaz de pavimentar caminhos estreitos à vitória, com placares magros. No excesso de espaços da zaga celeste, em um erro do time, foi que Ignacio Piatti encontrou o gol que abriu o placar. O herói da classificação na primeira fase voltava a aparecer, garantindo a tranquilidade logo aos dez minutos de bola rolando. Com 2 a 0 no agregado, o jogo estava nas mãos do Ciclón.

A reação do Cruzeiro demorou a aparecer. O time voraz do Brasileirão de 2013 só aparece de vez em quando, mais raramente nesta Libertadores. A Raposa tinha repertório limitado demais para incomodar o San Lorenzo. Uma equipe com o plano de jogo decorado. Defendia-se muito bem, fechava os espaços dos cruzeirenses, amarrava o jogo quando precisava, tocava a bola com calma. E ameaçavam nos contra-ataques ocasionais. O segundo gol até poderia ter saído, não fosse chance clara defendida por Fábio. Do outro lado, as oportunidades seguiam escassas. Marcelo Moreno foi quem teve a melhor, mas as duas traves evitaram o gol – em mais um milagre atribuído ao Papa.

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No segundo tempo, o Cruzeiro voltou a campo bem mais ciente de que precisava de três gols. E por isso mesmo foi tão insistente. Em uma equipe que tem se demonstrado muito dependente do jogo aéreo, sobraram os chuveirinhos. Foi quando outro herói passou a acumular ainda mais milagres para a sua santificação: Sebastián Torrico. Foram quatro defesas fantásticas do goleiro que teve suas luvas abençoadas pelo Papa. O fato mesmo é que o camisa 1 se torna um demônio nos momentos decisivos. Foi assim na última rodada do Apertura, na decisão por pênaltis contra o Grêmio e no bombardeio do Cruzeiro.

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O tempo passava e nada do gol que os cruzeirenses tanto precisavam. Marcelo Oliveira colocava o time no ataque, mas não havia criatividade que resolvesse. As jogadas eram limitadas aos cruzamentos e as rebatidas que, por sorte, sobravam. A persistência resultou no empate com Bruno Rodrigo, é óbvio, de cabeça, aos 26 do segundo tempo. Seis minutos depois, o Cruzeiro ainda ficou com um a mais, diante da expulsão de Leandro Romagnoli. Acabou sendo bom para o San Lorenzo, que esfriou ainda mais o duelo e, encarcerado na sua área, segurou o empate. A classificação para a semifinal estava consumada.

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No papel, o Cruzeiro possui um time melhor que o do San Lorenzo – embora os cuervos também contem com ótimos jogadores. A Raposa tem mais dinheiro e era bem mais cotada ao título. Não teve o mesmo nível de organização e a mesma objetividade do Ciclón. É claro que os argentinos também contaram com um pouquinho de sorte em alguns momentos, algo normal. Mas que é mínimo diante da competência demonstrada, sobretudo por Torrico.

Se há uma chance para o San Lorenzo deixar de ser o Club Atlético Sin Libertadores de America, esta é agora. Papa Francisco à parte, o Ciclón conta com todos os elementos necessários para triunfar: um estádio intimidador, uma equipe que se sente bem, atacantes com capacidade para decidir, um goleiro iluminado. Na edição da Libertadores que mais surpresas tem proporcionado em anos (talvez, na história), nunca é bom se duvidar do potencial de Bolívar, Lanús, Nacional, Defensor e Atlético Nacional. Ainda assim, no atual estágio, o San Lorenzo é o favorito. Basta saber lidar com isso, mantendo a cabeça no lugar. Um valor que os brasileiros não tiveram e, por isso mesmo, verão o resto da copa do sofá.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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