Mesmo com Caracas em erupção, o Deportivo La Guaira buscou uma vitória emblemática na Libertadores

A cena, ocorrida um punhado de minutos antes que a bola rolasse no Estádio Olímpico de la UCV, foi simbólica. As arquibancadas às moscas não davam qualquer indício que, em pouco tempo, o local receberia um jogo de Copa Libertadores. Enquanto isso, os alto-falantes ecoavam no vazio a música “Sad But True”, do Metallica. Triste, mas verídico, que a Conmebol não demonstra qualquer sensibilidade com a situação caótica na Venezuela. A entidade, que não se importa com os seus próprios clubes, tem menos apreço ainda por sua gente. Nos últimos anos, os cartolas deram de ombros à crise humanitária venezuelana, enquanto até mesmo alguns times brasileiros ajudavam a população com mantimentos. Já nesta quarta, em meio aos movimentos que buscam derrubar Nicolás Maduro do poder, a confederação se manteve impassível. Ordenou a realização do duelo entre Deportivo La Guaira e Real Garcilaso, pela fase preliminar. E, independentemente do ambiente hostil nas ruas de Caracas, o time da casa venceu. Arrancou o grito de alegria das raras almas que se aventuraram a aparecer nas tribunas.
Horas antes do jogo, Juan Guaidó se proclamou ao cargo de presidente interino da Venezuela. O presidente da Assembleia Nacional, controlada pela oposição, acusa um processo fraudulento que levou Maduro a declarar sua reeleição. Desta maneira, o parlamentar fez o seu juramento sobre a constituição, prometendo um governo de transição que levará o país às eleições livres. O ato de Guaidó teve o apoio diplomático de diferentes países, mas também contou com a resposta de Maduro, se negando a ceder e prometendo “ir a combate”. Os protestos populares acontecem em diferentes cidades e ao menos oito pessoas morreram desde a última segunda. O impasse político na nação em cacos está longe de uma resolução. Mas a Libertadores seguiu em frente.
O temor seria natural e foi acompanhado pelos jogadores do Real Garcilaso, visitantes em Caracas. Em depoimento ao Movistar Deportes, o zagueiro Jhoel Herrera declarou que do próprio hotel era possível avistar as manifestações populares e as movimentações das forças de segurança. Apesar disso, o cronograma se manteve e os jogadores seguiram concentrados para o duelo. A Conmebol não buscou uma solução que contemplasse a tranquilidade dos atletas, com a remarcação da partida ou mesmo sua realização em outro local.
A expectativa era de que as arquibancadas do Estádio Olímpico de la UCV permanecessem vazias, diante da falta de segurança, dos confrontos em Caracas e mesmo por causa das dificuldades financeiras da população. Ainda assim, alguns corajosos conseguiram comparecer e apoiar o Deportivo La Guaira, estreante nesta edição da Libertadores. Apesar da superioridade do Real Garcilaso, que pressionou os anfitriões durante a maior parte do tempo, os venezuelanos conseguiram arrancar a vitória no final. O gol do triunfo por 1 a 0 aconteceu aos 26 do segundo tempo. Juan Azócar recebeu com espaço na entrada da área, limpou a marcação e bateu rasteiro para vencer o goleiro. O eco da comemoração foi grande, com a festa dos poucos presentes. Um alento que vai além da chance de classificação à próxima fase. A volta está marcada para a próxima terça, em Cusco.
Nesta quarta-feira, também deveria acontecer o segundo jogo da Série Final da Liga Venezuelana de Beisebol Profissional (LVBP), principal competição esportiva do país. Contudo, os Leones de Caracas se negaram a entrar em campo contra os Cardenales de Lara, em Barquisimeto. “Meus companheiros e o corpo técnico nos reunimos para analisar a situação sobre a partida de hoje e decidimos, por respeito à Venezuela, não sair para jogar. Entendo a intenção dos Cardenales em querer atuar, mas o que está se passando no país é responsabilidade de todos. Não é fácil o que estamos vivendo. Creio que o beisebol é uma festa que todos os venezuelanos devemos desfrutar e neste momento não estamos para festa. O país vem primeiro e devemos entendê-lo”, declarou Jesús Guzmán, jogador dos Leones.
Enquanto isso, no Campeonato Sul-Americano Sub-20, a Venezuela deu continuidade à sua ótima campanha na primeira fase. A Vinotinto lidera o Grupo A, com três vitórias em quatro rodadas e está classificada ao hexagonal final. Em duelo realizado na cidade de Rancagua, no Chile, os venezuelanos derrotaram a Bolívia por 1 a 0, com gol de Jesús Vargas. O Brasil, que perdeu para os chilenos também nesta quarta, ainda não se confirmou na fase decisiva, que vale vagas ao Mundial da categoria.
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