Libertadores

É louvável a solidariedade de Grêmio e Corinthians, que não ficaram alheios à realidade dos venezuelanos

A situação de calamidade econômica, social e política que vive a Venezuela gera grandes impactos. As notícias das dificuldades enfrentadas pela população do país são frequentes, e se refletem também no Brasil. Diante das mazelas expostas, é importante notar como o futebol não está alheio à crise humanitária venezuelana. Durante as viagens ao país nesta semana, em compromissos pela Copa Libertadores, Grêmio e Corinthians tiveram atitudes solidárias em relação aos vizinhos. Realizaram doações, notáveis sobretudo pelo significado.

O Grêmio foi o primeiro a demonstrar sua empatia ao povo venezuelano. O atual campeão continental viajou até Maturín, nordeste do país, onde venceu o Monagas por 2 a 1. As marcas mais profundas da estadia, todavia, foram deixadas por aquilo que jogadores e membros da comissão técnica viram além das quatro linhas. Compadecidos com a escassez generalizada, os tricolores doaram dinheiro a trabalhadores do local onde estavam hospedados. Também levaram mantimentos e produtos de higiene em maior número, para que o excedente fosse oferecido aos funcionários. Além disso, durante um treinamento, o técnico Renato Gaúcho chegou a oferecer água e isotônicos a garotos das categorias de base do Monagas que treinavam em condições limitadas.

“Chega a machucar o coração de todos nós. Esse ano nos tocou, o mundo precisa olhar um pouco mais para a Venezuela, as pessoas precisam pensar diferente. O que vimos e sentimos aqui nos últimos é algo que choca. Fizemos nossa parte, ajudamos algumas pessoas, mas sabemos que não é o suficiente. A coisa está muito feia. Torcemos para que esse povo possa viver com alegria e saúde”, declarou Renato, durante a coletiva após a vitória gremista.

Além do treinador, Cícero também se mostrou bastante emocionado ao comentar a situação: “Nós somos seres humanos. A maioria de nós, jogadores, veio de classe média baixa. Eu sei o que meus pais passaram. Chegamos aqui, vimos uma situação arrepiante: um ser humano pegando um prato de comida como se fosse seu último dia de vida. O pessoal pediu para nos reunirmos e juntamos algo bom para eles. Ficamos sabendo do salário mínimo, da situação de vida deles. Isso não tem preço. Quando você faz algo bom, acontece em dobro para você. Nós temos uma vida só. No final disso tudo, sabemos que somos todos iguais. Se na vida você puder ajudar alguém, é gratificante”.

Dois dias depois, o Corinthians demonstrou igual generosidade aos venezuelanos. Após a vitória por 7 a 2 sobre o Deportivo Lara, o técnico Fábio Carille confirmou que os jogadores se mobilizaram para doar dinheiro aos funcionários do hotel onde se hospedaram. Os alvinegros passaram por Barquisimeto, uma das principais cidades do noroeste venezuelano.

“Foi uma iniciativa muito legal dos atletas. Infelizmente o país vive uma situação muito ruim. Nós sabemos que no nosso país temos problemas também, mas aqui está muito generalizado mesmo”, declarou Carille. Jadson, também presente na coletiva de imprensa, o complementou: “O que a gente fez foi doar algum dinheiro pro pessoal do hotel. Ficamos sabendo de algumas situações, do salário mínimo, das dificuldades enfrentadas. Conversamos entre o grupo e tivemos a iniciativa. Sabemos que não é muita coisa no nosso país, mas pra eles é muito. Tentamos ajudar da melhor maneira possível. Tomara que o país possa se reerguer novamente e as coisas melhorem a eles”.

Em campo, aliás, o Corinthians enfrentou um personagem particular. Capitão do Deportivo Lara, Ricardo Andreutti escreveu um texto ao Globo Esporte falando sobre as suas impressões quanto às necessidades do país, a política e o futebol. “Do nascer ao pôr do sol, eu sofro uma transformação. Passo de um sonho ou uma esperança a um espectador impotente, vítima às vezes da realidade miserável que atinge nossa sociedade. A fronteira que divide o mundo do futebolista – eu sou daqueles que pensam que o jogador vive em uma bolha – com o mundo real na Venezuela está cada vez mais estreita. Eu diria que, para muitos, a bolha está prestes a explodir. Para os que tiveram a sorte de encontrar estabilidade no futebol, seus sonhos e esperanças estão perdendo prioridade à medida que passam as horas do dia e eles se conectam com a realidade cruel, tentando concentrar seu foco e atenção no bem-estar de seu círculo familiar”, introduz em sua análise.

As doações de Corinthians e Grêmio ainda acontecem em um momento importante, às vésperas de um “processo eleitoral” que não oferece certeza alguma aos venezuelanos. Ante a opressão e a negligência que cerceiam quaisquer perspectivas, a solidariedade dos brasileiros é, mais do que ajuda, também um sinal de esperança.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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