Paulo Júnior: Veiga destrava o Mineirão para relançar o Palmeiras de elite
Em meio a um raro momento de turbulência de um Palmeiras que se caracterizou pela constância, Raphael Veiga ressurge como fator decisivo de um time moldado para competir

Quando a bola subiu pronta na perna esquerda de Raphael Veiga na entrada da área do Mineirão, ele já era o dono daquele pedaço do campo, o mais difícil de se jogar, o que menos costuma se abrir livremente para um meia em início de jogo gigante. Mas foi onde ele havia primeiro tentado servir Rony, depois batido para a defesa de Éverson, e a ida das oitavas de final da Copa Libertadores ainda não tinha nem meia hora. Gol.
O trunfo do Palmeiras para vencer o Atlético-MG e achar espaço num duelo tradicionalmente travado foi ter seu camisa 23 por ali, recebendo livre, leve e solto atrás dos volantes do time da casa, confortável para um jogo mais por dentro. Um Veiga que vai deixar de circular para carimbar tanta bola no pé de Mayke ou Piquerez, que vai se poupar de ir buscar a bola lá na pisada da zaga, que vai abrir menos para uma tabela com Dudu perto da bandeirinha de escanteio, em troca de receber já pronto para se virar rumo à meia-lua.
Funcionou. Também porque o próprio Dudu se juntou ali mais pelo meio, deixando o corredor para o lateral, e Zé Rafael batalhou como sempre. Lá atrás, Gustavo Goméz repetiu suas jornadas de primeira classe, limpando a área como poucos, e Weverton segurou o que escapou. Apesar de destacar o autor do gol do 1 a 0, ótima atuação individual dos pilares da defesa, aliás. Concentração no talo.
Voltando a Veiga, depois de semanas pouco inspiradas e muita dificuldade de ganhar os duelos nas derrotas para Botafogo, no Brasileiro, e São Paulo, na Copa do Brasil, ele voltou a marcar contra o Fortaleza e participou bem diante do América-MG. O Palmeiras tem três vitórias seguidas com seu matador sendo decisivo na bola final. Mais confiante, ele puxou o time para destravar o jogo contra o Galo e mandar avisar que o bom e velho time de Abel Ferreira segue na elite do torneio onde melhor aprendeu a competir.
Porque o treinador português vai dizer que nenhum time do mundo vence sempre, e terá sua dose de razão, mas também há motivos para a crítica entender semanas atrás que o Palmeiras exibiu claras dificuldades. A costumeira prática em alcançar os resultados rareou, jogadores importantes sofreram com questões físicas na virada para a segunda metade da temporada, propostas milionárias balançaram do estrangeiro, e a busca por reforços, explícita, patinou. Até a bola parada, protagonista no título brasileiro do ano passado, perdeu um pouco de excelência.
Veiga da Era Abel Ferreira segue ressurgindo para ser decisivo
Talvez seria exagero dizer que a atuação no primeiro tempo em Belo Horizonte tenha surpreendido, porque essa turma de jogadores vem tirando respostas em noites importantes há pelo menos três temporadas, e essa geração se notabilizou exatamente por essa constância. Ao mesmo tempo que havia um clima de dúvida pelo incômodo frente aos principais times do país em confrontos recentes, faz parte. Achar que determinado elenco está devendo uma resposta ao atravessar os vendavais da temporada é do jogo, e o próprio clube admitiu que, mesmo confiando na sequência do plano, era preciso novos jogadores para dar força à estrutura de tanto tempo.
E nesse contexto surge a atuação de início de Veiga, logo num cenário que costumava ser tão apertado. Na primeira vez que se encontraram na Copa, mas semifinais de 2021, a eliminatória começou com um 0 a 0 em que o Palmeiras mal chutou no gol mesmo em casa, travado com muitas faltas e duelos físicos contra aquele meio-campo de Allan e Jair, com Felipe Melo na entrada da área batendo com Hulk. Depois, nas quartas de final de 2022, o time de Abel só foi buscar o empate por 2 a 2 em duas bolas paradas do iluminado Gustavo Scarpa, aqueles dias em que onde tocava o pé esquerdo, virava ouro.
Dessa vez, fez-se um clarão, e dali surgiu o gol. Talvez um dia, quando acabar, vai parecer tudo uma coisa só, o Veiga da era Abel Ferreira, o jogador que mudou de prateleira em 2020 para se tornar absoluto por anos. Mas é impressionante como de perto ele passa por oscilações, rearranja seu lugarzinho no campo e vai dando um jeito de ressurgir e fazer de novo, e de novo. Talvez o maior jogador desta geração do Palmeiras, provavelmente o de mais gols enormes nos 109 anos do clube, relança seu time na busca do título continental.
Eu que escrevi que o Atlético-MG, com Felipão, adiava o futuro e pegava um atalho para competir com urgência, jamais imaginei que um time com tanto talento ia ficar tanto tempo sem ganhar de ninguém. Agora vem ao Morumbi, domingo, e ao Allianz Parque, quarta. Dureza para Scolari.