Libertadores

O Fuerte Apache de Tévez, agora, é também de Thiago Almada

A origem do craque do Botafogo em um dos bairros mais estigmatizados e complexos de Buenos Aires

Em Buenos Aires e no mundo do futebol, quando se fala em Fuerte Apache, se fala de Carlos Tévez. Mas, recentemente, outro nome passou a ser referência para um dos bairros mais carentes da Argentina. Thiago Almada, do Botafogo, também tem suas origens na área periférica e muitas vezes marcada preconceituosamente pela violência.

E a Trivela esteve em Fuerte Apache para conhecer o local que deu origem ao jogador mais caro da história do futebol brasileiro e que pode se tornar ídolo do Botafogo com os possíveis títulos da Copa Libertadores e do Campeonato Brasileiro.

A história do Fuerte Apache é parecida com a de muitos lugares no Brasil, especialmente do Rio de Janeiro, onde hoje joga Thiago Almada. O bairro surgiu no começo dos anos 1970 como um conjunto habitacional, criado para receber os moradores de vilas carentes que ficavam perto do centro de Buenos Aires. Naquele período, a Argentina vivia sob uma forte e repressiva ditadura militar.

Conexão: à esquerda, Tévez exibe ‘Fuerte Apache' após marcar pela Juventus, em 2013; à direita, série sobre o ex-jogador, disponível na Netflix, também leva nome do bairro

Oficialmente, o bairro se chama Ejercito de los Andes. Mas, desde 1992, passou a ficar conhecido como Fuerte Apache. O nome foi dado por um jornalista argentino após um intenso tiroteio entre criminosos e a polícia no local. Para alguns, o nome é pejorativo. Mas acabou ficando popular.

O conjunto habitacional cresceu, virou um bairro e, hoje, se estima que cerca de 60 mil pessoas vivem na região. Entre elas, Esteban Daniel, presidente do Club Santa Clara, um dos três clubes do bairro e onde Thiago Almada deu os primeiros passos no futebol, a partir dos 4 anos. Nesta época, Daniel era o técnico do time de “baby fútbol”, como os argentinos chamam o futsal, com algumas diferenças nas regras entre os dois.

— Conheço ele desde os 7, quando cheguei no clube. Ele sempre jogou aqui, foi campeão algumas vezes. Jogou o “baby fútbol” até os 13 anos aqui. Ele jogava no Vélez no futebol de campo e, aqui, no “baby fútbol” – disse Daniel à Trivela.

— Sempre foi diferente. Se notava desde pequeno a diferença. Sempre fez a diferença na categoria em que estava. Ele sempre se destacava pelos feitos – completou Daniel sobre Thiago Almada.

Daniel treinou Thiago Almada na infância no Club Santa Clara (Foto: Gabriel Rodrigues/Trivela)
Daniel treinou Thiago Almada na infância no Club Santa Clara (Foto: Gabriel Rodrigues/Trivela)

Para Daniel, este começo de carreira entre o “baby fútbol” no Santa Clara e o futebol de campo no Vélez foi essencial para o desenvolvimento de Almada.

— No baby fútbol e no futsal, os meninos têm mais contato com a bola. Aqui a cada dois minutos você tem a bola. Na “cancha grande” você pode ficar cinco minutos sem a bola. Aqui se exige mais tecnicamente dos pequenos. É um passo importante para ao futebol profissional – disse o presidente do Club Santa Clara.

Thiago Almada já virou uma das marcas do Fuerte Apache

Almada teve um começo de carreira meteórico no futebol argentino. Ele estreou no time profissional do Vélez em 2018, aos 17 anos. Naquele mesmo ano, pelo destaque nas categorias de base, o meia-atacante foi chamado por Jorge Sampaoli para completar os treinos da seleção da Argentina antes da Copa do Mundo da Rússia.

No fim de 2021, depois de uma temporada com 14 gols e seis assistências pelo Vélez, acabou vendido para o Atlanta United, dos Estados Unidos. No ano seguinte, dessa vez como convocado oficialmente, Thiago Almada, com apenas 21 anos, foi campeão do mundo com a seleção da Argentina. E fez questão de comemorar a conquista com uma carreta pelo Fuerte Apache.

Almada comemorou o título de campeão do mundo em 2022 no Fuerte Apache (Foto: Reprodução/Instagram)
Almada comemorou o título de campeão do mundo em 2022 no Fuerte Apache (Foto: Reprodução/Instagram)

O sucesso no futebol internacional logo fez Almada virar um dos orgulhos do Fuerte Apache. Hoje, por onde se anda no bairro, é possível ver referências ao jogador do Botafogo em grafites, murais e pichações. Em uma delas, embaixo do prédio em que cresceu, o tamanho do feito do garoto: “Almada – de Fuerte Apache al Mundo”.

Almada virou referência para o Fuerte Apache (Foto: Gabriel Rodrigues/Trivela)
Almada virou referência para o Fuerte Apache (Foto: Gabriel Rodrigues/Trivela)

— É uma coisa importante para todos. Ver que o Thiago saiu de um clube do bairro, que muitas vezes estamos descriminados socialmente pelo lugar, chegou aonde chegou, campeão do mundo, é um espelho muito importante para as crianças, que podem ser iguais ou melhores que ele – disse Daniel sobre a influência de Almada para as crianças do bairro.

No próprio Club Santa Clara também há homenagens a Almada nos muros. Em um deles, um grande mural com uma imagem do jogador ainda com a camisa do Vélez. Do outro lado, a inscrição que mostra o orgulho dos feitos de Almada: “Bem-vindo ao clube campeão do mundo”.

Mural com a camisa usada por Thiago Almada na Copa de 2022 (Foto: Gabriel Rodrigues/Trivela)
Mural com a camisa usada por Thiago Almada na Copa de 2022 (Foto: Gabriel Rodrigues/Trivela)

Os grafites e murais de Almada por Fuerte Apache dividem espaços com imagens de Tévez, Maradona e do Almagro, clube profissional que fica no bairro ao lado e que hoje disputa segunda divisão argentina. Mas não há dúvida de que Almada tem ganhado cada vez mais espaço entre as referências do Fuerte Apache.

Almada abriu restaurante popular no bairro

Mesmo longe de Buenos Aires, Thiago Almada se faz presente todo dia no Fuerte Apache.

Recentemente, o jogador abriu um restaurante popular entre os blocos que formam o conjunto habitacional. O “Comedor El Guayo” serve refeições sem custos para os moradores da região, principalmente crianças.

O restaurante, que leva o apelido de infância de Almada – Guayo -, foi aberto exatamente na frente do prédio em que o jogador foi criado. Familiares e amigos de Thiago cuidam da manutenção do espaço.

Thiago Almada abriu um restaurante popular no Fuerte Apache (Foto: Gabriel Rodrigues/Trivela)
Thiago Almada abriu um restaurante popular no Fuerte Apache (Foto: Gabriel Rodrigues/Trivela)

Almada também ajuda constantemente o Club Santa Clara. O jogador já doou materiais esportivos e materiais para fazerem reformas nas instalações do clube, que hoje conta com cerca de 250 crianças dos 4 aos 17 anos. Daniel fez questão de ressaltar que o Santa Clara não aceita doações em dinheiro.

Futebol, churrasco e camisas do Botafogo para os amigos

Tímido e contrário a ostentação comum no mundo do futebol, Thiago Almada gosta de voltar as origens. Quando está de férias ou com folgas estendidas, Almada sempre faz questão de visitar o Fuerte Apache. Alguns parentes do jogador vivem no bairro até hoje. E Almada também tem muitos amigos na área. Dois sobrinhos, inclusive, tentam trilhar o mesmo caminho e jogam no Santa Clara.

Em um desses encontros com amigos, distribuiu camisas do Botafogo. E sempre joga futebol com amigos no Santa Clara e faz churrascos na rua.

— Ele sempre vem aqui quando está de férias. É um menino muito, muito humilde. Sempre vem, fica com a gente, com as pessoas, com as crianças. Às vezes vai no Apache e no Refúgio (outros clubes do bairro). Mas sempre vem aqui com os amigos, come um churrasco. A família também é muito humilde – disse Daniel.

Almada com amigos em visita ao Fuerte Apache em 2022 (Foto: Reprodução/Instagram)
Almada com amigos em visita ao Fuerte Apache em 2022 (Foto: Reprodução/Instagram)

Focado e concentrado para a final da Copa Libertadores e para as últimas rodadas do Campeonato Brasileiro, Thiago Almada, segundo um dos seus amigos que conversou com a Trivela, não deve visitar o Fuerte Apache nesta viagem a Buenos Aires. Mas, após o fim da temporada, se alguém quiser encontrar Almada, o Fuerte Apache é o destino certo.

Foto de Gabriel Rodrigues

Gabriel RodriguesSetorista

Jornalista formado pela UFF e com passagens, como repórter e editor, pelo LANCE!, Esporte News Mundo e Jogada10. Já trabalhou na cobertura de duas finais de Libertadores in loco. Na Trivela, é setorista do Vasco e do Botafogo.
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