Sul-Americana e Libertadores são diferentes, e as finais também deveriam ser
Discussão sobre decisão em jogo único na América Latina segue aberta e nela cabem bons argumentos
Aquele torcedor do Racing que levou o crânio de avó dele para a final da Copa Sul-Americana – imagino que ele ficou feliz com o sacrifício de seguir o seu time para Assunção. O avô, nem preciso falar – pelo menos não reclamou. Espero que o falecido curtiu bastante a viagem.
A torcida do Cruzeiro, claro, não volta para casa com lembranças felizes. O cabuloso que resolveu financiar a viagem pagando várias vezes vai ter motivos para xingar cada mês quando chega a conta. Emoções distintas, mas uma realidade financeira parecida. Quantos – argentinos e brasileiros – vão acabar se enrolando?
Na América do Sul, final em campo neutro é um caso de crueldade com o torcedor. Não se trata da Europa. As distâncias são maiores, as viagens são mais caras e a renda não é tão bem distribuída. Um final em campo neutro ou tira do torcedor a chance de estar presente no grande dia, ou o obriga a gastar o que ele ou ela não tem para assistir ao jogo.
Por isso, na insignificância da minha opinião, sempre fui contra.
Mas agora, depois de cinco anos desse tipo de decisão, não tenho a mesma certeza. Não retiro nenhuma palavra do argumento já citado. Mas reconheço que tem outras considerações.
As diferenças entre Copa Libertadores e Sul-Americana
Uma é bem menor, pois se trata de um aspecto comercial – e também, na verdade, se aplica muito mais na Copa Libertadores que na Sul-Americana. Com um só jogo, fica mais rentável, pois facilita a venda para outras praças. Estou ciente das limitações dessa linha de pensamento, mas no futebol profissional, dinheiro obviamente é um fator importante.
A outra consideração é estética. Depois de cinco anos de finais em campo neutro, dá para concluir que a qualidade do espetáculo fica melhor.
Racing contra Cruzeiro, por exemplo, foi um bom jogo de futebol, um partido de fluxos e refluxos, bastante dramático e, apesar do calor da primavera paraguaia, de lampejos de excelência. De ambos os lados – o gol do Cruzeiro, por exemplo, foi uma obra magnífica.
Duvido muito que com dois jogos, de ida e volta, a decisão fosse tão atraente. Muitas vezes o visitante não quer jogo e fica tentando furar a bola enquanto os gandulas se transformam em ajudantes do time da casa, sumindo com as bolas se tiver uma vantagem para segurar. Difícil suportar tudo isso.
Também tem o comportamento das torcidas. O final em campo neutro foi visto como necessidade depois dos eventos de 2018, quando o jogo da volta, River Plate x Boca Juniors, nem iniciou.
Chegando perto do estádio, o ônibus do Boca foi atacado por torcedores do River, com alguns jogadores sofrendo lesões. Ou, muito mais recente, tem o exemplo da Copa do Brasil, quando alguns torcedores do Atlético Mineiro não conseguiram engolir a derrota contra o Flamengo e causaram um tumulto dentro do estádio que deixou ferido um fotógrafo.
Esse tipo de incidente pode pintar num estádio neutro – que traz com si outros problemas de segurança – mas parece menos provável. O risco maior vem da torcida local. Campo neutro, até agora, tem sido mais suave, com um ambiente, sim, cheio de emoção, mas sem os exageros violentos da mistura perigosa de paixão e delinquência. Um ambiente, então, mais propício para um grande espetáculo.
Fazer o que, então? Qual é a conclusão da minha confusão sobre esse assunto?
Que tal o seguinte? Na Sul-Americana, não vejo tanta vantagem. Trata-se da segunda competição, e nunca vai ser capaz de atrair tanta atenção global. Vamos voltar, então, para o velho modelo de jogos de ida e volta. Mas a Libertadores é o carro chefe de futebol de clubes na América do Sul, e, portanto, merece o melhor jogo e ocasião possível. Jogo único, campo neutro – com mais um capítulo dramático no sábado em Buenos Aires.