Libertadores

Quem diria que a Copa Libertadores sentia falta de Deyverson, seu herói provável

Atacante entrou no decorrer do jogo e foi decisivo para a classificação do Atlético-MG diante do Fluminense

E de repente surgiu Deyverson, com uma estrela de um tamanho que não cabe numa arena de tinta fresca – seria preciso anexar o velho Estádio de Lourdes, o Mineirão, o Independência, o Labareda, a sede social… uma Belo Horizonte inteira. Chamar ajuda de Dario, Reinaldo, Cerezo, Éder, quem mais puder vir para ajudar a carregar. Pedir licença a São Victor por um pedaço de sua prateleira, um rabicho do fim do filme onde segura Riascos com o bico de seu pé esquerdo, para um carioca de nem dez jogos com a camisa do alvinegro mineiro, mas o bastante.

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Até ali, Thiago Silva era o melhor em campo no primeiro tempo de Atlético-MG e Fluminense por razões óbvias de uma volta de mata-mata em vantagem no placar sob o comando de Mano Menezes. Seu time se fazia apenas um amontoado de gente lá atrás espirrando bolas alçadas pelos rivais e apostando sabe-se lá no quê para segurar o resultado, e então o excelente zagueiro dedicou toda sua capacidade de posicionamento e limpeza da área para ir arrastando o jogo sem gols até onde fosse possível. Também era preciso sorte e um goleiro: Fábio pegou um pênalti.

O final, a essa altura, todo mundo já sabe. Um time de ótimos cruzadores, notadamente Scarpa e Arana, geralmente um aberto de cada lado, encontrou finalmente quem colocasse a bola para dentro. Deyverson primeiro destravou o zagueiro de quatro Copas do Mundo, ganhando de cabeça para aliviar uma arquibancada confiante, mas aflita; depois, já sob a linha de três tricolor que em nada melhorou a proteção ao gol, apareceu lá atrás de Antônio Carlos, na esperteza que lhe acompanha e com o tapa da classificação que parecia esperar seu melhor personagem. Galo dois a zero, enfim.

Como definir a estrela de Deyverson?

Dá um trabalho destrinchar Deyverson, e seria mais fácil usar daquele chavão e dizer que ele não se explica, se sente. Porque não se resume a um atacante pitoresco e trapalhão, muito menos um grandão trombador sem tanta técnica. Tampouco dá para se ignorar que seu estilo de viver o campo, puro caos e galhofa na maior parte de sua carreira, em tantas vezes rebaixou suas habilidades de jogador de bom nível. No tempo em que todo mundo precisa ser sub ou super valorizado, talvez Deyverson seja apenas o que ele é, essa confusão que pode te irritar e decidir jogos grandes, via de regra sorrindo, se atropelando na própria coleção de comemorações e bravatas, seja ao se enroscar num escanteio ou de frente ao microfone.

A própria carreira aponta isso, e pensemos no Palmeiras, onde teve vida mais longa. Deyverson chega como um pedido do técnico Cuca, insatisfeito com o que Borja poderia lhe entregar ali em 2017. No ano seguinte, vira titular e autor do gol do título no time que ganha o Campeonato Brasileiro com Felipão. Mas o próprio Scolari, na sequência, clama por um degrau acima, e chega Luiz Adriano. Deyverson sai e, quando volta, tem a preferência de Abel e do elenco numa nova disputa com o colega colombiano, hoje no River Plate. O fim da temporada casa com Rony assumindo a posição até que chega a final da Libertadores em Montevidéu. Na prorrogação, nada de Luiz Adriano, Breno Lopes ou Verón – quem entra é ele, para apertar a saída de bola do Flamengo. Andreas escorrega e o resto é história.

Então Deyverson é esse cara que tem suas qualidades reconhecidas por vários treinadores importantes, na insistência por todos os lances, na casquinha mesmo pressionado com o zagueiro às costas e na ótima presença de área, além de correr pelo time e comprar as brigas dos parceiros de frente. Também ele mesmo se fez instável por mergulhar no personagem maluco, simulando agressões criminosas por um mero raspão, pentelhando árbitros e adversários acima do razoável, interagindo com a torcida às vezes mais num programa de auditório que num jogo profissional. Ele próprio admite que se perdeu no extra-campo e nessa figura indomável. E que figura.

Deyverson era a melhor opção para o ataque do Atlético-MG?

Confesso que a princípio achei sua contratação uma completa falta de criatividade do Galo. O elenco de Hulk e Paulinho, com Vargas, Kardec e o jovem Cadu, recorrendo ao velho Deyverson, que perdeu lugar na elite continental e foi jogar (bem, com gols) no Cuiabá… Mas o futebol está aí para chutar nossas impressões para bem longe, e quando Milito perdeu Bernard machucado foi exatamente o camisa 9 que quebrou o arranjo da defesa do Fluminense. Está pago. Mérito do treinador que enxergou jogo para povoar ainda mais a área.

Ao Fluminense, um borrão, um vazio. É o que sobra quando um time perde anulando todas as suas coragens e possíveis rabiscos ofensivos num astral totalmente passivo para um jogo desse tamanho. É claro que o Atlético-MG criaria mais chances, é óbvio que a tendência do jogo era de pressão do time da casa precisando virar a série. Mas o atual campeão fez um jogo bem abaixo do mínimo que seu torcedor merecia, sem nenhum lampejo de reação ou incômodo. Feio.

Então de repente Deyverson, de novo, numa noite que finalizou como ninguém e salvou seus estrelados colegas de frente, é o herói que provavelmente faça mais sentido a gente começar a chamar de provável, como o maior torneio da América lhe trata, afinal. Estranhas são as noites de Libertadores sem seus ídolos tortos, esses mais doidos e menos óbvios quando se pretende analisar o jogo de véspera. É o Galo do Deyverson, e quem diria que a Copa estava com saudade de seu predestinado mais caótico.

Foto de Paulo Junior

Paulo JuniorColaborador

Paulo Junior é jornalista e documentarista, nascido em São Bernardo do Campo (SP) em 1988. Tem trabalhos publicados em diversas redações brasileiras – ESPN, BBC, Central3, CNN, Goal, UOL –, e colabora com a Trivela, em texto ou no podcast, desde 2015. Nas redes sociais: @paulo__junior__.
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