América do Sul

O Cobreloa superou traumas e dramas para voltar à elite chilena depois de oito anos

Quarto maior campeão do Campeonato Chileno, o Cobreloa estava na segundona desde 2015, com direito a derrotas traumáticas nos playoffs e até risco de rebaixamento à terceirona neste ínterim

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Leandro Stein
20/10/2023 - 09:18
8 minutos de leitura
O Cobreloa superou traumas e dramas para voltar à elite chilena depois de oito anos

O Campeonato Chileno contará com a volta de um dos clubes mais tradicionais do país na próxima temporada. O Cobreloa estava fora da primeira divisão desde 2015 e, depois de muito penar na segundona, enfim pôde comemorar o acesso nesta semana. Os Zorros del Desierto precisavam ser campeões da segunda divisão para ficar com a única vaga no acesso direto. Cumpriram a missão com grandes doses de emoção no último domingo. O Cobreloa venceu fora de casa o Rangers de Talca por 2 a 1, graças a um gol aos 51 do segundo tempo. Milhares de torcedores alaranjados estavam em Talca para comemorar o fim do desterro, enquanto uma recepção ainda mais calorosa aconteceu depois em Calama. O acesso do Cobreloa gerou inclusive felicitações nas redes sociais dos principais times chilenos – incluindo o trio Colo-Colo, Universidad de Chile e Universidad Católica.

O Cobreloa soma oito títulos no Campeonato Chileno, sendo o quarto maior campeão do país e o mais vencedor fora de Santiago. O clube fundado em 1977 teve um salto enorme a partir dos anos 1980, financiado pela principal companhia de mineração de cobre do Chile. O time chegou inclusive a duas finais de Libertadores consecutivas naquele período, a primeira delas perdida contra o Flamengo e a segunda contra o Peñarol. Posteriormente, os Zorros del Desierto também tiveram um momento relevante no começo deste século, com novos troféus na liga nacional. Entretanto, a última década seria bastante dura em Calama.

Em 2014, o Cobreloa deixou de ter um vínculo direto com a Codelco, a estatal chilena do setor cuprífero e grande apoiadora do clube em seu auge. E nem demorou para que a derrocada se consumasse, com o rebaixamento em 2014/15, o primeiro desde que o Cobreloa havia estreado na elite em 1978. Foi uma queda amarga, até por conta de pontos perdidos nos tribunais. O assistente técnico dos Zorros trabalhou em dois clubes na mesma temporada, algo proibido pelas regras da liga e que custou três pontos. Um preço caro demais. A partir de então, não seria um processo simples a busca pelo acesso, diante dos problemas administrativos e econômicos.

Curiosamente, o acesso do Cobreloa acontece num momento que pode ser histórico ao futebol do norte do Chile. Seu rival regional e também impulsionado pelo dinheiro do cobre, o Cobresal é o atual líder da primeira divisão do Campeonato Chileno e pode conquistar um título que não vem desde 2015. Num período em que vários clubes tradicionais do país não correspondem, em especial as forças de Santiago, um novo momento de sucesso parece se desenhar no Atacama. Quem sabe, para que o Cobreloa também aproveite a promoção para se firmar outra vez como um time relevante na tabela.

A caminhada no deserto

O rebaixamento do Cobreloa resultou numa crise institucional, com disputas de poder e intervenção da própria prefeitura, diante da falta de organização. O lado esportivo sentiu as consequências, com dificuldades de recolocar os Zorros del Desierto na elite. A primeira tentativa de acesso aconteceu em 2015/16. O Cobreloa terminou na terceira colocação da segundona, mas 15 pontos abaixo da vaga. A campanha de 2016/17 seria ainda pior, com uma sexta colocação modestíssima, em meio às constantes trocas de treinadores. Já no Torneio de Transição em 2017, um novo terceiro lugar foi insuficiente. O sistema da segundona era cruel com o Cobreloa, já que apenas o primeiro colocado subia.

As chances aumentaram a partir de 2018, com uma vaga a mais na elite e a criação de playoffs. O Cobreloa terminou na segunda colocação e não subiu diretamente. Teve uma nova oportunidade nos mata-matas e perdeu a decisão exatamente para o rival Cobresal. Nova queda nos playoffs aconteceu em 2019, quando os alaranjados lideraram durante parte da campanha e despencaram nas rodadas finais. Já em 2020, o Cobreloa passou longe do acesso, num fraco décimo lugar na segundona. A estagnação dos Zorros del Desierto era flagrante. O clube não tinha capacidade para se reorganizar, investir e subir.

O ponto mais baixo do Cobreloa aconteceu em 2021. Os Zorros del Desierto temeram o rebaixamento à terceirona e chegaram a ocupar a lanterna a sete rodadas do final. Tudo bem que o San Marcos de Arica acabou punido com a perda de 23 pontos e caiu, mas em condições normais o clube de Calama estaria realmente ameaçado. Os alaranjados ficaram no 13° lugar, a 15 pontos dos playoffs de acesso. Tamanho caos ao menos ofereceu um chacoalhão no Cobreloa. O departamento de futebol passou por uma ampla renovação, até que os sinais positivos começassem a pintar em 2022, mesmo com limitações financeiras.

O Cobreloa ainda não conseguiu o acesso em 2022, na segunda colocação, mas passou perto. Os Zorros del Desierto terminaram a campanha só quatro pontos atrás do Magallanes, outro histórico que estava ainda mais tempo fora da elite e conseguiu subir depois de 36 anos. Os alaranjados chegaram até a ocupar a liderança a cinco rodadas do fim, mas os concorrentes foram mais consistentes. Restava ao Cobreloa disputar os playoffs, classificado diretamente à final. E o desfecho da campanha seria digno de cinema. Mais precisamente, de um filme de terror: após o empate por 0 a 0 na ida, o Cobreloa tomou de 5 a 0 para o Deportes Copiapó em Calama. Os oponentes subiram para a primeira divisão, diante de quase 12 mil torcedores alaranjados incrédulos.

A volta por cima

O purgatório do Cobreloa finalmente acabou nesta edição da segundona do Campeonato Chileno. Mas ainda com suas doses de aperto. O próprio começo dos Zorros del Desierto não dava pinta de que o time subiria. Ganhou somente duas partidas nas primeiras seis rodadas, no 11° lugar na tabela. A ascensão começou na sequência do primeiro turno, com direito a vitórias sobre Santiago Wanderers e Deportes Iquique, que depois se tornariam seus concorrentes. O Cobreloa fechou a primeira metade da campanha na terceira colocação, mas numa disputa embolada. San Luis de Quillota e Deportes La Serena eram os primeiros naquele momento.

O começo do segundo turno também não foi bom para o Cobreloa. De novo as derrotas se encadeavam, com o time caindo para o sexto lugar. E a derrota para o Santiago Wanderers na tentativa de se recuperar não ajudou. A guinada só começou nas oito rodadas finais. Os Zorros venceram Santiago Morning e Santa Cruz, antes do empate com o Iquique. Também bateram Deportes Recoleta e San Felipe. A três rodadas do final, assumiam a liderança pela primeira vez. A volta à elite se tornava palpável.

Todavia, o Cobreloa perdeu para o Deportes Temuco na antepenúltima rodada. Com isso, os cinco primeiros colocados na tabela estavam separados por dois pontos, mesmo que a liderança continuasse com os alaranjados. Qualquer coisa poderia acontecer. Na penúltima rodada, o Cobreloa sustentou a primeira posição. Derrotou o San Luis por 1 a 0, com um gol aos 53 do segundo tempo, e viu alguns concorrentes ficarem pelo caminho. Deportes Temuco e o rival Antofagasta não tinham mais possibilidades de alcançar os Zorros. O clube de Calama chegava aos 51 pontos, igualado com o Santiago Wanderers. O Deportes Iquique ainda tinha esperanças com 49. Na rodada final, o Cobreloa pegaria o eliminado Rangers, em Talca, com presença massiva da torcida laranja mesmo fora de casa. Já o Iquique receberia o Wanderers, num confronto direto. Todos os três estariam vivos. Caso dois times terminassem com a mesma pontuação, haveria um jogo extra.

Dois gols saíram aos 32 minutos do primeiro tempo. O Cobreloa abriu o placar com Gustavo Gotti, assim como o Iquique fez o primeiro sobre o Wanderers. Neste momento, os Zorros subiriam. No entanto, o Wanderers virou no início do segundo tempo em Iquique. Já o Rangers, que teve um jogador expulso, com dez homens conseguiu o empate contra o Cobreloa em Talca. Neste momento, era o clube de Santiago quem seria promovido. O Cobreloa só voltou ao topo da tabela aos 36 do segundo tempo, quando o Iquique empatou sua partida em 2 a 2. A esta altura, os alaranjados fariam um jogo extra contra o Wanderers.

Um gol do Iquique poderia inverter os papéis e permitiria ao time forçar o jogo extra. Um gol do Wanderers também poderia fazer os alviverdes subirem direto. Mas foi o Cobreloa quem balançou as redes antes, no apagar das luzes em Talca. O veterano argentino Cristian Insaurralde foi o herói do acesso, ao anotar o gol da vitória por 2 a 1 sobre o Rangers aos 51 do segundo tempo. E isso porque o Deportes Iquique ainda fez 3 a 2 sobre o Santiago Wanderers aos 54 do segundo tempo. Um empate do Rangers em Talca provocaria nova reviravolta. Mas não aconteceu. O martírio do Cobreloa tinha um ponto final.

O saldo do Cobreloa

O Cobreloa fechou a segundona com 54 pontos. O Iquique ficou com 52, enquanto o Santiago Wanderers somou 51. Os Zorros não tiveram nem o melhor ataque e nem a melhor defesa, enquanto sofreram mais derrotas que os dois principais concorrentes. A diferença está no número de vitórias, maior do que qualquer outro time, num fator essencial para a promoção. Iquique e Wanderers disputarão os playoffs de acesso, ao lado de Deportes Temuco, Deportes Antofagasta, San Luis, Deportes La Serena e Unión San Felipe. Desta vez, o Cobreloa assistirá de camarote ao drama dos demais.

O acesso do Cobreloa foi conquistado por Emiliano Astorga. O treinador de 63 anos, com diversos trabalhos por clubes médios do país, deu a volta por cima. Ele chegou a Calama em janeiro de 2022 e permaneceu mesmo com os 5 a 0 na final dos playoffs anteriores. Também manteve o respaldo quando o início da atual campanha não engrenava. Corresponde com o tão sonhado acesso. Já dentro de campo, os Zorros se valeram de muitos veteranos, sobretudo argentinos. Cristian Insaurralde e Gustavo Gotti, os heróis do acesso, foram também os artilheiros do time na campanha. Prata da casa e presente no time rebaixado em 2015, o zagueiro Rodolfo González é um simbólico capitão. Já o goleiro Hugo Araya, de 22 anos, é a principal promessa. Seu trabalho no clube é tão bom que ele chegou a ser convocado para a seleção em junho, como reserva em amistosos. O lateral Rivaldo Hernández, outro prata da casa, também chama atenção.

O Cobreloa não tem mais as perspectivas de investimento de outrora, ainda que a ligação com o cobre esteja na própria identidade. Durante as comemorações do acesso, o elenco chegou a visitar uma mina, reavivando uma tradição do clube. De qualquer forma, as dificuldades econômicas se mantêm. Ao longo desse tempo na segundona, os Zorros precisaram contar com o apoio dos próprios torcedores para coletar fundos e evitar a bancarrota. A elite agora oferece novos desafios. Mesmo o técnico Emiliano Astorga pediu um cuidado mais profissional na gestão para se manter à frente do projeto após a promoção.

Ainda assim, obviamente, o saldo positivo do Cobreloa com o acesso é muito maior. O caráter que o time demonstrou nessa campanha pode impulsioná-lo. Depois de tantos baques, os Zorros conseguiram superar as adversidades e concretizaram a conquista na unha. O fim do desterro talvez ajude a virar a chave, tal qual aconteceu com outros times que passaram por longos sofrimentos nas divisões de acesso – a exemplo do que se nota com o Fortaleza no Brasil, em salto impulsionado também por uma excelente gestão e escolhas certeiras nas contratações. Neste momento, o Cobreloa dá o passo mais importante. Precisa agora mostrar na primeira divisão que o entorno também mudará.

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Leandro Stein
20/10/2023 - 09:18
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Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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