Por que o Bayern decidiu demitir Julian Nagelsmann e contratar Thomas Tuchel
Bayern entrou em modo desespero e sofreu ultimato no processo para demitir Nagelsmann e antecipar o plano de mudar de técnico ao final da temporada
O Bayern de Munique confirmou os rumores que surgiram fortes na quinta-feira: demitiu o técnico Julian Nagelsmann e contratou Thomas Tuchel, ex-técnico do Mainz, Borussia Dortmund, PSG e Chelsea. A demissão foi uma surpresa, especialmente pelo momento que acontece, embora haja motivos para insatisfação. Aos 35 anos, o jovem treinador acabou demitido no maior desafio que teve na carreira, um ano e meio depois da sua contratação, após passagens por Hoffenheim e RB Leipzig.
Nagelsmann soube que seria demitido pelas redes sociais, assim como os jogadores. Os rumores já estavam nos jornais alemães – e do mundo todo – na quinta-feira, dizendo que o treinador seria demitido e que Thomas Tuchel seria contratado. Seguiu-se uma expectativa que pegou os dirigentes do clube de surpresa. Ele só foi comunicado formalmente da demissão na tarde (no horário alemão) desta sexta-feira, quando esteve no centro de treinamento, que era quando o clube planejava fazer.
Os problemas com Nagelsmann não são novos. Seguindo relato da Kicker, acontecem há cerca de um ano. Até por isso, o Bayern já tinha conversas com Thomas Tuchel para que ele assumisse o time na próxima temporada, segundo conta Raphael Honigstein no The Athletic. O gatilho para antecipar os planos foi a derrota para o Bayer Leverkusen. Não apenas pelo resultado, que foi obviamente ruim, mas pela forma como aconteceu, com um time desorganizado, com uma atuação sofrível e coletivamente pobre.
“Quando contratamos Julian Nagelsmann para o Bayern no verão de 2021, estávamos convencidos de que trabalharíamos com ele a longo prazo – e esse era o objetivo de todos nós até o fim. Julian compartilha nossa aspiração de jogar um futebol atraente e de sucesso. Mas agora chegamos à conclusão de que a qualidade do nosso elenco – apesar do título da Bundesliga no ano passado – tem se destacado cada vez menos. Depois da Copa do Mundo, jogamos com menos sucesso e menos atrativos. As grandes flutuações de desempenho colocaram em dúvida nossos objetivos para esta temporada, mas também nossos objetivos para o futuro. É por isso que agimos agora. Pessoalmente e em nome do Bayern, gostaria de agradecer a Julian e sua equipe técnica e desejar a todos boa sorte no futuro”, afirmou o CEO do Bayern, o ex-goleiro Oliver Kahn.
“Esta foi a decisão mais difícil do meu tempo como membro do conselho de esportes do Bayern de Munique. Tive um relacionamento aberto, de confiança e amigável com Julian desde o primeiro dia. Lamento a separação dos caminhos com Julian. Mas depois de uma análise criteriosa ao desenvolvimento desportivo da nossa equipa, sobretudo desde janeiro e com a experiência da segunda metade da época anterior, decidimos agora dispensá-lo. Sou muito grato a Julian pelo que ele fez pelo Bayern e desejo a ele tudo de bom”, Hasan Salihamidzic, diretor esportivo do Bayern.
Relacionamento deteriorado com os jogadores
Os jogadores reclamaram que o técnico estava complicando demais as coisas nos treinamentos, fazendo mudanças demais durante os jogos e não se comunicando bem com eles. Nagelsmann ouviu os jogadores, tentou adotar um esquema tático mais fixo no 4-2-2-2 a partir de setembro, após uma série de resultados ruins. Isso, porém, não duraria muito.
Recentemente, Nagelsmann variou o seu esquema tático entre um 4-2-3-1 e um 3-2-4-1, mudando algumas vezes durante os jogos. Um dos pontos de discordância entre o técnico e figuras importantes do vestiário do Bayern estava no estilo de jogo. Nagelsmann queria uma posse de bola maior, mais controle de jogo, enquanto alguns jogadores preferiam uma abordagem mais direta, mais rápida, com transições em velocidade. Algo que lembra muito o que acontecia no estilo de Jupp Heynckes, que virou quase um modelo do que o clube – e os jogadores – querem.
Havia uma distância crescente entre o que o técnico queria e o que os jogadores acreditavam que funcionaria. A gestão de Nagelsmann em relação a isso também foi criticada. Alguns jogadores se incomodavam com o fato do técnico se colocar como uma estrela, como a principal peça no funcionamento do time. E reclamações aumentaram, com jogadores achando que ele colocava o sistema acima das necessidades dos atletas.
Seu único defensor no elenco era Joshua Kimmich, que, não por coincidência, era também um jogador que se dava muito bem com Pep Guardiola. As altas demandas do treinador catalão, mudando demais o time e tirando e colocando jogadores sem explicar foram problemas no Bayern, mas Guardiola era mais convincente e os jogos, especialmente na Bundesliga, serviam como uma forma de vender os seus métodos. O Bayern não foi tão dominante na liga quanto era com Guardiola desde que ele saiu do clube.
A campanha do Bayern é ruim, ao menos para o padrão bávaro. É a pior campanha do time em 11 anos e houve algumas derrotas doloridas para o time. O temor que derrotas nos próximos jogos pudessem fazer a temporada ir para o ralo fizeram os dirigentes do Bayern tomarem uma decisão que acontece em todo o mundo, do Brasil à Alemanha: trocar o treinador esperando salvar o ano.
No caso do Bayern, salvar o ano é retomar a liderança e conquistar o título alemão e tentar ganhar a Champions League, sempre um objetivo do clube. Apesar das desconfianças, a campanha do Bayern na Champions League é impecável. São oito jogos e oito vitórias. Só que a sensação pelos jogos da Bundesliga é que o time tem ficado cada vez pior e, diante do ex-técnico, Pep Guardiola, na Champions League, cresceu o medo de tomar uma paulada.
Com tudo isso, os jogadores já não estavam ao seu lado. Ele não conseguiu convencê-los que as suas ideias funcionariam porque eles viram como o time sofreu em alguns jogos, derrotas pesadas que os jogadores não achavam que o time tinha que jogar como jogava, como foram as derrotas para Borussia Mönchengladbach e Bayer Leverkusen. Ele entrou em rota de colisão com algumas figuras importantes e influentes no vestiário bávaro, como o goleiro Manuel Neuer. O clube demitiu o preparador de goleiros Toni Tapalovic quando Neuer já estava machucado, o que fez o goleiro reclamar publicamente.
Nagelsmann também substituiu Thomas Müller muito cedo em jogos que o time estava perdendo, contra Gladbach e Leverkusen, o que gerou insatisfação. Outros técnicos já tinham sofrido com isso, como Niko Kovac, que transformou Müller em reserva. O contrário do que fez Heynckes, que revigorou Müller e o transformou em um jogador fundamental – e com resultados em campo, além de grandes atuações do jogador.
O fator Thomas Tuchel e o ultimato ao Bayern
Até alguns aspectos menores minaram a confiança em Nagelsmann, como a sua relação com Lena Wurzenberger, repórter e ex-setorista do Bayern para o jornal Bild, o tabloide mais vendido da Alemanha. Havia suspeitas que os vazamentos de informação eu aconteciam dentro do clube, e que incomodavam a alta hierarquia, seguiam por essa via.
Entre as razões que levaram o clube a antecipar a decisão está a conversa que tiveram com o potencial substituto, que se tornaria o favorito. Tuchel não queria se comprometer com o Bayern para a próxima temporada. Se fosse para esperar, ele esperaria por outras propostas.
Tuchel avisou aos dirigentes do clube que aceitaria dirigir o Bayern agora. Ao final da temporada, porém, isso poderia mudar, de acordo com as propostas que recebesse. Tuchel está vivendo em Munique desde que deixou o Chelsea, o que facilitou a aproximação. Assim, o Bayern sabia que era um risco enorme.
O Bayern sabia que a ameaça era séria porque já tinham vivido situação muito similar em 2018. Na época treinando o Borussia Dortmund e com uma perspectiva de sair do clube, o Bayern conversou com Tuchel para levá-lo a Munique. Karl-Heinz Rummenigge, CEO do Bayern na época, era quem defendia a contratação, mas o presidente, Uli Hoeness, não tinha essa convicção. Ele temia a personalidade forte de Tuchel, o seu estilo estourado, e que isso poderia não encaixar no que é o Bayern como clube, na filosofia dos bávaros. A diretoria, então, pediu mais tempo. Ao final da temporada, Tuchel foi para o Paris Saint-Germain.
A diretoria atual do Bayern sabia do histórico e vinha trabalhando também com a possibilidade de contratar Jürgen Klopp na próxima temporada. O técnico do Liverpool foi a primeira opção dos bávaros, que estavam dispostos a esperar até o fim da temporada. Receberam um não como resposta. Tuchel, então, se tornou opção, mas colocou essa condição que queria começar já, e não esperar até a próxima temporada.
O vazamento da informação que Nagelsmann seria demitido constrangeu muita gente em Munique. Embora a decisão tenha sido tomada, era esperado que ele fosse comunicado formalmente e pessoalmente nesta sexta-feira. Como a informação vazou antes, ele acabou sabendo pelas redes sociais sobre a sua situação. A forma como a demissão aconteceu não agradou muita gente no clube, mesmo aqueles que defendiam que ela tinha que acontecer.
Demissão no presente, nova chance no futuro?
Nagelsmann, aos 35 anos, parecia um técnico para ficar por muitos anos no Bayern. Nascido na Baviera, torcedor do Bayern. Tudo indicava que era um encaixe perfeito. Neste momento, claramente não foi. Apesar de muitos no clube gostarem dele, mesmo na alta hierarquia, a conclusão foi que ele não conseguiria entregar o que se esperava: nem desenvolver jovens, nem aplicar suas ideias táticas avançadas, nem fazer uma boa gestão do grupo.
A rigor, poderia perder tudo nessa temporada. Nenhum jogador atual do Bayern está jogando melhor com ele. É comum que bons técnicos melhorem alguns jogadores e não se via nenhum jogador melhor com Nagelsmann. Com um elenco forte, a ideia é que eles deveriam jogar melhor do que tem jogador. E não parecia mais uma questão de paciência, porque o time piorou com o tempo em vez de melhorar. Talvez Nagelsmann possa melhorar no futuro e possivelmente vai. Alguns acreditam que ele precisa de mais experiência e que pode voltar ao clube daqui a alguns anos mais bem preparado para lidar com o que é o Bayern, com o seu ethos.
Só que o Bayern decidiu que não podia mais esperar por isso. O futuro é agora. Tuchel é alguém com experiência em vestiários cheios de pesos pesados, fez boas campanhas e, por mais que seja um técnico com personalidade forte e que pode (e provavelmente vai) bater de frente com a diretoria – como ele fez no Dortmund, no PSG e no Chelsea -, Tuchel tem qualidade comprovada e tende a tirar um pouco mais do time. Sua primeira missão será enfrentar o ex-clube, Dortmund, e tirá-los da liderança. Um encontro com o destino.
O Bayern terá um calendário importantíssimo nos próximos dias. No dia 1º de abril, faz Ker Klassiker contra o Borussia Dortmund, que atualmente é o líder da Bundesliga com um ponto à frente dos bávaros. Precisa vencer para retomar a liderança da liga. Pouco depois, terá pela frente o Manchester City pela Champions League, no dia 11 de abril, na Inglaterra. A volta, na Allianz Arena, em Munique, no dia 19 de abril. Serão os jogos que podem definir a temporada do clube.