Já passou da hora da Bundesliga rever os seus playoffs, que só servem como tábua de salvação
O Holstein Kiel oferecia um conto de fadas à Bundesliga. O campeão nacional de 1912 já estava satisfeitíssimo em disputar a segunda divisão do Campeonato Alemão em 2017/18. O clube retornava à segundona pela primeira vez em 36 anos e, quando muitos esperavam um mero figurante, ele brigou pelo acesso. Ocupou a liderança durante cinco rodadas, fechando o primeiro turno na ponta, e, apesar da queda no returno, se manteve bravamente na terceira colocação. Poderia ser o primeiro representante da Jutlândia desde a criação da liga, uma região na península da Dinamarca e que chegou a ser motivo de disputa da Alemanha com os vizinhos do norte. Porém, o terceiro lugar, que em outras ligas ao menos põe nos mata-matas contra oponentes da segundona, na Bundesliga leva aos playoffs contra o antepenúltimo da elite. Uma disputa bastante desigual com o Wolfsburg.
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Os investimentos no mercado de transferências nas últimas cinco temporadas dimensionam bem as diferenças. O Holstein Kiel gastou €5 mil em reforços, uma mínima fração se comparada com os €308 milhões empregados pelo Wolfsburg. No jogo de ida, os Lobos não tiveram problemas para se impor na Volkswagen Arena, com a vitória por 3 a 1 comandada por Divock Origi. Já nesta segunda, o reencontro aconteceria no Estádio Holstein, a acanhada casa do Kiel, com capacidade de 10,2 mil espectadores – e que, apesar de suas limitações, recebeu uma permissão especial da liga para receber os adversários da primeira divisão.
Nas tribunas, via-se um clube disposto a desfrutar seu maior momento em anos. A festa era ampla, entre gente de todo o tipo que lotava o estádio. Inclusive, vários torcedores se fantasiavam de marinheiros e carregavam cegonhas, símbolos da cidade de 250 mil habitantes na costa do Mar Báltico. O cenário, além do mais, tinha alguns detalhes bucólicos, como as casinhas atrás de um dos gols ou a curva de cimento em um dos setores das arquibancadas.
Dentro de campo, contudo, o esforço do Holstein Kiel não deu resultado. O time peitou o Wolfsburg, começando melhor a partida, embora não criasse tantas oportunidades de marcar. Já os Lobos tiveram um tento anulado pelo VAR. No segundo tempo, o Kiel passou a forçar boas defesas do goleiro Koen Casteels, mas viram a missão ficar mais difícil quando Robin Knoche abriu o placar aos alviverdes. Na sequência do jogo, os anfitriões chegaram a balançar as redes, mas o empate também foi cancelado pelo VAR, com certa controvérsia. O conto de fadas não se cumpriu aos nanicos, ante a derrota por 1 a 0.
E a permanência do Wolfsburg, mesmo que merecida durante os 180 minutos, deixa um enorme questionamento. Será que vale mesmo premiar a debilidade dos Lobos, brecando a ascensão do Holstein Kiel? O clube da Volkswagen segue sem conseguir se recuperar das perdas desde o vice-campeonato alemão e da campanha às quartas de final da Champions. Investiu quase €150 milhões em contratações apenas nas duas últimas duas temporadas, mas não acertou o time e as campanhas pífias levaram aos playoffs. No último ano, os alviverdes superaram o Eintracht Braunschweig. Desta vez, barraram o Kiel. E vão gastar mais um caminhão de dinheiro para ver se mudam a sorte no próximo ano, tentando escrever uma história diferente à do Hamburgo.
O Holstein Kiel, provavelmente, seria um saco de pancadas na Bundesliga. Com uma estrutura bastante inferior à dos concorrentes, montaria um time modesto para disputar a elite e precisaria demonstrar uma força acima de suas possibilidades (como fez na segundona) para tentar se manter. Poderia ser um novo Darmstadt ou um novo Paderborn, dois nanicos que surpreenderam durante parte de suas passagens pela primeira divisão, embora tenham sentido o impacto depois da queda. De qualquer forma, o clube da Jutlândia escreveria sua própria história, que deixaria sua marca na liga e poderia ser recontada por décadas entre seus torcedores. O regulamento não ajuda isso.
Os playoffs, que surgiram para providenciar um pouco mais de emoção na reta final da temporada alemã, competitivamente são um fracasso à Bundesliga. Desde que a fórmula surgiu, em 2008/09, garantiu a permanência do antepenúltimo colocado da elite em oito das dez oportunidades em que o duelo foi realizado. Somente os tradicionais Nürnberg (2009) e Fortuna Düsseldorf (2012) foram capazes de quebrar a escrita. No mais, em uma liga enxuta e equilibrada, na qual muitos clubes tradicionais acabam lutando contra o rebaixamento, a repescagem serve mesmo como uma tábua de salvação. O acesso à elite se torna um desafio maior aos nanicos, que encaram adversários muito mais estruturados, apesar da campanha ruim.
Ao próximo ano, o Holstein Kiel novamente aparece como um candidato à permanência na segunda divisão. Precisa manter os pés no chão para não reviver o que aconteceu com o Eintracht Braunschweig, dos playoffs à queda de uma temporada para a outra. Já o Wolfsburg tem que decidir se vai seguir com sua “síndrome de Hamburgo” ou se pode aprender com o exemplo do Eintracht Frankfurt, que ganhou novo impulso após a sobrevivência nos playoffs. Mas, até lá, a liga passa a mão na cabeça dos grandes que não se encaixaram. Já passou da hora de rever o regulamento.