A vitória de domingo foi um breve sorriso numa temporada do Schalke em que a vergonha virou costumeira
Clube de Gelsenkirchen já sabe que vai cair, mas agora precisa repensar os novos caminhos a tomar

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Neste final de semana, a Bundesliga experimentou uma de suas melhores rodadas da temporada. O jogo que merece as maiores manchetes foi Eintracht Frankfurt 4×3 Wolfsburg, num embate emocionante entre dois times que caminham firmes para disputar a próxima Champions League. O Bayern de Munique só empatou com o Union Berlim, enquanto o RB Leipzig goleou o Werder Bremen na prévia da semifinal da Copa da Alemanha. Ainda houve uma dura vitória do Borussia Dortmund sobre o Stuttgart por 3 a 2. E, entre tantos resultados eletrizantes, o Schalke 04 pelo menos teve um motivo para sorrir. Venceu o Augsburg por 1 a 0 e contabilizou seu segundo triunfo na caótica temporada.
Não é essa vitória que tira o Schalke 04 do rebaixamento praticamente certo. Restando mais 18 pontos em disputa, os Azuis Reais estão a 13 de alcançar pelo menos a zona dos playoffs contra o terceiro colocado da segundona. O time conquistou 13 pontos nas primeiras 28 rodadas e, embora tenha se livrado do recorde negativo de rodadas sem vencer, ainda pode registrar outras marcas pouco honrosas. Pior time da história da Bundesliga, o Tasmania Berlim também só conquistou duas vitórias na campanha de 1965/66, mesmo que o Schalke atual tenha três empates a mais e some mais pontos. Além disso, ainda falta um empate para o clube de Gelsenkirchen se igualar ao Wuppertaler de 1974/75, que fez a segunda pior campanha até hoje.
Faz tempo, aliás, que o Schalke 04 sabe que o rebaixamento é uma questão de tempo. O único momento em que houve uma real esperança na Veltins Arena nesta temporada aconteceu durante a primeira vitória. Ela veio apenas no 15° jogo dos Azuis Reais na campanha, quando bastava mais um tropeço para que a sequência de rodadas em jejum alcançasse o recorde estabelecido pelo Tasmania Berlim em 1966/66. A ocasião pareceu motivar o time e, de maneira inesperada, o Schalke emplacou uma goleada por 4 a 0 sobre o Hoffenheim em Gelsenkirchen. Neste momento, a lanterna ficava com o Mainz 05 e o Colônia aparecia somente quatro pontos à frente na zona dos playoffs. Era possível uma reviravolta, ainda mais com o mercado de transferências aberto.
Mesmo com a situação financeira delicada, em que os débitos chegam a €200 milhões, o Schalke 04 foi um dos clubes que mais se mexeu durante a janela de inverno. Os Azuis Reais foram atrás de alternativas baratas, mas garantindo jogadores experientes e com história no próprio clube. As vindas de Sead Kolasinac e Klaas-Jan Huntelaar transmitiam mensagens claras, com lideranças importantes e um passado marcante na Veltins Arena. William foi emprestado pelo Wolfsburg como uma alternativa para a fragilidade na lateral. Já Shkodran Mustafi, com uma Copa do Mundo conquistada no currículo, vinha também para se reerguer depois de deixar o Arsenal pela porta dos fundos. Porém, o efeito dos negócios se tornou bem mais contido.
Aquela vitória sobre o Hoffenheim antecedeu uma nova seca. O fechamento do primeiro turno não foi nada bom ao Schalke, com derrota no confronto direto diante do Colônia. Se o time dava até novas mostras de competitividade, os triunfos não vinham. E, a partir da segunda metade de fevereiro, algumas goleadas começaram a ampliar as cisões. Dortmund, Stuttgart, Wolfsburg: todos aplicaram chocolates por pelo menos quatro gols no placar. As esperanças de uma retomada se esvaíam, até em comparação com o Mainz 05, que disputou a lanterna com o Schalke no primeiro turno. Os alvirrubros, sim, conseguiram uma reviravolta e passaram a vislumbrar a sobrevivência. O mesmo não ocorreu em Gelsenkirchen. A competição acirrada para sair do Z-3 passou a reunir diferentes times, mas não os Azuis Reais.
Os novos reforços, aliás, não geraram o impacto esperado. Mustafi precisou de pouquíssimo tempo para entrar em conflito com a comissão técnica. Huntelaar mal tem aparecido em campo e só anotou um gol. O Schalke continuou dependendo de um ou outro jogador que ainda se empenha para salvar a própria honra, mas a falta de organização e de motivação é expressa. Ninguém sabe quão fundo é o poço em Gelsenkirchen, mas existe já uma certeza de que ele passará pela segunda divisão. E tal estadia pode não se limitar a apenas um ano, como tão bem exemplifica o Hamburgo, pelo terceiro ano consecutivo sofrendo para assegurar o acesso.
A derrocada do Schalke, obviamente, não se limita a apenas um fator. Há uma conjunção de problemas que levaram o clube a se afundar. Vale lembrar que, embora a ameaça de rebaixamento não fosse inédita durante os últimos anos, os Azuis Reais estavam mais acostumados a frequentar a parte de cima da tabela e eram candidatos à Champions League até o primeiro turno da temporada passada. Tal declínio, de qualquer maneira, começou a se tornar bastante evidente já sob as ordens de David Wagner – uma aposta interessante de início, mas que não conseguiu segurar as pontas.
Em campo, o Schalke 04 sofreu com as muitas lesões. O elenco pode ser menos qualificado que em outros tempos, mas os desfalques frequentes prejudicaram, assim como as dificuldades de alguns jogadores em recuperarem a melhor forma. A atual lista de nomes no departamento médico inclui Matija Nastasic, Nabil Bentaleb e Mark Uth, que poderiam ser úteis nos diferentes setores do time. Contornar tais ausências num elenco enfraquecido foi um problema constante em Gelsenkirchen. Outra questão foi a saída de Vedad Ibisevic, que parecia abraçar o projeto quando chegou, ao doar parte dos salários, e saiu pela porta dos fundos ao se envolver em uma briga com Naldo, que permaneceu como assistente técnico até março. Mesmo com o péssimo desempenho, nem sempre foi fácil gerir os egos, com outros casos de indisciplina envolvendo o talentoso Amine Harit e o próprio Bentaleb.
Também pesa a péssima gestão de elenco pela diretoria, o que não é exatamente uma novidade. O Schalke se acostumou a perder algumas de suas melhores promessas de graça, diante da enorme incapacidade em negociar contratos ou pelo menos fazer caixa com seus talentos. Tal problema de novo dificultou as coisas em Gelsenkirchen na atual campanha. Alexander Nübel e Weston McKennie deixaram a equipe no começo da temporada, enquanto o time ainda cedeu Ozan Kabak para o Liverpool no inverno, achando que Mustafi daria conta do recado. E não foram apenas os jovens que fizeram falta. A decisão de prescindir de alguns jogadores mais rodados, como Daniel Caligiuri e Sebastian Rudy, teve suas consequências.
Mas o principal motivo esportivo para a derrocada do Schalke esteve mesmo no aspecto mental. Desde a sequência negativa da temporada passada, ninguém foi capaz de incutir confiança nos Azuis Reais. Estava clara uma crise anímica principalmente no primeiro turno da Bundesliga atual, com os 8 a 0 do Bayern na abertura da competição. A goleada sobre o Hoffenheim parecia capaz de fazer o elenco acreditar no milagre, mas a dúvida voltou a pairar depois de mais uma sequência ruim. Hoje, o que vier acaba sendo lucro num rebaixamento aparentemente irremediável.
Não se pode desconsiderar, também, os efeitos que as arquibancadas vazias geram dentro de campo. O Schalke não possui exatamente um caldeirão, mas conta com um dos melhores estádios da Alemanha e o clima certamente acaba mais brando neste desastre, sem que o público estivesse presente. A pressão se atenua e facilita certa acomodação com o que sai pelo ralo. Os protestos de torcedores ainda acontecem nos arredores da sede dos Azuis Reais, cobrando a saída de dirigentes e reclamando da má gestão, principalmente. De qualquer maneira, tal relação seria bem diferente com o estádio cheio, mesmo que a torcida presente não fosse garantia de salvação.
Vale dizer que o Schalke degringolou independentemente das suas escolhas para o comando técnico. Talvez o maior erro tenha sido confiar em David Wagner na pré-temporada e não buscar um novo nome de imediato, mas a segunda chance para o treinador parecia compreensível. Não durou duas rodadas. Desde então, os Azuis Reais tiveram outros quatro comandantes diferentes e, exceção a Huub Stevens, que serviu de interino por apenas um jogo, ninguém parecia ter realmente lastro para uma transformação. Manuel Baum não venceu um jogo sequer, enquanto Christian Gross, apesar do triunfo contra o Hoffenheim, também cairia oito partidas depois – entrando em rota de colisão com os mais experientes do elenco, por métodos considerados antiquados e por dificuldades no relacionamento. Dimitrios Grammozis, antigo técnico do Darmstadt, é quem toca o barco atualmente, sem grandes expectativas.
Muito mais responsável pela derrocada do Schalke 04 é sua diretoria. E os erros se acumulam de diferentes maneiras. As já comentadas dificuldades em preservar os destaques dilapidaram o potencial dos Azuis Reais com o passar dos anos. Da mesma forma, o Schalke encontrou muitos problemas em gerir suas finanças durante os últimos anos. Perder promessas de graça é uma questão, mas a ausência das competições europeias também dinamitaram as contas. Além disso, com a pandemia, os portões fechados da Veltins Arena tiveram consequências drásticas nos cofres. E não é que a torcida estivesse tão disposta a apoiar economicamente o clube, diante de uma série de decisões desastrosas ao redor do Schalke.
O antigo presidente, Clemmens Tönnies, teve sua saída em 2020 amplamente comemorada – envolvido ainda em casos de racismo e disseminação do coronavírus por más condições em suas empresas, em críticas além da forma como geria o Schalke. Jens Buchta assumiu o cargo e, em vez de se notar posturas diferentes, o novo mandatário manteve a linha de conduta de seu antigo aliado – com a tentativa de uma mudança nos estatutos que, além de afetar o poder de decisão dos sócios, facilitaria o retorno de Tönnies. E há uma desconfiança ao redor do próprio futebol, sobre a maneira como os Azuis Reais serão capazes de sair dessa. Não à toa, houve uma limpa geral semanas atrás, depois da goleada por 5 a 1 aplicada pelo Stuttgart. Entre os que saíram estava o diretor esportivo Jochen Schneider, que já não continuaria para a próxima temporada, e o gerente Sascha Riether. Sinal claro da urgência das mudanças e das rusgas internas.
O Schalke até cortejou Ralf Rangnick para a próxima temporada, mas o projeto caiu por terra rapidamente. Trazer o veterano, além da experiência do homem que conduziu os crescimentos de Hoffenheim e RB Leipzig dentro e fora de campo, também teria um apelo saudosista ao Schalke. O treinador, afinal, teve duas passagens curtas e igualmente marcantes por Gelsenkirchen. Conquistou a antiga Copa da Liga na primeira, em 2005. Já na última, faturou a Copa da Alemanha em 2011, além de ter garantido a classificação às semifinais da Champions. Tal ligação parecia suficiente ao retorno, mas logo as conversas esfriaram. O próprio Rangnick admitiu que declinou porque “muitas coisas imponderáveis” envolvem o clube – um eufemismo para a profundidade do buraco existente na Veltins Arena, por conta dos conflitos políticos internos e das limitações financeiras.
Não será simples achar alguém referendado que aceite desatar esse nó. Huub Stevens, treinador mais importante do clube nas últimas décadas e campeão da Copa da Uefa em 1997, faz parte da direção e serve como um escudo junto à torcida, mas está claro como ele sozinho não foi suficiente para evitar os problemas. O Schalke precisará lidar com uma retração econômica severa em tempos de pandemia, além de precisar renovar seu elenco e manejar bem melhor a gestão de seus jogadores. Poderia não ser tão difícil, considerando a capacidade dos Azuis Reais em atraírem investidores e o tamanho da torcida ao seu redor para ajudá-lo a se reerguer. Todavia, os atuais administradores já deram inúmeras mostras do quão incapazes são.
Neste momento, o interesse do Schalke 04 deveria ser separar o joio do trigo. Ver quais jogadores ainda desejam ficar no clube e podem realmente contribuir na segunda divisão, especialmente os jovens. O goleiro Ralf Fährmann é um dos pouquíssimos que mantém a honra e deve permanecer por sua influência, assim como o capitão Omar Mascarell. Suat Serdar, que marcou o gol da vitória contra o Augsburg no domingo, é outro que pode ser útil se aceitar a segunda divisão. O mesmo pode valer a promessas como Malick Thiaw e a revelação Matthew Hoppe. A questão é balancear as contas, já que a perda de receitas e a crise interna também obrigarão algumas vendas para fazer caixa e permitir a troca de peças. De qualquer forma, as trocas mais urgentes são na alta cúpula e fogem de processos mais simples.
A reta final da Bundesliga, se não vai salvar o Schalke, deveria ser vista para recobrar um pouco mais a confiança. A pressão neste momento nem é tão grande, com o destino traçado, assim como a vergonha de fazer uma das piores campanhas da história já até deixou os torcedores acostumados. Uma vitória ou outra pode ajudar a aliviar o ambiente e analisar um pouco melhor o elenco em busca da recuperação. Por seu tamanho e por sua história, o Schalke deveria reconquistar o acesso de imediato. Porém, o caos atual e o exemplo do Hamburgo concedem poucas certezas. Na última vez que os Azuis Reais caíram na Bundesliga, foram três anos vagando na segundona até se restabelecer na elite a partir do início dos anos 1990. E há casos ainda mais drásticos na Alemanha, como os de Munique 1860, Nuremberg ou Kaiserslautern. A preocupação é óbvia, especialmente porque a limpa talvez não afete a direção geral.
O restante da briga contra o rebaixamento
A Bundesliga teve um jogo essencial neste final de semana em sua luta contra o descenso. E o Mainz 05 confirmou sua guinada, ao bater o Stuttgart num duelo emocionante. Os visitantes abriram o placar no Estádio Rhein Energie, permitiram a virada dos Bodes e retomaram a dianteira por 3 a 2 aos 46 do segundo tempo. O resultado deixou o Mainz cinco pontos acima da zona do rebaixamento direito, algo impensável a quem disputava a lanterna palmo a palmo com o Schalke. Enquanto isso, o Colônia demitiu o treinador e se preocupa bastante com os riscos de voltar à segundona duas temporadas depois do acesso.
O Mainz, sem dúvidas, é o time que se mostra mais consistente para assegurar a sobrevivência. O primeiro turno dos alvirrubros foi horrível, com apenas uma vitória e sete pontos no total. A primeira rodada do returno indicava novos ares com um surpreendente triunfo contra o RB Leipzig. Desde então, são seis vitórias e três empates nas últimas 11 rodadas, o que colocam o Mainz como o quinto melhor time do returno – só atrás dos quatro primeiros colocados, e não muito.
O Mainz fez contratações importantes na janela de inverno, como Danny da Costa e Dominik Kohr. Mesmo a saída de Jean-Philippe Mateta não se mostrou tão custosa. Pelo contrário, a equipe se tornou menos dependente de seu homem de referência e passou a distribuir melhor o protagonismo. Há um espírito coletivo mais visível, depois de alguns problemas de relacionamento que racharam os vestiários no início da temporada. E os méritos disso são de Bo Svensson, o treinador que assumiu o time no início do ano e conduz a arrancada no segundo turno.
O dinamarquês é mais um dos pupilos da excelente formação de treinadores do Mainz, dirigindo diferentes níveis da base, depois de ser um zagueiro importante nos tempos de Jürgen Klopp e Thomas Tuchel. Estava no Liefering, a filial do Red Bull Salzburg, antes de retornar aos alvirrubros. Com um 3-4-1-2 relativamente agressivo, o comandante conseguiu contornar os problemas da defesa e alimentar um ataque mais funcional. Outras referências que voltaram foram Martin Schmidt, de quem Bo Svensson foi assistente, mas agora está no cargo de diretor, e Christian Heidel, o homem por trás da ascensão do clube desde o início do século.
Se o Mainz 05 sobe, o Colônia se afunda. A equipe não fez um primeiro turno ruim, com três vitórias e seis empates, mas tal desempenho só parecia suficiente porque os dois últimos estavam muito mal. Os Bodes até começaram bem o segundo turno, mas, desde a vitória no dérbi contra o Borussia Mönchengladbach, não ganharam mais. São oito rodadas em jejum, com seis derrotas. Markus Gisdol se mantinha no emprego, mas pegou o boné após o revés diante do Mainz. O novo comandante é Friedhelm Funkel, de passagem marcante pelo Fortuna Düsseldorf. O Colônia tem um elenco experiente, mas não viu seus reforços de janeiro surtirem efeito, incluindo Emmanuel Dennis e Max Meyer.
Talvez o alvo para o Colônia ultrapassar seja o Arminia Bielefeld, que possui três pontos a mais. O objetivo do clube sempre foi escapar do rebaixamento e, considerando o elenco que não teve muitos investimentos após o acesso, o desempenho na elite é até digno. Os alviazuis chegaram a empatar com o Bayern, mas sobrevivem por vitórias importantes em confrontos diretos. É o que permite a esperança para o time de menor orçamento do campeonato, mas que vê jogadores se valorizarem, em especial o goleiro Stefan Ortega Moreno – especulado pelo Bayern, tamanho destaque.
Por fim, quem também precisa manter as orelhas em pé é o Hertha Berlim. Pela badalação ao seu redor, a Velha Senhora é certamente a maior decepção da temporada. Trocou de treinador recentemente, mas o retorno de Pál Dárdai ao posto principal não se reflete necessariamente em uma melhora, apesar de sinais positivos recentes. Não é time para fazer uma campanha tão fraca e muitas estrelas não correspondem. Contudo, ainda dá para acreditar que os berlinenses possam ser mais competitivos que os outros três concorrentes. Vale salientar ainda que, diante da melhora de rendimento de Mainz e companhia, alguns times mais à frente precisam olhar no retrovisor. Werder Bremen, Hoffenheim e Augsburg não podem se dar ao luxo do descuido nas próximas semanas, considerando que estão no máximo seis pontos acima da zona dos playoffs.