‘Morremos e ressuscitamos’: como tampão assumiu Costa do Marfim no meio do caminho e levou seleção à final da Copa Africana
Emerse Faé assumiu a Costa do Marfim no mata-mata após uma classificação suada, e pode ganhar o título continental no seu primeiro trabalho como técnico de uma equipe profissional

É raro, mas o mundo do futebol já mostrou ser possível demitir um treinador no meio de uma competição entre seleções, e esperar que o desempenho da equipe melhore. Em 1998, Coreia do Sul, Tunísia e a Arábia Saudita (então comandada por Carlos Alberto Parreira) demitiram seus treinadores após todas sofrerem duas derrotas nos dois primeiros jogos da fase de grupos. E nos 3 casos, as seleções empataram e voltaram para suas casas com ao menos um ponto na bagagem.
Mas a magia do futebol é justamente em desafiar os prognósticos e escrever uma inédita história a partir de um novo dia. E foi assim que a Costa do Marfim superou um vergonhoso início de Copa Africana de Nações em casa, para chegar à grande final contra a Nigéria, neste domingo (11), no Estádio Olímpico de Ebimpé, após a saída do francês Jean-Louis Gasset e se reencontrar com o inexperiente Emerse Faé.
No jogo de abertura da competição, a Costa do Marfim começou tranquilamente sua trajetória, batendo Guiné-Bissau por 1 a 0. Porém, a derrocada começou na partida seguinte, contra a Nigéria, em que os Elefantes perderam por 1 a 0, com um gol de pênalti. Mas a verdadeira vergonha veio no na última partida do Grupo A, em que a equipe foi massacrada por um vergonhoso 4 a 0 frente a Guiné Equatorial.
O que deveria ser uma tranquila classificação se tornou pesadelo. Ainda antes do fim da primeira fase, a direção da federação demitiu de imediato Gasset, mas ainda contava com um milagre que veio dois dias depois. Terceira colocada do Grupo A, a Costa do Marfim precisava pelo menos ficar entre os 4 melhores terceiros colocados. E a classificação veio com a ajuda de Marrocos, que bateu a Zâmbia por 1 a 0, para a festa de torcedores que lotaram a rua de Abidjan com a camisa dos Leões do Atlas.
O milagre significava uma nova chance para os anfitriões, que seriam comandados por Emerse Faé. Auxiliar de Gasset, ele tinha no currículo apenas o cargo de treinador da seleção sub-23 de seu país, e agora teria a responsabilidade de em seu primeiro trabalho numa equipe profissional, levar sua seleção machucada a ao menos entregar um desempenho melhor que o anterior.
A ressureição
– Eu falei para os jogadores que estávamos mortos depois da derrota contra Guiné Equatorial, mas que ressuscitamos depois de Marrocos e Zâmbia.
E foi com o espírito de fênix que Faé juntou os cacos e passou a importância do torneio em casa para os seus atletas. Nascido em Nantes, na França, ele foi revelado e se destacou no time de sua cidade-natal. Volante de velocidade, ele se destacou e passou a jogar pela Costa do Marfim em 2005, ajudando a seleção a disputar sua primeira Copa do Mundo na história, no ano seguinte.
Com mais de 40 jogos pela seleção, ele chegou a ser pré-convocado para o Mundial da África do Sul, mas foi cortado da lista final. Mesmo assim, Faé atuou pela seleção até 2012, ano em que se aposentou depois de também passar pelo Reading e pelo Nice. O esse espírito de resiliência e amor à camisa laranja foi o que Faé conseguiu despertar em seus comandados.
– Eu falei: vocês são 27 jogadores e eu conto com todos vocês. Se quisermos ganhar essa competição, vamos ganhar todos os 27. Eu estava querendo dizer que todos eram importantes, inclusive os reservas, e eles entenderam a mensagem.
E de fato os atletas entenderam a mensagem. Após saírem perdendo no início da partida contra o favorito Senegal, a equipe anfitriã conseguiu marcar com Franck Kessié aos 41 minutos, e se classificou para as quartas de final nos pênaltis, por 5 a 4. Astro da equipe rival, o próprio Sadio Mané reconheceu que venceu a seleção que jogou melhor.
– Depois do jogo contra Marrocos nós sabíamos que tínhamos nos classificado e que aquilo mudaria tudo. A vitória nos deu a força que precisávamos, e nos encheu de energia. Nós sabíamos que não poderíamos fazer pior do que fizemos na fase de grupos -, afirmou o volante do Milan.
Mas o futuro ainda arrancaria mais emoções dos marfinenses. Contra Mali, mais uma vez o time de Faé saiu atrás, até que aos 45 minutos da segunda etapa, o jovem Simon Adingra empatou e levou a partida para o tempo extra. E na prorrogação, veio o gol que trouxe abaixo o estádio olímpico. No último lance da partida, Diakité desviou de letra e marcou o gol que levou a seleção anfitriã à semifinal do torneio, para delírio de todo um povo.
O que mudou de uma fase para a outra? A mentalidade da equipe. Segundo Faé, após o jogo contra Senegal, ele desafiou os jogadores a não perderem o controle.
– Muito bem, pessoal. Mas agora nós temos um problema. O problema é que o sarrafo aumentou e vocês não podem cair dele. Nós temos que manter este nível -, disse o técnico de 40 anos.
Mas mais do que manter, o nível de fato subiu com duas marcantes vitórias. Contra a República Democrática do Congo, os marfinenses jogaram melhor os dois tempos, e saíram classificados após um belo gol de Sébastian Haller, que se recuperou de lesão no meio do torneio e passou a jogar somente no mata-mata.
Crer até o fim
Kessié, que foi o melhor jogador da semifinal, resumiu em poucas palavras o significado da heroica campanha marfinense.
– Mesmo que você tenha apenas 10% de chance, você precisa seguir acreditando, porque é isso o que faz o futebol tão bonito.
E é acreditando em si, no trabalho de seu técnico interino e em um povo que a Costa do Marfim buscará a revanche contra os nigerianos, no Estádio Olímpico de Ebimpé. A união da equipe, junto a forma de jogar de controle de bola implementada pelo jovem Faé em apenas duas semanas serão as chaves para um capítulo inesquecível no futebol africano e mundial.