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Demitido mesmo como campeão do mundo, Jorge Vilda assume o time feminino de Marrocos

Jorge Vilda tinha uma relação ruim com o elenco da Espanha e parecia com um mercado restrito mesmo depois do título mundial, mas ganhou um emprego em Marrocos

Jorge Vilda deixou a seleção feminina da Espanha pela porta dos fundos, mesmo depois de conquistar a Copa do Mundo. O treinador era contestado pelo elenco desde antes do Mundial e, durante a campanha, era visível o relacionamento ruim com as jogadoras. O escândalo envolvendo o presidente da federação espanhola, Luis Rubiales, acelerou também a demissão de Vilda após o título. No entanto, mesmo com as queixas das atletas espanholas contra o técnico, ele não ficaria muito tempo desempregado. Nesta quinta-feira, a federação de Marrocos anunciou Vilda como novo comandante de sua equipe feminina.

Vilda assinou um contrato de quatro anos com a federação de Marrocos. Tentará levar a equipe rumo à Copa do Mundo de 2027. Durante o anúncio, os marroquinos também confirmaram a saída de Reynald Pedros, responsável por levar o país ao primeiro Mundial Feminino de sua história. Meia da seleção francesa nos anos 1990 e ídolo do Nantes, Pedros conquistou dois títulos da Champions Feminina à frente do Lyon e assumiu a seleção de Marrocos em 2021. Foram dois anos de um trabalho muito bem sucedido.

A escolha de Marrocos é controversa, para dizer o mínimo. Mesmo com o título na Copa do Mundo, Vilda era criticado por seus métodos de treinamento e pelo rigor no trato com as jogadoras. Diante da maneira como o treinador foi rechaçado, era difícil imaginar que ele conseguisse um novo emprego numa seleção de primeira prateleira ou mesmo num clube importante. Marrocos leva o comandante espanhol mais pelo nome, e sem considerar muito o que poderia ser a opinião de suas jogadoras.

O isolamento de Vilda

Jorge Vilda trabalhou por 17 anos nas estruturas da federação da Espanha. O madrileno tentou carreira como jogador e passou pelas categorias de base de grandes clubes, incluindo Barcelona e Real Madrid, mas não vingou. Depois, realizou sua formação como treinador e passou a trabalhar como assistente de seu pai, Ángel Vilda, nas seleções de base femininas da Espanha. Em 2009, Jorge Vilda assumiu o time sub-17 e teve bons resultados nas competições de base, com direito a dois títulos no Europeu Feminino Sub-17 e um vice no Mundial Feminino Sub-17. Promovido depois à seleção sub-19, também conseguiu dois vices continentais.

O salto de Jorge Vilda à seleção principal da Espanha aconteceu em 2015, no lugar de Ignacio Quereda. O antecessor ficou inacreditáveis 27 anos no cargo, a partir de 1988, e deixou o posto logo depois de sua primeira Copa do Mundo. Pediu demissão diante da pressão das jogadoras, que publicaram uma carta coletiva em que pediam mudanças. Vilda conhecia muitas das atletas desde a base. Era beneficiado também pelo investimento do país na formação de jogadoras e pelo foco maior dos clubes locais no futebol feminino. As participações espanholas nas competições internacionais se tornaram mais frequentes.

Vilda levou as espanholas às quartas de final da Euro 2017 e às oitavas da Copa do Mundo de 2019. Eram resultados bons dentro do histórico da Roja, mas ainda abaixo do que poderia a geração em ascensão no país. Tal sensação se ampliou após a Euro 2022, na qual as espanholas de novo caíram nas quartas de final. Após o torneio, 15 jogadoras iniciaram um motim contra o treinador. Ameaçavam não defender mais a seleção por causa de Vilda, com críticas aos métodos de treinamento defasados e também ao regime rígido imposto pelo técnico na concentração, com um monitoramento exagerado. Os problemas não foram explicitados, mas davam a entender uma postura abusiva.

Apesar da oposição de jogadoras importantes, Vilda se sustentou no comando da seleção graças ao apoio de Luis Rubiales, presidente da federação. Algumas atletas voltaram a defender a equipe nacional, mas não necessariamente fizeram as pazes com o técnico. Isso ficou visível durante a Copa do Mundo. Tantas vezes, Vilda comemorava os gols e as vitórias apenas com a comissão técnica, enquanto as jogadoras não se dirigiam ao treinador. Mesmo com o racha, a Roja apresentou sua qualidade para conquistar o Mundial. Mas nem mesmo a festa do título indicou uma sinergia, com Vilda isolado.

Por fim, o assédio de Luis Rubiales contra Jennifer Hermoso enfraqueceu ainda mais a posição de Vilda. O treinador não tinha mais seu principal defensor dentro da federação. Diante do episódio com Rubiales, a comissão técnica da seleção feminina pediu demissão em massa, mas não o técnico. Pelo contrário, Vilda aplaudiu e demonstrou seu apoio público a Rubiales na assembleia da federação, em que o presidente disse que não renunciaria. Contudo, à medida em que a situação de Rubiales se tornou insustentável, Vilda tentou mudar de ideia e se contrapor publicamente ao dirigente. Não colou.

A demissão de Vilda foi realizada pelo presidente interino da federação espanhola. O treinador classificou a decisão como “injusta” e dizia que ela não considerava seu trabalho. O comandante também diminuía o peso da insatisfação das jogadoras amotinadas. Sem mais seu emprego na Espanha, Vilda declarou que seu desejo era “dirigir um grande clube ou uma grande seleção, de mulheres ou homens”. Porém, com tantos questionamentos vindo dos próprios vestiários, sua contratação parecia improvável. A chance em Marrocos sai de ótimo tamanho.

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A evolução recente de Marrocos

A seleção feminina de Marrocos deu um grande salto em seu último ciclo, sob o comando de Reynald Pedros. As Leoas do Atlas não disputavam a Copa Africana de Nações Feminina desde 2000, mas retornaram ao torneio em 2022 como anfitriãs e fizeram uma campanha memorável. Com apoio massivo da torcida nas arquibancadas, as marroquinas emendaram vitórias e alcançaram a decisão. O título acabou perdido contra a África do Sul, mas o desempenho valeu a classificação inédita do país para uma Copa do Mundo Feminina.

A trajetória de Marrocos no Mundial de 2023 surpreendeu. As Leoas do Atlas tomaram uma paulada da Alemanha na estreia, derrotadas por 6 a 0, mas conseguiram dar a volta por cima e avançar aos mata-matas. Ganharam da Coreia do Sul e da Colômbia, em resultados que culminaram na eliminação das próprias alemãs. Já nas oitavas de final, apesar dos 4 a 0 sofridos diante da França, as marroquinas voltaram para casa em alta. Corroboraram o momento positivo do futebol no país e complementaram a festa proporcionada pelos homens, depois da campanha até as semifinais do Mundial de 2022.

O futebol feminino em Marrocos conta com apoio da própria monarquia, com o investimento no desenvolvimento de jogadoras nos últimos anos. Também não é coincidência que boa parte do elenco atue no FAR Rabat, clube ligado às forças armadas e também de fortes relações com a família real. Há jogadoras em atividade na Europa, sobretudo em clubes da França e da Espanha. A contratação de Vilda acontece num momento em que Marrocos se prepara para sediar a Copa Masculina de 2030 ao lado de Espanha e Portugal. Mas não que a escolha do treinador seja unanimidade entre os espanhóis – longe disso.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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