Wigan: Os Latics querem a Premier League

´´Perna quebrada para você!´´, dizem os atores a seus colegas, antes de a encenação teatral começar. É uma forma de desejar sorte. Pois alguém deve ter dito tais palavras ao jovem Dave Whelan antes da final da FA Cup de 1960, em Wembley. Tanto que, no finzinho do primeiro ato dessa peça, o promissor zagueiro do Blackburn saiu de campo com grave fratura, sem jogo de cena. O acidente abreviou-lhe a carreira, mas o fez dedicar-se mais cedo a outra vocação: os negócios. E, nessa área, as cortinas da fortuna se escancaram para o ex-beque, hoje dono da JJB, empresa do ramo de equipamentos esportivos que, desde 1999, também dá nome ao moderno estádio do Wigan Athletic. O time de figurino azul quer estrear no famoso teatro da Premier League na próxima temporada, objetivo elevadíssimo para quem há menos de dez anos atuava na mambembe quarta divisão.
No início da década de 90, a ameaça de bancarrota quase conduziu os Latics – assim chamados em virtude da pronúncia de ´Athletic´ no noroeste da Inglaterra – ao teatro de rua. O mecenas Dave Whelan, então, entrou em ação: em 1995, adquiriu o clube e injetou nele dinheiro da JJB. Em 1996/7, o time ergueu a taça da quarta divisão do futebol inglês. Já com o atual técnico Paul Jewell no comando, o título da Terceirona em 2002/3 assegurou nova promoção. Em sua segunda temporada na segunda divisão, o Wigan tem se mantido nas cabeças desde as primeiras rodadas. Na última (dia 6 de maio), contra o Reading, no JJB, os Latics terão de provar que decoraram um texto dramático cujo título poderia ser ´´A inédita chegada à elite´´.
O Abramovich de Wigan
Dave Whelan diz que deixará disponível uma gorda cota para contratações, caso o acesso à Premier League se concretize. ´´Se nós subirmos, não quero que pensemos apenas em fugir do rebaixamento´´, afirma o milionário, rejeitando o papel interpretado por Crystal Palace, West Brom e Norwich em 2004/5. O elenco dos Latics conta, hoje, com alguns jogadores de seleções britânicas – o meia irlandês Graham Kavanagh e o atacante escocês Lee McCulloch, por exemplo –, porém Whelan e Jewell sabem que as ambições do clube exigem um grupo mais preparado. E ambos parecem ter tino para o mercado, já que o centroavante Jason Roberts, aquisição mais cara da história do Wigan, vem fazendo muitos gols. E o ‘frangueiro’ Roy Carroll, em 2001, foi vendido ao Manchester United por US$ 3 milhões.
Nem sempre foi assim. Antes da ´era Whelan´, a terra do carvão – Wigan foi um importante pólo de mineração durante a Revolução Industrial – só podia se gabar de suas proezas no rugby. O Wigan Warriors possui renome mundial e compartilhava com os Latics o uso do velho estádio Springfield Park. Em contrapartida, quatro agremiações que se dedicaram ao futebol – Wigan County, Wigan United, Wigan Town e Wigan Borough – faliram no início do século XX, o que levou o presidente do Borough a registrar, em tom premonitório: ´´O público de Wigan mostrou mais uma vez que não tem o desejo de manter a prática de futebol na cidade´´. Ele errou. O Wigan Athletic nasceu em 1932 e sobreviveu. Conta hoje com uma torcida pacífica e hospitaleira, cuja presença no JJB Stadium aumenta a cada temporada (a média dos jogos em casa foi, em 2003/4, de 9.483 pagantes).
Estrepolias na FA Cup
Por 36 anos, O Wigan disputou somente torneios regionais semiprofissionais, como os de Cheshire e Lancashire. Em 1978, impulsionado por uma boa campanha na FA Cup (caiu na quarta fase, diante do Birmingham treinado por Sir Alf Ramsey), o clube se candidatou pela 35a vez a um posto na Football League, ou seja, nas divisões profissionais de âmbito nacional. O manager Ian McNeill visitou clubes grandes com o intuito de ganhar apoio na votação que decidiria os substitutos dos times rebaixados da quarta divisão. Esse comportamento bastante político e os elogios de Alf Ramsey ao adversário derrotado na FA Cup evitaram a 35ª frustração e motivaram o grito ´´Ei-ei-oh, Ei-ei-oh, up the Football League we go´´, até hoje entoado com freqüência nas dependências do JJB.
Embora só tenha chegado à Football League em 1978, o Wigan já tivera experiências memoráveis. Seu maior ídolo, Harry Lyon, daqueles que jogam mesmo machucados e vão para o gol nas horas brabas, fez 273 gols pelo clube na década de 60. Nos anos 50, a temporada 1953/4 foi particularmente próspera para os adeptos – os Latics foram campeões da liga de Lancashire e conquistaram duas copas locais, mas o momento de grande vulto foi mesmo o duelo com o Newcastle, pela terceira fase da FA Cup.
Mais de 52 mil pessoas foram ao St. James´ Park assistir ao confronto entre os Magpies e os Latics. Jamais houvera uma platéia desse porte numa partida do pequeno Wigan, que, surpreendentemente, conseguiu um empate – 2 a 2. No ´replay´, realizado no Springfield Park, o Newcastle venceu por 3 a 2, diante de 26 mil torcedores insatisfeitos com o árbitro e irritados com a celeuma que antecedera o jogo: o presidente do Newcastle, Stan Seymour, impediu que seus jogadores usassem o improvisado vestiário (no ano anterior, um incêndio destruíra uma parte do estádio). Todos em Wigan consideraram essa atitude um insulto e talvez aguardem sofregamente a chance de ver, em breve, mais uma peça emocionante: ´´Wigan: a vingança´´.
Hora de decidir
No amistoso inaugurativo do JJB, o Wigan enfrentou o Manchester United, que venceu por 2 a 0, tendo Paul Scholes anotado o primeiro tento. Em 1992/3, na FA Cup, os Latics teriam digladiado com os Red Devils se, na segunda fase, essa chance não houvesse sido sepultada pelo Bury. Seis anos antes, o clube havia alcançado as quartas-de-final dessa competição, seu mais expressivo desempenho. Paul Jewell, à época um eficaz atacante, defendia as cores do Wigan, que são o azul e o branco por uma razão um tanto curiosa: nos tempos da II Guerra Mundial, o uniforme tricolor (camisa branca e vermelha, calção preto) foi abandonado porque os fabricantes contavam com material limitado. O distintivo, como se pode ver na coluna à direita, é multicolorido. Baseia-se nos brasões de armas de Wigan e de condados já extintos, e tem vários elementos simbólicos, tais como os losangos pretos do escudo – que representam o carvão.
Paul Jewell jogou depois no Bradford, onde iniciou a carreira de técnico. Conduziu o clube à Premier League e espera fazer o mesmo no Wigan. ´´Não queremos correr antes de poder andar´´, adverte, temendo um ´branco´ na última fala. Os dois primeiros da segunda divisão garantem lugar na Premier League sem necessidade de ‘playoffs’, dos quais participam o terceiro, o quarto, o quinto e o sexto, decidindo mais uma vaga na elite.
Deve haver, em algum lugar – talvez no bar Champions, bem em frente ao JJB –, algum torcedor promovendo um tim-tim, pensando em como seria debutar no mais resplandecente dos tablados, sendo ele o sonoplasta das arquibancadas. O receio de ver o sonho ruir, no entanto, o faz soprar, entre os dentes: ´´Perna quebrada, Wigan!´´