Vencer ou Morrer

Vencido o título da Copa do Mundo, a seleção brasileira desembarca triunfalmente em Brasília, por onde desfila em carro aberto. Em seguida, os ´Heróis do Penta´ visitam o Palácio do Planalto, onde recebem as congratulações do presidente pelo heróico feito em terras estrangeiras.

Tal episódio, transmitido ao vivo em cadeia nacional no Brasil, é apenas mais um no longo relacionamento entre Estado e futebol, tema do livro ´´Vencer ou Morrer – Futebol, Geopolítica e Identidade Nacional´´, de Gilberto Agostino.

Aqui no Brasil, fala-se muito do uso que a ditadura militar fez do esporte para seu benefício, em especial da seleção brasileira campeã em 1970. Mas logo no início da leitura do livro de Agostino notamos que isso foi ´fichinha´, comparado com o uso que se fez em outros países, especialmente nas ditaduras fascistas e comunistas da Europa.

Embora tenha se originado de um trabalho acadêmico para o Laboratório de Estudos do Tempo Presente, do IFCS/UFRJ, o texto de ´´Vencer ou Morrer´´ é fluido e agradável de se ler, sem academicismos. O livro vai costurando dúzias de histórias, algumas bem conhecidas, outras menos, mas quase todas interessantíssimas, que expõem a maneira como os governantes sempre buscaram se aproveitar da popularidade do futebol em benefício próprio – seja no Brasil, na Argentina, na Europa ou até mesmo na África.

Mais tocantes ainda são as histórias em que o futebol aparece como elemento de configuração de identidade nacional (ou mesmo de afinidade ideológica). Entre outros casos, Agostino mostra o importante papel opositor que o Barcelona teve no início da ditadura franquista na Espanha (em contraste com o Real Madrid, servil ao governo) e conta a comovente história do ´Jogo da Morte´, em que o Start FC (formado em sua maioria por ex-jogadores do Dynamo Kiev e do Lokomotiv Kiev) ousou vencer a poderosa seleção da Luftwaffe, impertinência pela qual muitos dos jogadores pagaram com a vida.

Aliás, um fato muito curioso que depreende-se da leitura do livro é a constatação da grande importância que tinham os amistosos internacionais, até as décadas de 60 e 70. Quem vê os sonolentos encontros de hoje, que mal servem para os técnicos testarem alguns jogadores novos, mal suspeita de que um dia já houve amistosos que foram verdadeiras questões de orgulho nacional, com os vencedores sendo tratados como heróis ao voltar para casa.

Apesar de todas suas qualidades, ´´Vencer ou Morrer´´ não escapa a algumas críticas. Os dois capítulos finais do livro, que tratam sobre a questão dos hooligans e da influência da globalização e da mídia sobre o futebol atual, são bem mais fracos que os outros, que têm um enfoque mais histórico.

Além disso, incomoda na leitura alguns erros factuais, como por exemplo na página 227, quando o autor afirma que o Maccabi Haifa chegou às quartas-de-final da Liga dos Campeões em 1999 (na verdade, os israelenses jogaram a Recopa naquele ano). Existem também vários erros de revisão, especialmente em palavras estrangeiras – por exemplo, ´Azzurra´ aparece várias vezes grafado com um ´z´ só. Mas não é nada que chegue a desmerecer o livro.

Em resumo, ´´Vencer ou Morrer´´ é um livro excelente para quem gosta de explorar as dimensões do futebol que vão além do campo de jogo. É uma das raras incursões sérias do meio acadêmico brasileiro em um assunto que é a maior paixão nacional. Fica a torcida para que no futuro venham outros livros como esse.

Foto de Equipe Trivela

Equipe Trivela

A equipe da redação da Trivela, site especializado em futebol que desde 1998 traz informação e análise. Fale com a equipe ou mande sua sugestão de pauta: [email protected]
Botão Voltar ao topo