Sampdoria: Um grande está voltando

Para felicidade geral do futebol italiano, a promoção da Série B desta temporada finalmente deve levar de volta à divisão máxima uma das equipes mais importantes do esporte no país. Trata-se da Sampdoria, clube genovês que caiu há quatro temporadas e deixou a Série A um pouco mais órfã de grandes equipes.
Gênova é uma das cidades onde praticamente nasceu o capitalismo. Na idade média, o porto da Ligúria era, junto com Veneza, o entreposto mais movimentado da Europa, por onde chegavam ao Velho Continente as especiarias vindas dos países árabes. O acúmulo de riquezas advindas desse negócio possibilitou a formação das primeiras empresas de crédito (que viriam a dar origem aos bancos), não só na Ligúria, mas também na Toscana, regiões que têm bancos que datam dos séculos XV e XVI.
Não é preciso dizer que Gênova é uma cidade muito rica. Com cerca de 60 mil habitantes (número que chega a 100 mil, contando a área metropolitana), a cidade ligure vive basicamente da indústria e da atividade portuária, ainda central na economia. Mas não é só. Em 2004, Gênova, que tem um sítio histórico espetacular (com os belíssimos palácios Ducale, Rosso e Tursi), será a capital européia da cultura. Além disso, Genova tem um aquário famoso em toda a Europa, considerado o maior do mundo.
A Sampdoria tem em Gênova um rival famoso no futebol, que é o time do Genoa, o primeiro campeão italiano. O clube genoano é o que conta com mais torcida entre os habitantes mais velhos da cidade. Entretanto, vive uma decadência constante, há cerca de duas décadas. Enquanto isso, a Samp prepara seu novo vôo.
Um clube novo
A Sampdoria é um clube 'júnior' em termos de idade. Surgiu somente em 1946, com a fusão do Andrea Doria e do Sampierdarenese. A união dos nomes dos dois clubes extintos deu origem ao nome atual. Logo em 1946, foi inscrita na Série A. O país estava saindo da guerra e antes que você se pergunte, não, não houve virada de mesa. A Sampierdarenese e o Andrea Doria eram, os dois, da Série A. Com o nome de Sampdoria, a primeira partida veio disputada no torneio 1946/7, contra a Roma, a qual o time da capital venceu por 3 a 1. O primeiro gol 'blucerchiato' foi anotado por um jogador chamado Adriano Bassetto.
A Samp manteve-se sempre na metade da tabela nos anos seguintes. A cidade não era grande, apesar de rica, e não tinha como competir com os gigantes Inter, Milan e Juventus. Em 1949, a melhor colocação desse perídio inicial: um quinto lugar. A boa campanha da Samp valeu uma convocação para a seleção italiana, a primeira de um jogador sampdoriano.
A história da Samp não decola durante os anos 60 e 70. O clube mantém-se como uma força em sua região, mas jamais postula lugares mais altos. Nesse período, o clube cai para a Série B duas vezes, o mais longo de dez anos, nos anos 70. No fim da década, a Samp consegue o retorno à Série A, depois de um empate com o Rimini. Mas não sabia que as grandes alegrias estavam ainda por vir.
A era Mancini
No começo na década de 80, a Samp era dirigida por um presidente que marcou época no clube: Paolo Mantovani. Em 1982, Mantovani faria a contratação mais valiosa de sua carreira, mesmo que não estivesse plenamente consciente disso. Tirou do Bologna um jovem de 18 anos. Era Roberto Mancini, que bateria o recorde de presenças na Série A com o clube (424 partidas, com 132 gols). Mancini hoje é técnico da Lazio, clube onde encerrou sua carreira.
Em 1985, a Samp consegue sua primeira conquista relevante, a Copa Itália, batendo o Milan na final. Os gols da final foram de Mancini, já uma bandeira do clube, e de Gianluca Vialli, outro atacante que fez época em Gênova. Vialli tinha sido contratado junto à Cremonese um ano antes.
Três temporadas depois, a Samp levantaria outra Copa Itália, dessa vez batendo o Torino na final e, em 1989, mais uma vez sagra-se campeã da competição nacional, agora vencendo o Napoli de Maradona. O sucesso diante do Napoli abriria caminho para a primeira glória internacional, a Recopa de 1990, onde o clube genovês venceu o Anderlecht na final, com dois tentos de Luca Vialli.
O time estava pronto para pensar num objetivo maior: o título nacional, o 'scudetto'. À classe da dupla Mancini-Vialli tinha se juntado a experiência do brasileiro Toninho Cerezo. O goleiro era Gianluca Pagliuca. E lá estavam também campeões como Pietro Vierchowod e Attilio Lombardo. Finalmente, em 19 de maio de 1991, a Sampdoria conseguiu bater o Lecce em casa por 3 a 0 e garantiu matematicamente o título daquele ano, levando Gênova à loucura. Toninho Cerezo tingiu os cabelos de amarelo para comemorar a conquista. Ainda na gloriosa temporada de 1991, a Samp quase conseguiu vencer a Copa Itália, perdendo para a Roma na final, no saldo de gols.
Decadência e Série B de novo
A Samp ainda conseguiu disputar uma final de Copa dos Campeões com o vitorioso time do 'scudetto', mas não soube parar o Barcelona de Koeman e Cruyff, em 1992. Os anos 90 foram marcados pela presidência do filho de Paolo Mantovani, Enrico, que dilapidou o time, vendendo seus craques. Vialli, em 1992, Vierchowod, em 1995, e Mancini, em 1997.
Em 1998, com um time desfigurado (que tinha acabado de ceder os argentinos Verón e Ortega e o eslavo Mihajlovic), o técnico Spaletti acabou demitido. A solução dada por Mantovani foi patética: David Platt, um ex-jogador inglês que estudava para virar treinador. Platt fracassou retumbantemente. Spaletti foi chamado de volta, mas não deu. Série B na cabeça.
Em 2001, a Samp correu risco até mesmo de cair para a Série C, dada a gestão desastrosa de Enrico Mantovani. Foi quando Enrico largou o osso e vendeu o clube para Garrone, o novo presidente. Garrone chamou Luigi Marotta, experiente diretor da Atalanta, para ser seu diretor de futebol. Marotta deu um jeito no clube. Vendeu jogadores sem futuro, contratou jovens e chamou Walter Novellino para técnico. Resultado: Sampdoria encaminhadíssima para a Série A. E a Itália toda comemora. Menos os torcedores do Genoa.