Parma: Chorando o leite derramado

Nestes anos de abalos sísmicos gigantescos no mundo das finanças, o futebol não passa incólume. Dois anos atrás, vimos a Fiorentina agonizar e afundar, vitimada por uma gerência ruinosa de seu dono; assistimos a diversos clubes pequenos da Europa (como o Airdreonians, o Lommel e o Molenbeek) desaparecerem do mapa futebolístico (ou quase) e, até poucas semanas atrás, sentíamos estarrecidos as notícias que davam conta da gravidade da situação do Leeds, na Inglaterra, não somente pela presença de Roque Júnior em sua defesa, mas também pela dívida assustadora contraída nos anos insanos do 'boom' do esporte.

De dezembro para cá, o fã do futebol tomou conhecimento de mais um clube que corre o risco de perder força, quebrar ou até sumir, dependendo da gestão da situação. O Parma, simpaticíssimo clube da Emilia Romagna não tem uma situação financeira ruim, como muitos apregoam, tomados pela ignorância. Não pôde, contudo, escapar da devastadora crise que dizimou as finanças da empresa-chefe que pertence à família Tanzi, que comanda o clube há 16 anos.

A torcida parmigiana se acostumou a ver seu time galgar os postos mais altos do futebol europeu nos últimos anos. Agora, porém, assiste agoniada ao desfecho de uma situação que, na melhor das hipóteses, irá redimensionar as ambições do clube, que terá de trilhar um caminho duro para poder retornar à elite do futebol italiano.

Uma colônia romana

Parma é uma cidade que teve suas origens aproximadamente no ano 180 a.C. Cidade onde ficava o tesouro do império, teve seu nome mudado para Chrysopolis, que significa 'Cidade do Ouro', coincidência ou não, a cor do mesmo amarelo que veste a malha do time hoje. O clube foi fundado em 1913, embora as primeiras reuniões de participantes tentando fazer uma associação tenham notícia a partir de 1911. No ano de 1913, a Pro Verdi (o clube que daria origem ao Parma), enfrentou a Juventus de Salsomaggiore, sofrendo uma derrota.

O nome original do clube era em homenagem ao famoso compositor Giuseppe Verdi. No ano de sua fundação, comemorava-se o centenário do nascimento do músico, e um torneio futebolístico foi organizado durante as festividades, com seis equipes e vencido pelo Modena, com um gol do inglês Robert.

Nos primeiros anos de existência, o Parma ocupou uma posição modesta dentro do cenário futebolístico italiano. Somente em 1929 o clube disputaria pela primeira vez a Série B de grupo único. O rebaixamento à Série C viria três anos depois, e é nessa divisão que ficou o time, que à época ainda usava sua histórica camisa que ostentava uma cruz negra no peito.

No final dos anos 60, o clube passava por duros momentos, alterando sua razão social diversas vezes e chegando a disputar até mesmo a Série D em 1969. Na década de 70, o clube 'gialloblú' galgaria posições entre as Séries B e A, conseguindo chegar à segunda divisão em 1978, treinado por Cesare Maldini, pai do atual capitão do Milan e um dos maiores zagueiros da história do futebol do país. Depois disso, novo parêntese na Série C.

O 'nascimento' de Sacchi

Quem tiraria o Parma da incômoda terceira divisão seria um treinador promissor que então aparecia no cenário italiano. Arrigo Sacchi fez com que o time emiliano voltasse à Série B, em 1986. Quatro anos depois, um time comandado pelo técnico Nevio Scala chegaria finalmente à Série A, já sob o comando da família Tanzi, substituindo o presidente Ernesto Ceresini, um dos dirigentes mais famosos da longa história do clube.

Durante a década de 90, o clube pegou um hábito: disputar copas européias. A atual temporada é a 13ª em que o Parma joga uma competição continental de maneira consecutiva. Em quatro oportunidades, os emilianos levantariam um troféu continental: duas vezes a Copa UEFA, uma vez a extinta Recopa e uma vez a Supercopa européia.

No decorrer dos anos 90, o Parma teve nomes bem marcantes: Alessandro Melli, atacante rápido do time de Nevio Scala, Dino Baggio, que trocou a Juventus pelo Parma para poder jogar no meio-campo e o meia Marco Osio (que andou jogando até aqui no Palmeiras, durante a gestão Parmalat), entre outros.

Depois de Scala, o clube apostou mais uma vez em um técnico novo. Carlo Ancelotti, pupilo de Arrigo Sacchi, levou o Parma em 1997 a um inédito vice-campeonato, colocação que valeu uma vaga na Copa dos Campeões. O obscuro freqüentador da Série C já deixava de existir. E se não tinha o poder de um Milan ou de uma Juventus, tinha uma torcida fanática, apegadíssima às cores da cidade, que já eram defendidas com honra no continente.

Uma das revelações do Parma recente foi mérito de Carlo Ancelotti. Ainda técnico do Parma, ele pediu a contratação do então promissor atacante do River Plate Hernán Crespo. Seus primeiros meses em Parma foram de intensa contestação, mas, mesmo assim, Ancelotti não perdia sua fé no talento do argentino. Crespo deixou o clube, quatro temporadas atrás, com 61 gols marcados na Série A com a camisa do time, sendo assim o maior artilheiro de todos os tempos do Parma na divisão máxima do futebol italiano.

Os excessos e a crise

No final da década passada, o Parma começou a ter uma obsessão pela conquista do título italiano. Para tanto, a família Tanzi não economizou dinheiro e contratou muitos jogadores. Crespo, Verón, Amoroso, Milosevic e Di Vaio foram alguns nomes. Mas muitos outros conseguiram somente notoriedade por seus gordos salários, e não pelo futebol. O Parma perdeu muito dinheiro nessa época e, dois anos atrás, decidiu que bastava.

Contratou então, mais uma vez, Arrigo Sacchi. Só que, dessa vez, Sacchi comandou uma reformulação profunda no elenco e na estrutura do clube. Vendeu jogadores caros e apostou em promessas, majoritariamente italianas. Nos últimos 48 meses, o clube diminuiu pela metade os gastos com salários, otimizou receitas, modernizou estádio, dependências e centro de treinamento e tinha, já para o ano que vem, uma previsão de lucro contábil – uma coisa raríssima no futebol.

Foi quando explodiu a bomba. A Parmalat revelou seu rombo biliardário, e o clube foi dragado para dentro do furacão. Devedor de cerca de US$ 50 milhões para a multinacional do leite, o Parma terá de vender jogadores-chave (como o goleiro Frey e o atacante Adriano) para saldar a dívida com a Parmalat e seguir com suas próprias pernas.

Uma coisa que ninguém mencionou até agora: se a crise da Parmalat tivesse estourado em 2000, quando a folha salarial consumia mais de 100% das receitas do clube, o time 'crociato' estaria matematicamente eliminado. Graças à faxina dos últimos dois anos é que a bomba vai causar muitos estragos, mas o mais provável é que venha um novo dono e as coisas sigam. Que assim seja para a Série A não perder uma de suas sociedades mais simpáticas.

Foto de Equipe Trivela

Equipe Trivela

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