O Trauma da Bola

Em julho deste ano, completaram-se duas décadas de nossa segunda maior decepção futebolística: a derrota por 3 a 2 para a Itália, na Copa da Espanha. Aproveitando a data, a editora Cosac & Naify lançou o livro ´´O Trauma da Bola´´, uma coletânea de crônicas escritas por João Saldanha entre março e agosto de 1982 e publicadas originalmente no Jornal do Brasil.

Saldanha dispensa apresentações. Como se não bastasse seu currículo de haver acompanhado in loco todas as Copas entre 1934 e 1990 (ano em que faleceu), ainda teve a chance de realizar o sonho de todo jornalista esportivo brasileiro: treinar a Seleção – e não qualquer geração, mas aquela histórica, que viria a ganhar o ´Tri´ em 1970 sob o comando de Zagallo.

Nada é mais eloqüente sobre a qualidade de João Saldanha como comentarista do que o fato de que suas análises sobre a seleção escritas antes do ´desastre do Sarriá´ ainda sejam relevantes hoje em dia. Com muito bom-senso, Saldanha não tinha medo de atacar consensos, qualidade que parece faltar à imprensa de hoje. Outra característica notável é a precisão de suas previsões, como a que fez no começo da Copa, dizendo que o Brasil pegaria um grupo mais fácil na segunda fase se ficasse em segundo lugar na primeira (se houvesse acontecido isso, o Brasil teria enfrentado Polônia e Bélgica, em vez de Itália e Argentina).

Antes do Mundial, enquanto a imprensa bradava contra o esquema tático de Telê Santana, reclamando contra a ausência dos ´pontas´, Saldanha apontava que o maior problema não era o esquema (embora este não fosse perfeito), mas a indefinição do time titular e a má condição física dos jogadores – assunto muito em voga hoje, mas não tão destacado na década de 80.

Com as belas apresentações da Seleção em gramados espanhóis, uma onda ufanista tomou conta da imprensa, mas não de Saldanha. Embora o cronista apontasse o Brasil como favorito, insistia em ressaltar nossos problemas. Alguém que não viveu a época e lesse suas crônicas hoje teria dificuldades em entender o motivo de tamanho choque na derrota para a Itália. Afinal, os sinais de problemas estavam bem visíveis.

Apesar do inegável interesse e valor histórico das crônicas, o livro tem alguns problemas. Um é intrínseco ao formato: os textos selecionados foram feitos ao longo de cinco meses e, por isso, retomam e repetem várias observações (para refrescar a memória do leitor). Ao ler todas as crônicas de uma vez, os textos acabam ficando repetitivos.

Outro problema diz respeito às notas explicativas. Em geral, elas se atêm a descrever sumariamente (por exemplo: ´´Scirea era zagueiro´´, na pg. 166) jogadores citados pelo autor, enquanto seria mais útil dar detalhes de contexto sobre acontecimentos comentados pelo cronista (no mesmo exemplo, teria sido melhor explicar por que Scirea quase teve que deixar a semifinal contra a Polônia por causa de uma placa de publicidade).

Esses deméritos, no entanto, não tiram o valor do livro. Para quem acompanhou de perto a Copa de 1982, é uma boa leitura porque explica os motivos da ´tragédia´ brasileira. Para quem é mais jovem, é uma ótima maneira de saber como foi o Mundial, fugindo dos relatos ´frios´ que costumam ser apresentados em retrospectivas. Desde já, fica a sugestão para a publicação de livros similares, com crônicas de Saldanha ou de outros ´cobras´ escritas nas épocas de outros Mundiais. É uma visão muito mais honesta das Copas, fugindo dos ´profetas do acontecido´.

Foto de Equipe Trivela

Equipe Trivela

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