O Negro no Futebol Brasileiro
Certos titulos da literatura mundial fazem parte do imaginário da maioria das pessoas, mas são livros que nem todo mundo leu. ´´O Capital´´, de Karl Marx, é um exemplo clássico do texto sobre o qual é mais fácil encontrar ensaios do que pessoas que o tenham lido de cabo a rabo.
Existe um fator para explicar tal fenômeno: em via de regra, os clássicos são obras densas e de difícil leitura. Trazem consigo uma grande quantidade de informação, processada numa velocidade que a maioria das pessoas não consegue acompanhar. Logo, é mais fácil acreditar no que ´aquele´ especialista acha.
´´O Negro no Futebol Brasileiro´´, de Mario Filho, é, sem dúvida, o maior clássico já escrito sobre o futebol no Brasil. Mesmo assim, é muito mais citado do que lido. E, nesse caso, a única justificativa plausível é uma preguiça macunaímica, ´O Negro´ tem, entre suas muitas virtudes, a de ter sido escrito de uma maneira muito simples, quase coloquial, tornando inválida a desculpa da inacessibilidade.
Nem por isso se trata de uma obra menos densa. Numa época em que um enfoque sociológico do esporte ainda era um delírio, Mario Filho conta como se deu a participação do negro no futebol brasileiro, levando em conta os preconceitos advindos do fim recente da escravidão, de uma sociedade oligárquica e de um esporte que, inicialmente, era um privilégio da fina flor da sociedade.
Para quem teme encontrar um ensaio acadêmico que cita teses famosas e tem cheiro de mofo, a surpresa é grande. O autor parece não ter nenhuma pretensão além de contar histórias de futebol, algumas delas incrivelmente fantásticas, o que sugere a possibilidade de uma fusão entre realidade e ficção.
Só que, discretamente, Mario Filho ilustra duas importantes passagens de nossa história recente: a relevância do futebol como instrumento de inclusão social dos negros na sociedade brasileira e a contribuição dos jogadores negros para o patrimônio do futebol no Brasil.
Usando uma linguagem quase popularesca, Mario Filho narra casos como o de Monteiro, zagueiro do Andaraí que praticamente morreu em campo com tuberculose para não deixar o time na mão, ou o da febre causada por Leônidas da Silva quando chegou a São Paulo, ou ainda o da rebeldia de Fausto dos Santos, a ´maravilha negra´.
Mario Filho não cai no erro de se limitar às histórias protagonizadas por negros, abrindo seu olhar para outros personagens importantes, como o goleiro Marcos de Mendonça, a participação da colônia portuguesa na inserção dos negros no esporte, o surgimento das rivalidades entre os clubes do Rio de Janeiro e centenas de outros detalhes que originam um painel riquíssimo do que era o futebol na capital federal.
Mario Rodrigues Filho foi um visionário. O que dizer de um cidadão que inventou o desfile de carnaval, o Fla-Flu, o Maracanã? ´O Negro´ é uma prova indiscutível da amplitude de sua visão. Conseguiu ver heróis numa gente que ainda era desprezada. E, entre outros méritos, foi capaz de vislumbrar o que Pelé viria a ser, ainda quando era o Rei era um menino, e determinar a importância que ele teria no reconhecimento do negro. Não só para o futebol, mas para a nação.