Napoli: A afirmação de um povo

“Napule terra mia, terra d'amore, lacreme e canzone”. O tom operístico de uma tradicional canção napolitana é significativo do temperamento sanguíneo de uma das regiões mais belas e pobres da Itália, a Campânia, onde fica uma cidade conhecida tanto pelo seu envolvimento com a Máfia quanto pela paixão enlouquecida de seus cidadãos pelo futebol e pelo clube local: o SSC Napoli.

A cidade de Nápoles fica na região do 'Mezzogiorno', ao sul do país, onde a economia não é tão forte quanto a do norte, razão pela qual é tida por milaneses e torineses como uma região 'menor' (há até um movimento pela separação do norte). O preconceito faz com que os napolitanos sejam ainda mais apegados às coisas de sua terra.

No estádio San Paolo, tal afeição é mais explícita do que em qualquer lugar. Com quase 80 mil lugares, a torcida napolitana é a quarta maior do país (só perde para Inter, Milan e Juventus) e não há outro campo onde haja maior suporte da torcida. Um jogo de futebol em Nápoles é um grito de afirmação do povo. E que grito!

Como sempre, ingleses

O Napoli não é diferente de 90% dos clubes do mundo que foram fundados no início do século XX. Em 1904, um inglês, James Potts, fundou um clube chamado Naples, junto com um engenheiro napolitano. O clube mudaria de denominação duas vezes antes de, em 1926, receber o nome Associazione Calcio Napoli. Em 1964, a sociedade mudaria de nome para o atual Societá Sportiva Calcio Napoli, mas manteria toda a tradição que vinha dos anos 20.

O Naples não era uma simples esquadra diletante e tinha qualidades. Em 1911, venceu um time de um navio inglês que tinha batido o então poderoso Genoa, poucos dias antes. O primeiro hiato ocorreu durante a Grande Guerra, suscitando a primeira mudança de nome, em 1922.

Na década de 30, o AC Napoli consegue seus primeiros resultados consistentes na liga nacional (na primeira edição disputada em grupo único). A estréia européia do clube viria contra o Admira Wacker, clube austríaco, ainda sob a batuta do primeiro ídolo local, o técnico Garbutt.

Durante a Segunda Guerra, o Napoli também se ausentou das competições, a exemplo da maioria dos times do país, onde o esporte só era disputado em competições regionais. No retorno do futebol à Itália, o Napoli honra um belo quinto lugar, em 1945, atrás somente dos gigantes de Milão e Turim e do grande Torino, que naquela década faria história como um dos maiores times da Europa e que morreria inteiro no desastre aéreo de Superga, em Turim, voltando de uma partida em Portugal.

Em 1947/8, apesar de um elenco razoável, o time cai para a Série B devido a um escândalo de compra de resultados, voltando uma temporada depois. Começaria a época do armador Achille Lauro na presidência do clube, suscitando, como tudo em Nápoles, amores e ódios. Lauro era político e usou e abusou do futebol para seus interesses, chegando a extinguir o clube quando era prefeito para criá-lo novamente como seu controlador.

O início dos dirigentes pitorescos: Acchile Lauro

A gestão de Lauro foi sempre bombástica, com grandes contratações (como o sueco Jeppson e o brasileiro Vinício), entremeadas por grandes escândalos envolvendo dinheiro público, do clube e do próprio Lauro (que, no fim, acabavam sempre sendo quase sinônimos). Jeppson foi uma contratação tão cara (105 milhões de liras) que era conhecido como 'O Banco de Napoli'. A história do armador no clube se encerraria depois de um rebaixamento ocasionado à violência da torcida após uma partida mal-arbitrada (para se dizer o mínimo).

O substituto de Lauro, Roberto Fiore, muda o nome do clube (já nos anos 60) e leva para a Campânia nomes de peso absoluto, como o argentino Omar Sivori e o ítalo-brasileiro Altafini. Com Fiore na presidência, vem a primeira conquista: a Copa Itália (mais um terceiro lugar no campeonato), que incendeia a cidade numa febre futebolística. No ano seguinte, o clube vendeu 66 mil carnês de ingressos, um recorde absoluto.

Acchile Lauro ainda daria uma cartada de vingança em Fiore, forçando sua saída por meio de uma jogada política, que deu a Gioacchino Lauro, filho do armador, o comando do clube. Fiore desiste do futebol e vende suas ações a um nome que atravessaria as três décadas seguintes à frente do clube: Corrado Ferlaino.

Ferlaino: o homem que comprou Maradona

O engenheiro que acabava de tomar posse do clube demonstrou talento para o negócio e subitamente já garantiu um vice-campeonato (em 1974/5), algo impensável para o clube até então. Com grandes craques como Zoff, Altafini e Hamrin, o norte já passava a olhar para o time celeste de Nápoles com receio. Nos dez anos seguintes, nomes de peso como o líbero holandês Krol passaram pelo elenco, sem grandes resultados (justamente o holandês é que garantiu uma das melhores colocações, um terceiro lugar em 1981).

A história da cidade estava para mudar dois anos depois, quando Ferlaino fez uma jogada arriscada e tirou do Barcelona o temperamental geniozinho Diego Armando Maradona. Seus oito anos na cidade mudariam o panorama do futebol italiano e transformariam Diego num semideus, idolatrado por uma torcida incandescente.

Não é possível explicar o fanatismo que Maradona tinha em Nápoles, provavelmente, um fascínio que jamais um jogador exerceu numa cidade. Maradona transformou o preconceito contra Nápoles no orgulho dos cidadãos. A cidade passou a olhar Milão de igual para igual e, no estádio San Paolo, invariavelmente lotado, Maradona jogou o melhor futebol de sua carreira.

Os anos Maradona

Maradona jamais teve um time a sua altura, mas, justamente por isso, o elenco jogava para ele. E bastava. Tendo jogadores medianos a seu lado, como Caffarelli, Carnevale, Garella e De Napoli, Maradona foi evoluindo diante da massa napolitana, que assistiu seu coroamento na Copa do México, para receber, após o Mundial, o melhor Maradona, aquele que daria à cidade dois 'scudettos' e uma Copa UEFA.

Maradona e o Napoli só não venceram mais nessa época porque em Milão outro craque estava florescendo. Aliás, dois deles. Os holandeses Gullit e Van Basten no SuperMilan de Arrigo Sacchi fizeram miséria no ano seguinte, impedindo o bis tão sonhado, mas restaram embates inesquecíveis entre os dois times. Em 1989, outro time de Milão, a Inter, capitaneada por um certo Matthaus (que venceria Maradona no Mundial do ano seguinte), foi a responsável por mais um vice-campeonato, mas no ano do Mundial, Maradona ainda deu mais um 'Tricolore' à cidade, sem esquecer a Copa UEFA de um ano antes, já com o brasileiro Careca em sua melhor fase a seu lado.

Depois do Mundial, a história é pública: Maradona pego por antidoping de cocaína e o fim de sua carreira (sem trocadilhos). O clube começaria ali seu calvário, exatamente quando seu maior jogador caía de joelhos.

Década de 90: pouco para lembrar

Nos anos 90, o napolitano tem pouco para comemorar. Como poucas recordações, as confirmações de dois zagueiros, primeiro Ferrara e depois Cannavaro, como jogadores que seriam os melhores da Europa em poucos anos. Além disso, uma outra descoberta: um técnico emiliano chamado Marcello Lippi, que levaria o time à Copa UEFA em 1994, antes de guiar a Juventus a nove títulos nos cinco anos seguintes.

Em 1998, novamente Série B e, agora, o clube voltava a ferver politicamente, com Ferlaino jurando de pés juntos que só sairia da presidência morto. Dois anos depois, uma parceria com o negociante de arte Corbelli deu esperanças à torcida, quando o time voltou à Série A, mas era somente um suspiro, pois foi rebaixado no ano seguinte, junto com a patética passagem do brasileiro Edmundo. Em 2002, Corbelli e Ferlaino deixaram o clube para S. Naldi, outro milionário da região.

As perspectivas? São sempre boas. O Napoli é um clube que, mesmo na Série B, coloca 30 mil pessoas por semana no estádio. Na atual temporada, Franco Colomba faz com que o clube volte a sonhar consistentemente com a Série A. Voltando à divisão principal, sempre será uma praça forte. A Itália torce por isso.

Foto de Equipe Trivela

Equipe Trivela

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