Mallorca: Inspiração para Chopin e para o futebol

O Real Madrid de Roberto Carlos, Zidane, Figo, Raúl e Ronaldo foi apontado por muitos como imbatível no começo da temporada 2002/3. Outros chegaram a acreditar que apenas um grande clube europeu pudesse pará-lo, como a Juventus fez na semifinal da Liga dos Campeões. Mas, o que ninguém poderia imaginar era que um pequeno time espanhol pudesse dar tanta dor de cabeça e até levar um dos títulos cobiçados pelo clube mais rico do mundo. A cidade de Palma de Mallorca pode comemorar, pois seu time parou o Real e conquistou pela primeira vez a Copa do Rei nesta temporada.
Mallorca é a maior ilha do arquipélago espanhol das Baleares, localizado no Mediterrâneo a leste da península Ibérica. A capital, Palma de Mallorca, recebe cerca de 5 milhões de turistas por ano, dentre eles o rei Juan Carlos, que desfrutam de suas belas praias e da noite agitada da cidade. Os frutos do mar são os pratos mais degustados servidos em Mallorca, além do famoso azeite da região. As belezas da ilha serviram de inspiração para o compositor Frederick Chopin, que esteve em Valldemossa, uma das vilas de Mallorca, em 1838. Lá o artista escreveu várias de suas famosas canções.
Em nome do rei
No dia 6 de março de 1916 nasceu o Junta Directiva del Alfonso XIII Football Club, um clube de futebol que em seu nome homenageava o então rei da Espanha, Don Alfonso XIII. Muitos dizem que Don Adolfo Vázquez Humasque, o fundador do clube, era torcedor do Real Madrid e por esse motivo o símbolo do clube tem o mesmo formato que o do time madrileno.
No final do mesmo mês, o clube inaugurou seu primeiro campo, o Buenos Aires, jogando contra o poderoso Barcelona. O resultado não foi muito animador para o Alfonso XIII: 8 a 0 para o time da Catalunha. No mês seguinte, o time saiu pela primeira vez da ilha e foi jogar na península, onde conseguiu um empate de 1 a 1 com o Iluro de Mataró. Em 28 de junho do mesmo ano, o time recebeu do rei Alfonso XIII a honraria de 'Real Sociedad'. Sendo assim, o clube modificou seu nome para Real Sociedad Alfonso XIII. O novo título também modificou o símbolo, que ganhou a coroa real.
Em 1917, o Alfonso XIII venceu o Palafrugell por 3 a 1 e se tornou campeão das Ilhas Baleares. Como premiação, foi admitido pela federação espanhola e disputou a Segunda Liga. Na década de 20, a direção do clube procurou popularizar o futebol em Mallorca, convidando tradicionais equipes espanholas e internacionais para amistosos. Jogaram contra o Alfonso XIII o RCD Espanyol, Real Murcia, Ajax, Colo-Colo e até a poderosa seleção uruguaia, em 1925.
A perda e a retomada da coroa
1931 foi um ano conturbado na política espanhola. O rei Don Alfonso XIII foi exilado após eleições. No dia 14 de abril foi instalada a chamada República Espanhola. Por esse motivo, o clube perdeu o título de Real Sociedad e foi obrigado a mudar de nome, passando a chamar-se Club Deportivo Mallorca. Entre 1936 e 1939, a Espanha sofreu uma guerra civil, e os grandes campeonatos foram interrompidos. O Mallorca disputou pequenos torneios no arquipélago, conquistando todos. Com o final da guerra, o time voltou a disputar a segunda divisão espanhola.
O Mallorca inaugurou, em setembro de 1945, o Es Fortí, seu novo estádio para 18 mil pessoas, vencendo o Jerez por 3 a 0. Alguns meses depois, o nome do estádio foi trocado para Luis Sitijar, para homenagear o presidente que construiu a nova casa do clube. Em 1949, o governo devolveu ao Mallorca o título de Real Sociedad. Mais uma vez, o nome foi modificado, agora para Real Club Deportivo Mallorca, atual nome da equipe.
O Mallorca conquistou o título a segunda divisão na temporada 1959/60 e pela primeira vez em sua história garantiu o direito de disputar a primeira divisão. O time se manteve na elite do futebol espanhol até 1963, quando retornou à Segundona. A partir desse momento começou o famoso sobe e desce do time entre a primeira e a segunda divisão. O Mallorca voltou a conquistar o título da segunda divisão em 1965, mas chegou a cair para a terceira divisão dez anos mais tarde. Nas décadas de 70 e 80, o time continuou oscilando entre as duas primeiras divisões.
Grandes decisões
Na temporada 1990/1, o Mallorca chegou a sua primeira decisão importante: a da Copa do Rei, contra o tradicional Atlético de Madrid. O time das Ilhas Baleares fez frente ao Atlético, mas perdeu por 1 a 0, gol marcado na prorrogação. O clube voltou à primeira divisão na temporada 1996/7, onde permanece até hoje. No ano seguinte, sob comando do argentino Héctor Cúper, o time terminou a Liga na quinta posição e chegou a duas finais: primeiro perdeu nos pênaltis a Copa do Rei para o Barcelona, após empate de 1 a 1 no tempo normal. O troco veio na disputa da Supercopa da Espanha, quando o Mallorca venceu o time catalão nas duas partidas da final e conquistou seu primeiro título importante.
Ainda com Héctor Cúper, o Mallorca chegou em sua primeira decisão internacional na temporada 1998/9. Após passar pelo Chelsea na semifinal, o time espanhol enfrentou a Lazio na final da Recopa da Europa. Mesmo com jogadores como o goleiro argentino Roa e os atacantes Dani e Tristán, o Mallorca não conquistou o título: 2 a 1 para os italianos.
Naquela mesma temporada, o clube inaugurou o Son Moix, seu atual estádio. Na partida de abertura, o Mallorca vencia o Real Madrid por 1 a 0 até os 46 minutos do segundo tempo. A torcida mallorquinista já estava em festa, quando assistiu a Morientes e Raúl virarem para o time da capital. A temporada 2000/1 foi a melhor na história do Mallorca. Treinado por Luís Aragonés, o time terminou em terceiro no campeonato espanhol, somando 71 pontos. Porém, a temporada 2002/3 é a que ficará na história do clube.
Um leão chamado Eto'o
Primeiro o time foi goleado por 5 a 1 pelo Real Madrid jogando em Son Moix. No Santiago Bernabeu, o Mallorca deu o troco devolvendo os mesmos 5 a 1, com a ajuda do colombiano Lozano, ex-Palmeiras. Nas quartas-de-final da Copa do Rei, o Mallorca enfrentou o mesmo Real e após empatar em Madrid em 1 a 1, goleou os 'merengues' por 4 a 0 em Palma. O resultado deu ânimo ao time, que chegou na final da competição contra o Recreativo Huelva. Foi aí que brilhou o leão Samuel Eto'o, da seleção de Camarões.
Esse capítulo na história do Mallorca e do futebol mundial começa no dia 26 de junho de 2003, na semi-final da Copa das Confederações. Marc-Vivien Foé, companheiro de Eto'o, morre no gramado. Logo após o término do jogo, Eto'o viaja para Espanha onde jogaria a final da Copa do Rei, dois dias depois. Eto'o decidiu o título para o Mallorca. Primeiro, o camaronês sofreu pênalti que Pandiani converteu. No segundo tempo, Eto'o marcou mais dois gols e fechou o placar para o Mallorca. Na comemoração do título, mais de 10 mil pessoas foram às ruas de Palma, recepcionar o time e agradecer o indomável leão camaronês. E foi pouco para Eto'o. Logo após o final da partida, o jogador voltou para a França, onde disputou a final da Copa das Confederações no dia seguinte.
A torcida mallorquinista espera contar com Eto'o, Lozano e outros reforços, para na temporada que vem repetir – ou até superar – as façanhas deste ano.