Kaiserslautern: Só Fritz Walter salva o 'Chaoslautern'

Já faz mais de 40 anos que o artilheiro alemão Fritz Walter abandonou as chuteiras e pouco mais de seis meses que ele faleceu. A cada dia que passa, porém, o Kaiserslautern mostra o quanto é dependente daquele que o colocou no mapa do futebol.

Para salvar o clube que ajudou a fazer crescer, Walter tem pela frente mais uma missão: arrumar os US$ 30 milhões que o Lautern deve. Foi mais ou menos isso que o presidente do clube, o suíço René Jaggi, quis dizer ao anunciar que o estádio de Betzenberg, que leva o nome do ex-craque, está à venda.

A notícia, é claro, enfureceu a torcida dos Diabos Vermelhos, que já não agüentam mais gozações por parte de rivais e da imprensa e deve se ver, muito em breve, sem nem estádio para freqüentar. O lugar cativo na zona de rebaixamento da atual temporada credencia o 'Chaoslautern', a cada rodada, a uma vaga na segunda divisão.

Torcedor nenhum, como bem se sabe, está preocupado com o que acontece na tesouraria de seu clube, mas sim com os resultados do time dentro de campo. Os do Lautern não são diferentes: como a atual campanha é uma das piores da história, os jogadores foram os primeiros a sentir sua fúria.

O exemplo mais triste aconteceu após a derrota para o Bayern de Munique na penúltima rodada do primeiro turno, quando um grupo atirou pedras no ônibus que transportava os jogadores de volta para a cidade. Saldo negativo: o motorista perdeu a visão de um de seus olhos.

Desde que assumiu a presidência do clube, em setembro do ano passado, Jaggi conseguiu provar que é um grande administrador: em vez de deixar que as dívidas geradas por seu antecessor aumentassem, ele as tem controlado a unhas e dentes.

Resta saber se, muito em breve, restará alguma coisa para ser administrada.

Como acabar com um clube em dez anos

A maldição que circunda os Diabos Vermelhos não é fruto de desmandos recentes. Quando o time voltou a crescer no país, no início da década de 90, os dirigentes – destaque para o então presidente Jürgen Friedrich (uma espécie de Mustafá local) -, mal-acostumados a ver tanto dinheiro em caixa, começaram a gastar a torto e a direito.

Em vez de investir no próprio clube, os cartolas preferiram contratar jogadores de qualidade duvidosa. Youri Djorkaeff, por exemplo, veio da Internazionale após a Copa do Mundo de 98 como se fosse o responsável pelo título. Junto com ele veio Taribo West, 'sensação' da então já decadente seleção nigeriana. Mais do que previsível, os dois fracassaram em Kaiserslautern. Mas, para eles, apenas dentro de campo.

Com os contratos que assinou com os dois, o clube se viu numa situação delicada quando precisou se livrar deles, que eram mais manchete pelo que faziam fora de campo do que propriamente dentro dele. Para tentar solucionar o problema, Friedrich optou por dar ao ex-craque local – e também seu amigo pessoal – Andreas Brehme o cargo de treinador. A solução imediata não veio, e a decisão foi pela rescisão com Djorkaeff e West. Por contrato, eles continuaram recebendo do clube por algum tempo. Milhões, diga-se de passagem. Que fique bem claro: esses dois jogadores são apenas os dois principais casos de desperdício de dinheiro!

A vitória na batalha contra Djorkaeff deixou Brehme com o ego inflado. Seus superpoderes, porém, desagradaram muito seus jogadores. Os resultados positivos não aconteciam, e sua permanência no cargo só era garantida pela amizade com Friedrich, que a essa altura do campeonato já era carta fora do baralho.

Bastou a eliminação da Copa Intertoto para que o cartola renunciasse e deixasse o Kaiserslautern em situação vexatória: sem presidente, com um time esfacelado e com uma dívida astronômica – tudo isso em plena pré-temporada.

Jaggi pode vender a alma dos Diabos

Encontrar um novo presidente para o clube não foi tarefa fácil. Afinal, quem, em sã consciência, assumiria a bomba descrita no parágrafo anterior? Depois de reuniões e mais reuniões, a cúpula de conselheiros do clube decidiu colocar o futuro do Kaiserslautern nas mãos do empresário suíço René Jaggi, então presidente do Basel, que fez questão de exigir plenos poderes. Desejo atendido, mãos à obra.

A primeira decisão do novo presidente foi demitir Brehme – mesmo sabendo que o queridinho de Friedrich, por contrato, continuará sugando dinheiro do clube até junho de 2004. Para seu lugar veio Erig Gerets, respeitado por uma recente passagem pelo PSV.

Só quando foi completada uma operação pente-fino nas finanças é que Jaggi conseguiu ter uma idéia de qual era o rombo nos cofres do clube: pouco mais de US$ 30 milhões.

Nos pouco mais de quatro meses que contabiliza no comando do Lautern, ele conseguiu fazer com que os jogadores tivessem o salário reduzido em cerca de 50% e também fazer algumas parcerias para que a dívida não aumente.

Por não ser alemão – e muito menos torcedor do Kaiserslautern -, Jaggi, ao anunciar estar aberto a propostas pelo estádio de Betzenberg, tocou no único monumento à memória do homem que dedicou mais do que a própria vida ao clube e, com isso, no sentimento da própria torcida. Ou seja: mesmo que o clube consiga se recuperar financeiramente em um curto espaço de tempo, o cartola entrará para os anais como aquele que se desfez da própria história do clube para salvá-lo da falência.

Fritz Walter pôs o Lautern no mapa

A exemplo do que aconteceu com muitos clubes ao redor do mundo, o Lautern nasceu da fusão de duas equipes menores da cidade que tinham interesses em comum. Em 12 de junho de 1900, o FC Germania 1896 e o Fußballgesellschaft 1899 se juntaram para fundar o 1. Fußballclub 1900 Kaiserslautern.

Os resultados surgiram logo nos primeiros anos: em 1909, conquistaram o título da Liga Oeste, uma espécie de campeonato regional da época. Como conseqüência, clubes como o FC 1900, o FC Palatia 1901 e o FC Bavaria 1902, que não tinham muitas forças para andar com as próprias pernas, também se uniram ao 1. FCK.

Apesar de o futebol não ter parado na Alemanha durante as duas Grandes Guerras, a estrutura do clube diminuiu bastante no intervalo entre 1919 e 1942. Quem impediu que o clube ruísse junto com boa parte do país foi um rapaz chamado Fritz Walter, que chegou ao time nos primórdios de 1938 e teve de dividir a carreira de jogador com o serviço ao III Reich – ele foi pára-quedista durante a Segunda Guerra. Tanto que em 1940, em plena guerra, ele se tornou o primeiro jogador do clube a ser convocado para a seleção alemã.

Com a queda do III Reich e com a volta do futebol à Alemanha, o Kaiserslautern pôde, enfim, voltar a crescer. Quando teve condições de se dedicar exclusivamente ao esporte, Walter deu ao único clube que defendeu em toda sua carreira os títulos nacionais de 1951 e 1953. No ano seguinte, pela seleção alemã, foi o herói da conquista do Mundial de 54, tornando-se então o maior jogador da história do esporte no país.

Depois da aposentadoria de Fritz Walter, o Kaiserslautern não conseguiu mais ser o mesmo. Até a década de 90, quando voltou a vencer um título nacional – na verdade foram dois, 1991 e 1998 -, o clube perambulou pelas competições nacionais e européias sem muitas condições de manter o aproveitamento do pós-guerra.

Foto de Equipe Trivela

Equipe Trivela

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