Getafe: O Jason do futebol

Imagine a situação: você é dono de um time de futebol que parece prego, ou seja, só leva na cabeça. Um belo dia, você coça a cabeça, olha pros lados e joga a toalha. Encerra as atividades do time, quita a folha de pagamento do clube e dá tchau e boa sorte para todo mundo. E promete pra si mesmo que, desse momento em diante, futebol, só na TV. Bem, se levarmos isso em conta, já dá pra deduzir que você não é um torcedor fanático do Getafe Club de Fútbol, um dos novos membros da festa da primeira divisão espanhola.

Novato na elite, assim como o Levante, o Getafe pode ser comparado ao personagem Jason, da série de filmes de terror ´´Sexta-feira 13´´, cuja capacidade de morrer e ressuscitar parece infinita. Por três vezes, o time teve suas atividades encerradas, nas décadas de 30, 70 e 80, tendo reaberto graças à paixão que move alguns abnegados pelo futebol. Depois de alguns anos oscilando entre as divisões inferiores da Espanha – e mesmo nas chamadas liga regionais – o Getafe, agora, mede forças com times do calibre de Barcelona, Real Madrid e Valencia, entre outros, para manter-se por mais algum tempo na categoria principal do futebol espanhol.

O ponto de partida

Embora os registros históricos do Getafe marquem o ano de 1946 como sendo a fundação oficial, sabe-se que em 1924 já havia uma equipe de futebol chamada Club Getafe Deportivo, que militava nas divisões inferiores da época – as chamadas categorias regionais, tendo permanecido nelas até a primeira dissolução da história do clube, em 1933. Desse primeiro time, ficaram como legado as cores do uniforme (camisa azul-claro e calção azul-marinho), o escudo e a letra do hino.

Em 1945, cinco abnegados reunidos numa lanchonete resolveram que a história do Getafe Deportivo não poderia, simplesmente, acabar. A cidade merecia um time de futebol à altura. Contando com o estreito apoio do prefeito Juan Vergara, nascia oficialmente, em 24 de fevereiro de 1946, o ´novo´ representante da cidade de Getafe no futebol espanhol. Mantendo o mesmo nome da equipe da década de 30, o Getafe iniciava sua nova trajetória no futebol. No (re)começo das atividades, o clube se valia do campo do regimento de artilharia situado na cidade. Uma curiosidade: o campo não tinha traves, sendo necessário trazê-las de outro campo próximo. O resultado era que todo dia de jogo, a cena mais comum era ver um bando de gente carregando as traves pra lá e pra cá, no início e no fim da partida…

Os primeiros acessos

A década de 50 encontra o Getafe de casa nova. Foram adquiridos alguns terrenos na zona de San Isidro, onde se iniciou a construção de um estádio. Para poder levar adiante o projeto, foi necessária a ajuda do alcaide Juan Vergara, em forma de algumas subvenções, visto que o clube, na época, contava com parcos recursos financeiros. Tão importante foi a atuação de Vergara que ele foi agraciado com o cargo de presidente honorário, com direito, até, a ganhar uma insígnia oficial do clube, confeccionada em ouro e cravejada de brilhantes.

No fim da década de 50, mais precisamente na temporada 1956/7, o Getafe, conseguiu o sonhado acesso à terceira divisão. Já na temporada seguinte, o clube conseguiu o título de campeão de seu grupo na Terceirona, o que lhe dava o direito de disputar uma vaga na segunda divisão com o Almeria. Essa disputa daria espaço para uma história tão nebulosa quanto fantástica, que culminou com a não-ascensão do Getafe para a Segundona…

Quem quer dinheirooo…?

Antes da disputa pelo acesso a Segunda Divisão, o presidente do Getafe, Jesús Sacristán, foi procurado por dirigentes do time do Almeria – ou pessoas que se diziam enviadas pela diretoria do time – oferecendo-lhe uma proposta de ´acerto´. No melhor estilo de Hitchcock, o presidente foi confrontado com a seguinte oferta: 100 mil pesetas na mão, e o Getafe desistiria de oferecer qualquer resistência ao Almeria que, assim, poderia subir de divisão. A proposta parecia muito tentadora, visto que o clube vivia na corda bamba no setor financeiro.

A oferta motivou a convocação de uma junta da diretoria getafense em caráter extraordinário, para analisar a proposta do Almeria. Os 13 membros da junta assistiram ao presidente Sacristán dar o voto de Minerva e decidir que o clube não aceitaria o dinheiro, sendo preferível “não sucumbir à tentação de um dinheiro fácil em troca de uma derrota desonrosa”, segundo palavras do próprio presidente à época. Mesmo assim, o Getafe não conseguiu subir para a segunda divisão.

Mais vidas que um gato

Até o início da década de 70, o Getafe oscilou entre a terceira divisão e as divisões regionais (uma espécie de ´Série D´ do futebol espanhol). Como curiosidade, vale registrar que, na temporada 1967/8, o clube recebia o jocoso apelido de Getafe Kelvinator, visto que esse era o fornecedor de material esportivo para a equipe. Os uniformes, de acordo com relatos da época, eram nada mais que trajes ´de calle´, ou seja, de rua, nada a ver com material esportivo. Outra história dá conta que, na véspera de um jogo contra o Extremadura, os jogadores getafenses passaram a noite matando mosquitos à luz de velas!

Em 1970, deu-se a inauguração do estádio municipal de Las Margaritas, que viria a ser a sede oficial do clube. Depois de uma troca de nome em 1976 – tornando-se o atual Getafe Clúb de Fútbol, conseguiu o acesso à segunda divisão, mas caiu novamente na temporada 1981/2. Com isso, uma gravíssima crise financeira, que levou até o técnico Poli a colocar dinheiro do bolso para cobrir a folha de pagamento, forçou o encerramento das atividades do clube.

O time, entretanto, voltou na temporada 1982/3, disputando a Regional, visando alcançar a segunda divisão B. Nessa nova ´encarnação´, o time finalmente deslanchou. Em 1994, veio o acesso à segunda divisão principal. Em 1998, foi construído o novo estádio do clube e, na temporada 2003/4, a glória suprema: o Getafe ascendia à primeira divisão do campeonato espanhol.

Os resultados nesta temporada não são dos melhores (o time, até a oitava rodada, era o antepenúltimo colocado, à frente apenas de Mallorca e Numancia). Mas o que importa para a torcida é ter uma equipe para torcer. No vocabulário do Getafe, ´fim´ é sinônimo de ´continua no próximo episódio´. Ou na próxima temporada…

Foto de Equipe Trivela

Equipe Trivela

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