Gary Lineker: o cavalheiro da bola

No último dia 24 o Tottenham Hotspur conquistou a Copa da Liga Inglesa ao vencer o Chelsea por 2 a 1, em Wembley. Esse foi o primeiro título dos Spurs desde 1999, quando ganharam a mesma competição. Apesar de se tratar de um dos times mais tradicionais do país, as taças nunca foram rotina em White Hart Lane. O último dos dois títulos nacionais, por exemplo, foi ganho em 1961. A FA Cup não é vencida desde 1991, quando um craque já consagrado ganhava seu primeiro e único título de expressão dentro da Inglaterra. O craque em questão é Gary Lineker, cuja história futebolística é parecida com a do próprio Tottenham. Um jogador que fez história no futebol, mas conquistou poucos títulos ao longo da carreira. Apesar disso, o atacante se consagrou como um dos principais nomes de sua geração no país. Isso porque foi o único inglês a ser artilheiro de uma Copa do Mundo, em 1986, com seis gols. É, também, o maior goleador da Inglaterra em todas as copas, com dez gols. Além disso, Lineker se notabilizou por ser um dos atletas mais disciplinados da história do futebol: em toda a carreira ele não recebeu sequer um cartão amarelo. Era um craque com a bola nos pés e um cavalheiro sem ela.
“Estouro” no Everton
Gary Lineker iniciou a sua carreira profissional no Leicester City, em 1978. Ele ajudou a equipe a subir para a divisão principal do futebol inglês, em 1983. Na temporada 1984/85 o atacante foi o artilheiro do Campeonato Inglês, com 24 gols, o que lhe rendeu a primeira convocação para a seleção inglesa e uma transferência para o Everton, então campeão nacional. E foi no time da cidade de Liverpool que Lineker se consolidou como principal atacante do país. Na temporada 1985/86 ele foi novamente o maior goleador do campeonato nacional, desta vez com 30 gols. Sua equipe, porém, não conseguiu nenhum título no ano, sendo vice-campeão do Campeonato Inglês e da FA Cup. E o pior: em ambas as competições o campeão foi o arqui-rival Liverpool. Ao final da temporada, Gary Lineker era titular absoluto do English Team que disputaria a Copa do Mundo no México e, de quebra, foi contratado para jogar no Barcelona.
Artilheiro da Copa
A Inglaterra começou mal a Copa de 86, perdendo para Portugal por 1 a 0 e empatando sem gols com o Marrocos. Desta forma, precisava de uma vitória no último jogo da primeira fase, contra a Polônia, para não ser eliminada ainda na fase inicial. Então, Gary Lineker resolveu a situação marcando os três gols da vitória inglesa por 3 a 0. Nas oitavas-de-final o adversário era o Paraguai: nova vitória por 3 a 0, desta vez com dois gols de Lineker. Nas quartas-de-final o English Team enfrentou a Argentina, em um dos jogos mais famosos da história do futebol. No início do segundo tempo a Argentina fez 2 a 0, com os dois gols mais conhecidos da carreira de Maradona (o primeiro em que ele dribla meio time adversário; e o segundo com a “mão-de-deus”). Gary Lineker diminuiu para a Inglaterra a dez minutos do fim. Faltava um gol para levar a partida para a prorrogação. Mas ele não veio. Afinal, Lineker podia ser craque, mas não tinha toda a habilidade de Maradona para driblar meio time adversário e fazer o gol. Ele não tinha, também, a “cara-de-pau” do argentino para fazer um gol com a mão e falar que foi com a “mão-de-deus”.
Apesar da eliminação nas quartas-de-final, Gary Lineker foi o artilheiro do Mundial, com seis gols.
“Hat-trick” no clássico
Após a Copa o atacante foi jogar pelo Barcelona, onde ficou durante três anos. No clube catalão ele conquistou dois títulos: a Copa do Rei da Espanha, em 1988, e a Recopa Européia, em 1989. Mas seu grande momento na Espanha aconteceu na temporada 1986/87, no clássico contra o Real Madrid. Marcou os três gols da vitória sobre o rival por 3 a 2. Mas o Barcelona não vivia uma de suas melhores fases, e muitas vezes Gary Lineker era escalado no meio-campo pelo então treinador Johan Cruyff. O atacante não rendia tanto jogando mais recuado e foi perdendo espaço no clube, de onde saiu ao final da temporada 1988/89.
Dupla de opostos
Lineker voltou para o seu país de origem para jogar no Tottenham. E logo na sua primeira temporada pelo clube londrino ele foi artilheiro do Campeonato Inglês, com 24 gols. Vivendo boa fase, o atacante era a principal esperança da seleção inglesa para a Copa do Mundo de 90, na Itália. Outra referência do English Team era o seu companheiro de clube, Paul Gascoigne. Tanto no time de White Hart Lane quanto na seleção os dois formaram uma grande dupla, apesar de terem personalidades completamente diferentes. Enquanto Lineker era um atleta disciplinado, que jamais levou um cartão na carreira, Gascoigne era exatamente o oposto: indisciplinado dentro de campo e com fama de “bad boy” fora dele.
Na Copa do Mundo, a desacreditada Inglaterra chegou às semifinais, quando enfrentou a Alemanha, que abriu o placar com um gol de Brehme. Gary Lineker empatou para os ingleses e a partida foi para os pênaltis, onde a seleção alemã venceu por 4 a 3. A Inglaterra acabou em quarto lugar, após perder para Itália por 2 a 1. Com quatro gols no torneio, Lineker se tornou o maior goleador do país em mundiais, com dez gols no total.
Jogando pelo Tottenham, o atacante conquistou a FA Cup de 1991, vencendo o Nottingham Forest na final por 2 a 1. Esse foi o primeiro e único título de expressão que o jogador ganhou atuando na Inglaterra. No final daquele ano ele ficou em terceiro lugar no primeiro prêmio de melhor do mundo dado pela FIFA, atrás do alemão Lothar Matthaus e do francês Jean-Pierre Papin. A temporada 1991/92 foi a última no clube londrino e no futebol inglês. 1992 foi também o ano de sua despedida da seleção, pela qual atuou em 80 jogos e marcou 48 gols. Depois disso foi jogar no Nagoya Grampus, do Japão, onde encerrou a carreira em 1994. Após deixar os campos ele virou comentarista, função que exerce até hoje.
Daqui a 50 anos, quando falarem sobre Gary Lineker, provavelmente irão dizer: “diz a lenda que ele nunca levou um cartão amarelo…”, como se duvidassem que isso seja verdade. Mas é verdade. Como também é verdade que o atacante foi um dos maiores craques da história da Inglaterra. Por não ter muitos títulos no currículo alguns podem duvidar que Lineker tenha sido um dos grandes do futebol inglês. Sorte da história que ele tem a bola como sua eterna testemunha.