Cardiff: Os galeses invadem a Inglaterra

Terceira rodada da Copa da Inglaterra. O Leeds, primeiro colocado da Premier League visita uma modesta equipe da terceira divisão. Não só os líderes não conseguem vencer, como acabam derrotados por 2 a 1, de virada, resultado que os eliminou da competição. O autor da façanha? O Cardiff City.
Mas espere um pouco. Parece haver algo errado aqui, afinal, Cardiff fica no País de Gales. E o que faz uma equipe galesa disputando a Copa da Inglaterra?
O único time a tirar a FA Cup de solo inglês
Bem, comecemos pelo começo. O Cardiff City foi fundado em 1899, com o nome de Riverside, então uma equipe de cricket da capital galesa. Só nove anos mais tarde é que o time pôde adotar o nome da cidade, após tornar-se profissional.
Por uma década, o Cardiff disputou torneios regionais, até que em 1920 foi aceito na Liga Inglesa de futebol, por coincidência no mesmo ano que o Leeds. É bom ressaltar que o País de Gales não tinha na época um campeonato nacional de futebol. Por isso é que o Cardiff passou a disputar o Inglês. Na verdade, a equipe não é a única galesa na Inglaterra – Swansea e Wrexham também têm sede em Gales e fazem parte da Liga Inglesa.
O Cardiff imediatamente fez-se notar na liga, sendo promovido para a primeira divisão em seu primeiro ano. Em 1924, o time galês foi vice-campeão inglês, perdendo o título para o Huddersfield por apenas um gol de diferença (na partida final, o Cardiff teve um pênalti a seu favor, mas desperdiçou-o).
Três anos mais tarde, veio a maior glória na história da equipe: o título da FA Cup. Ao vencer o Arsenal por 1 a 0 em pleno Wembley, o Cardiff tornou-se a primeira e única equipe estrangeira a vencer a Copa da Inglaterra.
O gigante adormecido
Em 1929, porém, iniciou-se a decadência do Cardiff, com o rebaixamento para a segunda divisão. A equipe ainda conseguiria voltar para a elite em mais duas ocasiões, entre 1952 e 1957 e entre 1960 e 1962, mas sempre como figurante. Nas décadas de 70, 80 e 90, o declínio acentuou-se, e o Cardiff acabou na quarta divisão da Inglaterra.
É curioso notar que, apesar dessa condição de time pequeno, o Cardiff tem relativa tradição em copas européias. Isso acontece porque a equipe disputa também na Copa do País de Gales, que classificava seu campeão para a extinta Recopa. O Cardiff venceu a copa galesa em 21 oportunidades, o que lhe valia um passaporte para a Europa – em 1968, a equipe chegou até as semifinais da Recopa.
A moleza só acabou em 1993, quando finalmente foi criado o campeonato galês de futebol. Com isso, a UEFA exigiu que Cardiff, Swansea e Wrexham decidissem definitivamente se iriam disputar competições na Inglaterra ou em Gales. Naturalmente, todos preferiram o Inglês. Com isso, não podem mais ganhar vagas em competições internacionais via Copa do País de Gales, embora até hoje participem da competição.
Sam Hammam, o salvador?
Em 1998, após décadas de tentativas fracassadas de tirar o Cardiff do coma, a esperança reacendeu-se para os torcedores galeses, com a compra da equipe por Sam Hammam.
Hammam é talvez o dirigente mais conhecido do Reino Unido. Nascido no Líbano, veio para a Inglaterra em 1975. Dois anos mais tarde, comprou o Wimbledon, equipe que acabara de chegar à quarta divisão do futebol inglês. Foi no comando dos Dons que Hammam fez seu nome.
Mesmo com uma torcida pequena, o dirigente conseguiu montar um bom time. Graças a seus atos excêntricos – e à notória violência de seus jogadores -, o Wimbledon ficou conhecido como 'the crazy gang' (o bando maluco). Com essa fama, o time foi crescendo, até que em 1987 chegou à primeira divisão. No ano seguinte, o Wimbledon ainda venceu a Copa da Inglaterra. Em 1999, Hammam vendeu sua parte no clube para um grupo norueguês. Coincidência ou não, no ano seguinte o time foi rebaixado.
Esse perfil de Hammam, aliado a sua incrível capacidade marketeira, logo conquistou a simpatia dos torcedores do Cardiff. Desde que chegou, Hammam já investiu mais de US$ 14 milhões em jogadores e conseguiu que a equipe fosse promovida para a terceira divisão, onde se encontra hoje.
Para Sam Hammam, isso ainda é muito pouco. O dirigente diz para quem quiser ouvir que “o Cardiff tem potencial para ser tão grande quanto o Barcelona”. Embora isso seja exagero, eu não me surpreenderia em ver o time disputando a Premier League dentro de cinco anos.
Crazy Sam
Veja a seguir uma lista das 'loucuras' de Sam Hammam:
– No Wimbledon, trancou o jogador Robbie Earle em seu estúdio, escondendo a chave dentro da cueca, até que o jogador assinasse contrato com a equipe.
– Pagou um bônus de £ 10 mil ao jogador Ray Harford em moedas de £ 1.
– Prometeu beijar o traseiro de Dean Holdsworth se o atacante marcasse mais de 15 gols numa temporada, o que acabou acontecendo – e Hammam cumpriu a promessa.
– Em um jogo contra o West Ham, no campo do adversário, pichou o vestiário da equipe antes do início da partida.
– Tinha o hábito de telefonar aleatoriamente para torcedores do Wimbledon para pedir conselhos sobre a administração da equipe.
– Irritado por não conseguir permissão para construir um novo estádio para o Wimbledon em Londres, tentou transferir a equipe para Dublin, na Irlanda.
– No Cardiff, incluiu no contrato do recém-contratado Spencer Prior uma cláusula que obrigava o jogador a manter 'relações carnais' com uma ovelha.
– Após comprar o time galês, tentou mudar o apelido da equipe – o Cardiff é conhecido como 'the bluebirds' (os passarinhos azuis), mas Hammam queria um apelido mais 'potente'.
– Comprou uma briga com o Celtic, da Escócia, ao afirmar que só o Cardiff é que teria direito de representar a tradição celta.
– Na recente partida contra o Leeds pela Copa da Inglaterra, saiu da tribuna de honra e foi para a beira do gramado, ficando em pé atrás do gol dos visitantes. Nos minutos finais da partida, correu em volta do campo chamando a torcida do Cardiff e provocando a do Leeds.