Canhoteiro – O Garrincha que não Foi
Desde o início dos tempos, o homem convive com heróis lendários, aqueles que a gente conhece por relatos tão fantásticos que fica difícil dizer onde termina a realidade e começa o mito. Foi assim com Gilgamesh, tido como o primeiro matador de monstros da história da humanidade, com Hércules e seus 12 incríveis trabalhos… e é assim com Canhoteiro, ex-ponta-esquerda do São Paulo no fim da década de 50. E, assim como os outros dois citados acima, Canhoteiro também tem um relato escrito de suas façanhas. Porém, neste caso, seria melhor que suas histórias tivessem ficado apenas no campo oral, do ´meu tio me contou…´
O livro ´´Canhoteiro – O Garrincha que Não Foi´´, de Renato Pompeu, pertence à série ´´Avenida Paulista´´, da Ediouro. Segundo as informações das abas, a coleção se destina a construir relatos sobre personagens especiais que, de uma forma ou de outra, marcaram sua época na cidade de São Paulo.
O primeiro problema do livro está nessa temática. O autor – que se declara fã do jogador – faz uma tremenda confusão na cabeça do leitor, expondo fatos que não têm nada a ver com futebol. Para, por exemplo, ilustrar a tese de que ele seria um ´jogador-ônibus´, ou seja, serviria para todos os gostos e classes sociais, o livro faz uma longa e chata descrição dos ônibus da cidade, seus modelos e itinerários… a certa altura, você não sabe se está lendo um livro sobre um jogador ou um guia de como andar na São Paulo do fim dos anos 50, caso tivesse um túnel do tempo em seu quintal.
Outro problema é o próprio foco do livro. Canhoteiro é quase um personagem folclórico, que teve um carreira não tão longa no São Paulo, de 1955 a 1963, e conquistou um único título, o Paulistão de 1957, contra o Corinthians. Na Seleção, um gol em 16 partidas. Ou seja, há pouco para se falar sobre a carreira futebolística do jogador, fato esse mais agravado pela distância de comunicação entre Rio e SP, os dois centros do futebol no país à época, o que tornou o jogador uma ´lenda urbana´ em São Paulo, mas só em São Paulo. Tal fato leva o autor a encher uma lingüiça do tamanho de um 747, o que torna o meio da obra muito maçante.
Os melhores momentos do livro são, justamente, os que narram as passagens pitorescas de Canhoteiro no futebol e como cada uma constrói seu mito. O jogador, um driblador fenomenal (tanto que era conhecido como ´Mandrake´, ´Mágico´, ´One Man Show´, entre outros nomes), era garantia de espetáculo numa época em que o Tricolor, às voltas com a construção do Morumbi, mandava a campo equipes compostas por jogadores de baixo nível técnico, onde só se salvavam Canhoteiro e Zizinho, já veterano, mas ainda jogando bem.
Uma das histórias do livro da conta que, num São Paulo x Palmeiras, Canhoteiro teria dado um drible tão desconcertante no defensor Antoninho que ele teria caído duro no campo… ou, segundo Luiz Gonzaga Belluzzo, economista e conselheiro do Palmeiras, teria rolado feito bola pelas escadarias do vestiário. As histórias e as fotos são o que o livro tem de melhor a oferecer. Detalhe: a obra funciona melhor se você ler até o capítulo quatro e pular direto para o capítulo nove.
Em resumo, Canhoteiro sempre será lembrado como um jogador de ´´ses´´ (se tivesse sido conhecido no Rio, se tivesse ido à Copa de 1958…). O livro sobre sua vida é a mesma coisa… Se tivesse sido mais bem escrito, seria uma grande obra.