Boavista: O novo sócio do clube
Nos anos 80, um telespectador encaminhou uma pergunta por telefone a um dos integrantes do programa Mesa Redonda, transmitido para a Grande São Paulo pela TV Gazeta. A questão era “Qual o uniforme de um time de futebol que você acha mais feio?” e foi endereçada ao jornalista Mario Marinho, que, se não me engano, é o atual presidente da ACEESP (Associação dos Cronistas Esportivos do Estado de São Paulo). Resposta do jornalista: “Pra mim, a camisa mais horrorosa é daquele time português que parece uma bandeira de Fórmula 1”.
Não me lembro se Mario Marinho citou o nome desse time ou se foi informado por algum outro integrante da mesa. De todo modo, cabe dizer aqui que o time em questão era o Boavista, que usa uma camisa axadrezada em preto e branco totalmente diferente das utilizadas por outros clubes – e que podem ser encontradas em inúmeros países. Antes de saber a opinião de Mario Marinho, o Boavista já me chamava a atenção, justamente pela originalidade do uniforme. Depois desse episódio acima transcrito, o time português pareceu-me ainda mais simpático do que antes.
Eis que muitos anos mais tarde, quando fui convidado a escrever para a Trivela sobre o futebol português, tive que acompanhar mais de perto os assuntos do campeonato luso. E, para minha surpresa, no último mês de maio o Boavista sagrou-se campeão nacional pela primeira vez em sua história, após 55 anos de domínio de Benfica, Porto e Sporting. Além dos três grandes, apenas o Belenenses havia se sagrado campeão português, em 1946. O Boavista, portanto, é apenas o quinto clube a fazer parte de um grupo seleto e fechado – o que reflete bem a falta de possibilidades e o desnível do futebol português.
O título do Boavista, para além da total extraordinariedade do fato, aponta para algumas questões: 1) a falência dos grandes em Portugal, notadamente o Benfica, que nem se classificou para uma copa européia, também pela primeira vez na história; 2) a vitória do “futebol de resultados”, a partir de um time sem estrelas, mas batalhador; 3) o redesenho do mapa futebolístico em Portugal, já que a imprensa esportiva do país passou a incluir o Boavista em suas principais coberturas.
Se não bastasse tudo isso, o Boavista também protagonizou um feito inédito no último dia 11 de setembro, ao empatar em 1 a 1 com o Liverpool, no Estádio Anfield, em jogo da Liga dos Campeões: pela primeira vez na história, uma equipe portuguesa não saiu derrotada do campo do Liverpool. Para quem imaginou que tudo não passava de fogo de palha, cabe ressaltar ainda que o Boavista é o atual líder da I Liga em Portugal, ao lado do Porto, após quatro rodadas disputadas. Entre os candidatos ao título, o Boavista foi aquele que menos se reforçou e não contratou nenhum nome de peso, ao contrário do que fizeram o Benfica (com Mantorras e Simão Sabrosa), o Sporting (Jardel) e o Porto (Costinha e Ibarra). Pior: a equipe axadrezada ainda vendeu o zagueiro Litos e o brasileiro Whelliton.
Na verdade, a grande estrela do time senta-se no banco de reservas: o técnico Jaime Pacheco (ex-jogador de Porto, Sporting e Seleção Portuguesa – disputou a Copa de 86 no México) tem sabido reconhecer as limitações do elenco e criar um time extremamente aplicado taticamente, que joga fechado e sem muitas firulas. Não se trata de um futebol bonito e vistoso, como venho frisando em minha coluna “É golo” já há muito tempo; mas trata-se de um futebol disciplinado, à semelhança do que Carlos Alberto Parreira fez com a seleção brasileira em 1994. A torcida do Boavista, desacostumada a comemorar títulos, já ensaia alguns gritos de “É campeão” para os próximos meses. É esperar para ver.
Ah, antes que me esqueça: a camisa do Boavista é linda.