Ancona: O primeiro amor de São Jorge

Se no Brasil São Jorge é o padroeiro de um time grande e vencedor, na Itália a história é um pouco diferente. Muito antes de ser adotado pela torcida Corinthiana, São Jorge, ou San Giorgio, já abençoava o pequeno time do Ancona. Nesta temporada, o santo terá muito trabalho, já que o time italiano é o saco de pancadas de um dos principais torneios do mundo.

Ancona é a capital da região de Marche (que também abriga a República de San Marino) localizada na parte central da Itália. Com pouco mais de 100 mil habitantes, a cidadezinha foi fundada pelos gregos no século V a.C. Seu nome vem ankon ('cotovelo', em grego) por causa da grande montanha rochosa que avança mar adentro, formando o porto da cidade.

No início do século passado, mais precisamente em março de 1905, quando pouco se falava de esportes nos jornais italianos, uma pequena revista cultural da cidade publicava o nascimento da Unione Sportiva Anconitana. Nela eram praticados diversos esportes, mas o que mais agradava era o ciclismo. Isso até os marinheiros ingleses desembarcarem na cidade. Quando os navios paravam no porto, os britânicos sempre devam um jeito de fazer a bola rolar. Mas o grande introdutor do futebol na cidade foi mesmo Pietro Recchi.

Certa vez, em uma viagem pela Inglaterra, o anconitano foi assistir a um jogo do Liverpool. Empolgado com a partida, Pietro comprou camisas vermelhas e calções brancos – cores do uniforme do time inglês – e voltou para Marche com a novidade. Estava formado o time de futebol da Anconitana.

Adversários que vêm do mar

Os primeiros jogos foram na Piazza d'Armi. Os adversários eram os times dos navios ingleses que aportavam na cidade. Em 1912, os italianos vencem o time de ingleses do navio Winston por 10 a 0. Foi o sinal de que os marinheiros não eram mais páreo para a equipe, e os italianos estavam prontos para enfrentar outras equipes amadoras do país. Nesse ano, o time organizou e venceu a Coppa Bonci, um torneio amador. O primeiro grande jogo aconteceu em 1914, contra o poderoso Bologna, mas mesmo com a ajuda de São Jorge a Anconitana foi goleada: 5 a 0.

Em 1919, após a Primeira Guerra Mundial, os militares construíram um belo campo esportivo na Piazza d'Armi. A Anconitana começa a sonhar com a profissionalização. Em 1923, fundiu-se com outro grupo esportivo da cidade, o Folgore. Com a fusão, o Ancona passou de cinco (isso mesmo, cinco) para 1,5 mil sócios. Pensando em se fortalecer ainda mais, a Anconitana acertou a fusão com o Stamura, mas a união só durou uma temporada. A rivalidade dos torcedores dos dois times falou mais forte, e as duas esquadras acabaram se separando.

O time ganhou casa nova em 1931, quando foi construído o estádio Littorio. No mesmo ano, o time se juntou com o Emilio-Bianchi, formando assim a Anconitana-Bianchi, e a camisa vermelha ganhou listras amarelas. Os dois times se juntaram para conseguirem disputar com força a Série C do campeonato italiano. A união deu certo, e time conquistou o acesso para a Série B, onde encontrou um gigante do futebol mundial. Fez um jogo com o Milan e, para alegria dos marchegiani, venceu por 2 a 1.

O pequeno entre os grandes

Depois da Segunda Guerra Mundial, o Anconitana e Bianchi se separaram, e o futebol italiano passou por uma reestruturação. Os campeonatos foram regionalizados, e o time de Marche enfrentou adversários tradicionais como Roma, Lazio e Fiorentina. Em 1947, em um jogo contra o Pisa, a torcida da cidade portuária se revoltou com o árbitro e invadiu o campo. Os jogadores correram para o vestiário, e a torcida enfurecida só foi contida pela polícia. A federação italiana puniu o time de São Jorge com a perda do mando de campo por dois anos. Os dirigentes do clube conseguiram provar que o árbitro errou, e a pena foi reduzida para um ano (quase 50 anos depois, os dirigentes brasileiros ainda não conseguiram punir os times assim).

Os anos passaram, e nem São Jorge conseguia colocar seu time na Série A. Em 1956, disputando a IV Série, um nome de peso chegou ao clube. Carlo Parola, ídolo da Juventus, veio dirigir o time após deixar os gramados por problemas no joelho. Os resultados foram animadores. O time jogou bem e voltou à Série C. Mais uma vez, as décadas se passaram, e os problemas econômicos não deixavam a Anconitana se juntar à elite do futebol italiano.

Em 1974, os time italianos foram obrigados a se tornarem empresas (o mesmo que o futebol brasileiro luta para fazer, 30 anos depois). O se time de Marche se modernizou, mas dentro de campo não conseguiu sair das séries C1 e C2. Em 1982, uma nova direção assumiu o clube, e a Unione Sportiva Anconitana virou Ancona Calcio, atual nome do time. O nome mudou, mas São Jorge continuou no distintivo do time. Em 84, o time chegou perto do fundo do poço. Sem dinheiro, ficou até sem treinador. Nesse momento, nasceu uma parceria com Modena, que ajudou o Ancona com a comissão técnica.

Os resultados apareceram dentro de campo. Em 1988, o time bateu o Livorno por 3 a 0 e após 38 anos voltou à Série B. Em 1992, o sonho de São Jorge se concretizou. O time acabou a temporada em terceiro lugar e, finalmente, subiu para a Série A. A ida do time para a elite do futebol italiano fez a cidade de Marche comemorar durante uma semana ininterruptamente. A cidade inteira cantava “Tititi, tiritità, e l'Ancona in Serie A!”

O ano seguinte, entre os grandes, não foi feliz para São Jorge. O Ancona terminou o campeonato na penúltima colocação e retornou à Série B. Mas o ano de 1994 foi especial para o time marchegiano. Mesmo na Série B, o time chegou à final da Coppa Itália. O adversário era a Sampdoria. O título foi decidido logo na primeira partida: 6 a 1 para a Samp. No jogo de volta, o Ancona lutou, mas o placar ficou no 0 a 0.

Um brasileiro para salvar São Jorge

O sabor da primeira divisão começou a ser sentido na temporada 1999/2000, quando o Ancona subiu novamente da Série C para a B. O time continuou firme na segunda divisão até 2003. Nessa temporada, com muita luta o Ancona conseguiu a quarta colocação na Série B, o suficiente para voltar à elite do futebol italiano.

O sonho de voltar jogar a Séria A na atual temporada tornou-se um pesadelo. O time é o lanterna da competição, e jogar a Série B na próxima temporada parece inevitável. A última aposta do pequeno time é um brasileiro. Jardel, ex-Grêmio e seleção brasileira, tentará voltar à boa froma e com seus gols manter o time na primeira divisão.

Comparar os títulos dos dois times de São Jorge é besteira. Agora, os italianos juram que a 'Fiel' de lá é tão apaixonada quando a daqui.

Foto de Equipe Trivela

Equipe Trivela

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