A história de Cristiano Ronaldo na Copa termina (provavelmente) com uma participação melancólica e sem gols em mata-mata
Ronaldo encerrou aquele que deve ser seu último Mundial na reserva de Portugal e sem nunca ter conseguido chegar longe como líder da seleção

Cristiano Ronaldo se aposentará um dia tendo feito mais pela seleção portuguesa do que se esperava. Conquistou uma Eurocopa e uma Liga das Nações, os primeiros troféus internacionais do seu país. Mas a sua trajetória no torneio que mais importa, a Copa do Mundo, terminou (provavelmente) neste sábado após uma participação melancólica, manchada por questões extra-campo, e sem que ele tenha conseguido emplacar uma grande campanha como protagonista. Sem sequer marcar um gol em jogos de mata-mata. Sem nem ter disputado tantos assim.
É sempre complicado duvidar da ambição de Cristiano Ronaldo para ampliar os seus números e recordes. Ao entrar em campo contra Marrocos neste sábado, ele chegou a 196 jogos por Portugal e se tornou o homem que mais vezes defendeu uma seleção, ao lado de Bader al-Mutawa, do Kuwait. Outro feito para acompanhar o que já possuía, de maior artilheiro do futebol internacional masculino. Mas depois dos piores meses da sua carreira, sem clube e especulado com força no futebol da Arábia Saudita, fica difícil imaginar que conseguirá chegar ao próximo Mundial, em 2026, quando terá 41 anos.
Então, se o fim chegou, foram cinco participações na Copa do Mundo e oito gols, todos na fase de grupos. Apenas uma campanha chegou às semifinais: em 2006, quando era uma jovem revelação que complementava o time de Luis Figo e Deco. Desde então, como líder da seleção, esta foi a única vez em que conseguiu chegar sequer às quartas de final. Ronaldo disputou apenas oito jogos de mata-mata, metade deles na Alemanha, incluindo a disputa de terceiro lugar. Por dados da Opta, o craque passou 570 minutos em branco nas partidas mais importantes do Mundial, com 27 chutes e nenhum gol.
O período que entrará debaixo da lupa será principalmente entre 2010 e 2018, quando Cristiano Ronaldo estava no auge, ou perto dele, marcando gols e conquistando títulos europeus no atacado com a camisa do Real Madrid. Essa excelência no futebol de clubes também significou que ele não chegava à Copa do Mundo em suas melhores condições físicas. Foi o que aconteceu na África do Sul, quando já era capitão, e marcou apenas contra a Coreia do Norte antes de ser eliminado nas oitavas de final pela Espanha. E principalmente o que aconteceu em 2014, quando o corpo cobrou o preço pelo esforço na Champions League para conquistar La Décima. Caiu na fase de grupos.
A melhor participação de Cristiano Ronaldo na Copa do Mundo foi sem dúvida na Rússia. Mesmo depois de mais um título de Champions League, chegou inteiro e emplacou o seu grande jogo na história dos Mundiais, no empate por 3 a 3 da estreia contra a Espanha, quando anotou um hat-trick. Marcaria novamente na vitória sobre Marrocos por 1 a 0, mas a campanha portuguesa terminou em dois gols de Edinson Cavani e uma aula defensiva de Óscar Tabárez, ainda nas oitavas de final.
O Catar recebeu um Ronaldo diferente. Estava na reserva do Manchester United, após sua volta para casa ter dado tão errado que concedeu uma entrevista explosiva na semana da abertura da Copa do Mundo. Durante a competição, fechou a rescisão de contrato com os Red Devils. Se não tumultuou o ambiente, foi pelo menos uma distração para Portugal e para o próprio jogador que não conseguiu fazer partidas boas contra Gana e Uruguai e nem se dispôs a descansar contra a Coreia do Sul, quando foi substituído xingando alguém que estava com uma “pressa do caralho” de retirá-lo.
Posteriormente, afirmou que se referia a um jogador sul-coreano que o estava apressando a sair de campo, e não a Fernando Santos, que em um primeiro momento endossou sua versão. Depois, porém, disse que não havia gostado nada da discussão de Ronaldo e o colocou na reserva para as oitavas de final contra a Suíça. O primeiro jogo de Copa do Mundo que não começou após 15 seguidos. Para piorar, o seu substituto marcou três vezes e deu uma assistência, liderando a melhor atuação coletiva de Portugal no Catar. A sua ausência parecia ter deixado o time mais forte, o que deve ter sido difícil de digerir.
O noticiário tumultuado da seleção portuguesa obrigou até a federação a emitir uma nota desmentindo que Ronaldo havia “ameaçado deixar o elenco”, insatisfeito por ter sido barrado. Que tenham sido apenas rumores sem fundamento, Fernando Santos confirmou que houve uma conversa com o capitão e admitiu que ele não ficou mesmo satisfeito. O que, como frisou o técnico, é normal com um jogador do tamanho e da carreira de Ronaldo. O problema, porém, é justamente que ele se tornou uma figura tão gigantesca que tudo gira ao seu redor e o que deveria ser uma simples decisão tática tem que ser acompanhada por um trabalho de relações públicas.
E o problema principal mesmo é que o nível de desempenho de Ronaldo não está mais justificando o barulho que esse poder gravitacional acaba gerando. Entrou no começo do segundo tempo, no lugar de Gonçalo Ramos, e pouco conseguiu fazer para reverter a sorte de Portugal. Pior: teve a bola do empate, bem ao seu estilo, atacando o espaço e batendo rasteiro de perna direita, mas parou em Bono. Uma parede para a finalização de João Félix foi sua única outra boa jogada em mais de 40 minutos em campo.
Em quatro edições de Copa do Mundo como o principal jogador de Portugal, Cristiano Ronaldo conseguiu uma eliminação em fase de grupos, duas nas oitavas de final e uma nas quartas de final. Apenas quatro jogos de mata-mata e uma única vitória, na qual foi reserva e entrou com o jogo decidido. Pouco contribuiu para tentar evitar derrotas para Espanha, Uruguai e Marrocos, muito menos um gol, e em pelo menos metade dessas campanhas poderia não estar no elenco mais qualificado da competição, mas tinha companhia suficiente para chegar mais longe.
É verdade que Portugal nunca foi uma potência dos Mundiais, com apenas duas semifinais separadas por 40 anos, mas a expectativa quando surge um talento tão especial e tão historicamente fora da curva é conseguir emplacar pelo menos uma grande campanha para marcar esse período de exceção nos livros. Cristiano Ronaldo conseguiu fazê-lo na Eurocopa. Não conseguiu na Copa do Mundo, e o choro ao apito final parece ter sido a admissão de que, no geral, poderia e deveria ter feito mais.