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Benbarek, a primeira estrela africana no futebol europeu e um marroquino que não teve Copa para defender a França

"Se eu sou o Rei do Futebol, Benbarek era o Deus", teria dito Pelé sobre o craque do Atlético de Madrid

*Texto inicialmente publicado em 5 de junho de 2014

Maradona é Deus para os argentinos, e sua mão é a “Mão de Deus”. Mas os pés de Todo Poderoso pertencem a outro jogador, muito mais antigo. Para os torcedores do Atlético de Madrid da década de 1940 e 50, os Pés de Deus eram de Larbi Benbarek. O atacante marroquino comandou o time colchonero por cinco temporadas, mantendo uma média de 0,5 gol por partida e ajudando o clube a conquistar o bicampeonato espanhol. Também foi a estrela da seleção francesa por uma década e meia, em uma trajetória intermitente devido à instabilidade política do país na época. Ainda assim, ganhou fama como o primeiro africano a ter um grande impacto no futebol europeu.

Nascido em Casablanca em 1914, Benbarek defendeu os marroquinos Ideal Club e US Marocaine na adolescência. Na época, Marrocos era uma colônia da França, uma proximidade política que incentivou o Olympique de Marseille a garimpar jogadores no norte da África. Benbarek chamou a atenção dos franceses, e atravessou o Mediterrâneo em 1938. Logo em sua primeira temporada na França, o atacante marcou dez gols e ajudou seu clube a ficar com o vice-campeonato nacional. Foi quando seu nome se projetou, motivando a criação do apelido La Perle Noir (Pérola Negra) e a sua convocação para a seleção francesa.

Quando o atacante parecia pronto para ter impacto internacional, veio a Segunda Guerra Mundial. Apesar de defender a França no futebol, Benbarek ainda não tinha plena nacionalidade francesa. Isso o livrou de ser convocado pelo Exército durante a Segunda Guerra Mundial. Ainda assim, viu-se obrigado a se refugiar durante os combates. Retornou a Marrocos e voltou a defender o US Marrocain.

Salvo algum fato fora do comum, Benbarek seria nome certo na seleção francesa de uma eventual Copa de 1942. O problema é que, como a França foi um dos principais campos de batalha da Segunda Guerra, a atividade da seleção local foi interrompida e havia poucas condições de montar uma seleção para medir forças com outros países. Em teoria, os franceses não seriam candidatos a título nos Mundiais de 1942 e 46, mas Benbarek teria condições de se destacar individualmente.

A Pérola Negra pôde voltar à França em 1945, defendendo o Stade Français. Em sua primeira temporada, fez 17 gols em 25 jogos. Era nome certo para os Bleus em uma eventual Copa do Mundo de 1946. Sua produção ofensiva continuou forte nos anos seguintes, o que chamou a atenção do Atlético de Madrid, que pagou 17 milhões de francos para contratá-lo. Na época da transferência, a Espanha vivia a ditadura franquista e eram raras as contratações de estrangeiros, ainda mais um africano. Um ano após sua chegada, o lendário técnico Helenio Herrera assumiu a equipe, o que marcava um reencontro entre os dois, que estiveram juntos no Stade Français entre 1945 e 1948.

Herrera teve uma carreira repleta de títulos em diferentes equipes, mas até então havia treinado apenas três equipes, sem conseguir alguma conquista. No entanto, logo em suas duas primeiras temporadas no Atlético de Madrid, o técnico foi bicampeão espanhol. O primeiro ano foi apenas para dar fim a um jejum de nove anos sem títulos do clube no Campeonato Espanhol.  A temporada que ficou mesmo marcada na história da equipe foi a seguinte, 1950/51. Além de Benbarek, o time contava também com jogadores como Adrián Escudero, maior artilheiro do clube na história de La Liga, José Juncosa, Carlsson, também vindo do Stade Français, e Pérez-Paya, todos integrantes de um setor ofensivo que ficou conhecido como “Delantera de Cristal” e o seu principal jogador era os “Pés de Deus”. Aquela equipe praticava um futebol descrito até hoje como “dos sonhos”: leve, ofensivo e aterrorizador para as defesas adversárias.

Àquela altura, a Copa do Mundo já havia retornado, com a realização do Mundial de 1950, mas a França não entrou em acordo com a organização da competição devido às longas viagens previstas na tabela e acabou ficando de fora do torneio. Naquele momento, a França estava ao lado do Brasil, Romênia e Bélgica como únicas seleções a disputar todas as Copas. De qualquer modo, Benbarek havia se aposentado dos Bleus em 1948 e só uma mudança de rumos o faria vir à Copa do Brasil.

As idas e vindas da França e de sua própria carreira impediram que o marroquino tivesse um currículo extenso pelos Bleus. Ainda assim, com apenas 17 partidas, o atacante é o jogador que defendeu a camisa azul por um período mais longo: como teve um amistoso de despedida contra a Alemanha Ocidental em 1954, teve um intervalo de 15 anos entre a primeira e a última partida pela seleção francesa.

Ao fim de sua passagem pelo Atlético de Madrid, em 1953, retornou para a França, para jogar no Olympique de Marseille. Já com 39 anos, não conseguiu ajudar a equipe a conquistar nada nessa última passagem, que durou até 1955. Depois disso, retornou à África, defendendo por uma temporada o argelino Union Sportive Musulmane Bel-Abbesienne, e encerrou a carreira em 1957 pelo Marrocaine. Assim como sua história no futebol é lembrada por poucos, sem o devido destaque, sua morte também aconteceu sem grandes holofotes em 1992, em sua residência em Casablanca.

Pela debilidade tecnológica da época, não há lances e mais lances em vídeo do Pérola Negra em ação. A falta de registros torna mais difícil resgatar sua história, mas uma declaração atribuída a Pelé ajuda a dimensionarmos o que Benbarek representou para o imaginário daqueles que acompanhavam futebol em sua época: “se eu sou o Rei do Futebol, Benbarek era o Deus”.

Foto de Leo Escudeiro

Leo Escudeiro

Apaixonado pela estética em torno do futebol tanto quanto pelo esporte em si. Formado em jornalismo pela Cásper Líbero, com pós-graduação em futebol pela Universidade Trivela (alerta de piada, não temos curso). Respeita o passado do esporte, mas quer é saber do futuro (“interesse eterno pelo futebol moderno!”).
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