Mundial de Clubes

O vendedor de artigos elétricos que mostra o que significa o Mundial para o Auckland City

O Auckland City é uma figurinha carimbada no Mundial de Clubes. Em um continente ainda tomado pelo amadorismo, o time neozelandês é o mais bem sucedido e consegue nadar de braçada. No Mundial, a realidade é inversa: é ele o intruso em uma festa de milionários. E um jogador representa bem o que é o Auckland City: Daniel Morgan. O jogador, versátil em campo, esteve na edição de 2009 pelo clube e voltou este ano, novamente para disputar o torneio que é o maior palco possível de jogadores que não vivem do futebol.

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A estreia do Mundial de Clubes é justamente o jogo entre o Auckland City e o time da casa. Acontece nesta quarta e é contra o Al Jazira, campeão dos Emirados Árabes Unidos, sede da edição 2017. Mesmo longe das potências europeias e sul-americanas, o time emiratense é muito mais preparado que os neozelandeses. A começar por serem profissionais e terem jogadores já famosos, como, por exemplo, Romarinho, ex-Corinthians.

“Eles são um time muito forte”, disse o meio-campista Dan Morgan. “Mas nós temos que nos apoiar para competir bem e partir daí”, continuou o jogador. Quer dizer, Morgan só é jogador à noite. Durante o dia, ele tem um emprego em um atacado de produtos elétricos. Em uma semana normal, ele trabalha das 7h30 da manhã até 16h. Depois, sai correndo para treinar com o Auckland City à noite.

“Eu talvez gaste uma hora para chegar ao treino”, afirmou Morgan. “Começo o dia bem cedo e termino bem tarde, mas você se acostuma”, contou. O técnico do Auckland City, Ramon Tribulietx, exige ao menos cinco treinos por semana nos três meses anteriores ao Mundial de Clubes, para preparar bem o time. Um esforço considerável para jogadores que trabalham o dia todo.

“É muito treino e precisamos nos adaptar”, conta Morgan. “Mas o corpo se acostuma com isso, se torna normal. E os treinos são estruturados. Não é nada sem sentido e é tudo com o objetivo de melhorar”, declarou o vendedor de artigos elétricos e jogador.

Aos 27 anos, Morgan será o único jogador do Auckland City que esteve também na campanha do time em 2009. Naquela edição, os neozelandeses venceram o campeão africano, Mazembe, o maior resultado da história do Auckland City.

Dan Morgan em treinamento do Auckland City nos Emirados Árabes (Foto: Shane Wenzlick / www.phototek.nz)

Aquele jogo era a disputa do quinto lugar e os neozelandeses levaram muito a sério, é claro. Morgan entrou no segundo tempo e, aos 19 anos, e foi dele o passe para o gol da vitória do time, marcado por Riki van Steeden, aos 50 minutos do segundo tempo.

“Foi um sentimento estranho ser chamado, mas uma vez que você entra em campo, você está focado demais no seu trabalho para se distrair”, disse Morgan à revista inglesa Four Four Two. “Ganhar o primeiro jogo foi ótimo, mas vencer o campeão da África tão jovem foi incrível e  eu espero que possamos repetir algo similar desta vez”.

“Eu lembro de avançar no campo e então ouvir uma voz atrás de mim, gritando pedindo a bola, e era nosso zagueiro Riki van Steeden. Eu pensei o que Riki estava fazendo tão avançado de onde ele deveria estar, mas eu toquei para trás mesmo assim e ele chutou perfeitamente e acabou no fundo da rede. Riki não tinha começado muitos jogos no torneio, então foi um grande momento para ele e para todos nós”, contou Morgan.

Aquela foi a primeira vitória do Auckland City em Mundiais, mas a melhor campanha viria anos depois. Em 2014, o time chegou a ser terceiro colocado. No caminho, eliminou o Moghreb Tétouan, nos pênaltis; bateu o ES Sétif por 1 a 0; e foi eliminado pelo San Lorenzo só na prorrogação, por 2 a 1. Na decisão do terceiro lugar, empatou por 1 a 1 e venceu nos pênaltis.

Depois do Mundial de Clubes de 2009, Morgan saiu de cena. Começou a jogar por ligas regionais, o que chamam na Nova Zelândia de futebol de inverno. Na última temporada, jogou pelo Waitakere United, rival do Auckland, e chamou a atenção com ótimas atuações. Foram oito gols em 17 jogos, o que chamou a atenção novamente do Auckland City, que o convidou para voltar a defender o clube azul marinho.

Curiosamente, Morgan joga o Mundial de Clubes pela segunda vez e também nos Emirados Árabes, onde foi a edição de 2009. “O Mundial de Clubes dá aos jogadores da Nova Zelândia uma visão sobre como vive a outra metade dos jogadores em um ambiente profissional”, explicou Morgan. “A torcida te dá o impulso e te dá ainda mais vontade para competir e provar que você pertence a esse palco e eu mal posso esperar para saborear esse sentimento de novo”, disse.

Quando perguntado o que os torcedores do clube neozelandês podem esperar do time no Mundial de Clubes, Morgan sorri antes de responder. “Eu estava falando com Takuya Iwata quando nós fizemos o nosso aquecimento no começo da temporada e eu disse que esta é a exata mesma rotina que nós fizemos quando eu estive aqui pela última vez, em 2009. Mas isso é uma coisa boa porque essa metodologia e repetição de estilo trouxe ao clube o sucesso que ele viveu. Por que mudar algo que está funcionando tão bem?”.

Natural de Auckland, Morgan certamente voltará com mais histórias para contar dos Emirados Árabes. Imagine só como será a segunda-feira de trabalho dele na loja de materiais elétricos logo depois de jogar uma das competições que reúne estrelas do futebol mundial.

Um jogador que é amador, nesse sentido, é um ainda mais apaixonado por futebol. Afinal, não está ali pelo dinheiro e precisa dedicar uma parte do seu tempo para isso. Um tempo que poderia fazendo qualquer outra coisa, mas escolheu o futebol. E mostra que pouco importa a campanha do Auckland City no Mundial: para os jogadores do clube, já valeu o esforço de uma vida toda. Há quem  ache que o Auckland City nem deveria estar no Mundial, porque não acrescenta nada tecnicamente, mesmo sendo o campeão da Oceania. Talvez valha só por histórias como a de Dan Morgan e de tantos outros jogadores do time.

Al Jazira e Auckland City se enfrentam às 15h (horário de Brasília). SporTV e Fox Sports 2 transmitem o jogo. Veja mais na Programação de TV.

Foto de Felipe Lobo

Felipe Lobo

Formado em Comunicação e Multimeios na PUC-SP e Jornalismo pela USP, encontrou no jornalismo a melhor forma de unir duas paixões: futebol e escrever. Acha que é um grande técnico no Football Manager e se apaixonou por futebol italiano (Forza Inter!). Saiu da posição de leitor para trabalhar na Trivela em 2009, onde ficou até 2023.
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