Mundial de Clubes
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O Al-Hilal inflige um dos maiores pesadelos da história do Flamengo, num jogo em que tudo saiu mal aos rubro-negros

O Flamengo teve uma atuação péssima, de decisões até piores do técnico Vítor Pereira e uma expulsão muito custosa, que encerra o sonho da torcida na semifinal do Mundial, diante da imponente vitória do Al-Hilal

O que pintou como sonho do Flamengo termina como um dos maiores pesadelos do clube em sua história. A campanha dos rubro-negros no Mundial de Clubes se encerra na semifinal, com uma derrota duríssima no duelo diante do Al-Hilal. Os torcedores com boa memória sabiam que os sauditas não eram um adversário fácil, depois da suada virada no Mundial de 2019. Os alviazuis contam com a base da seleção saudita e ainda um bom conjunto de estrangeiros. Mesmo assim, que não fosse a barbada que alguns tentavam pintar, também não se imaginava tamanho desastre em Tânger O Fla teve uma atuação péssima, o Hilal foi mais eficiente e construiu a vitória por 3 a 2. A expulsão de Gérson no primeiro tempo foi determinante, mas a atuação relapsa do time e as decisões ruins do técnico Vítor Pereira também custaram caríssimo. Demorou demais para que pintasse um esboço de reação nos acréscimos, mas não havia mais tempo o suficiente para evitar a eliminação.

Foi uma partida sofrível do Flamengo do início ao fim. O gol tomado logo de cara pesou contra um time que exibiu doses exageradas de nervosismo desde os primeiros segundos. Os rubro-negros se recuperaram aos poucos e conseguiram o empate graças à precisão de Pedro. Mas não que o time atuasse bem, com falta de pegada e também mais qualidade na criação. Ao longo de toda a primeira etapa, o Fla criou pouquíssimo. E o pênalti cometido por Gérson no fim dos acréscimos foi cabal à história da partida. O árbitro Istvan Kovacs pesou mais a mão contra os brasileiros (embora suas decisões nos lances capitais sejam justificáveis) e parte da torcida fica na bronca, mas é necessária a consciência do muito que deu errado além do mero apito. Porque, afinal, o time perdido se afundou mais no segundo tempo.

Na tentativa de mudar algo, Vítor Pereira sacou Arrascaeta. Everton Ribeiro também saiu cedo da partida. Que os dois armadores fizessem um jogo apagado, o time inteiro estava mal e terminou de perder o meio-campo. O Flamengo se sugeria numa rotação abaixo, especialmente no que se espera de um Mundial de Clubes. Desconcentrado, sucumbiu diante de um Al-Hilal bem mais seguro de si e preciso na hora de golpear. E, apesar do segundo gol no apagar das luzes, o time demorou demais para reagir e fatalmente caiu. Luciano Vietto e Salem Al-Dawsari, sobretudo, jogaram demais. Já do lado do Fla, Ayrton Lucas e Pedro se safaram pontualmente de uma noite tenebrosa. Mas não que valha muito, pelo fracasso que ficará gravado.

O Flamengo tinha suas principais novidades na escalação nas laterais, com Matheuzinho e Ayrton Lucas. De resto, era a formação que se imaginava. Santos ocupava o gol, com David Luiz e Léo Pereira na zaga. Thiago Maia, Gérson e Everton Ribeiro compunham o meio, com Arrascaeta solto na ligação. Mais à frente, Pedro e Gabigol se combinavam. Já o Al-Hilal tinha mudanças em relação à estreia. A defesa era a mesma, com Saud Abdulhamid, Jang Hyun-soo, Ali Al-Boleahi e Khalifah Al-Dawsari, além do goleiro Abdullah Al-Mayouf. Gustavo Cuéllar ocupava a cabeça de área, com o recuado André Carrillo – surpresa do time após se lesionar na estreia. Mais à frente, Moussa Marega, Luciano Vietto e Salem Al-Dawsari davam apoio a Odion Ighalo.

O Flamengo pareceu nervoso nos primeiros movimentos da partida, com muitos erros. E não demoraria para que esse desacerto dos rubro-negros custasse caro. Logo aos dois minutos, Matheuzinho vacilou no corte e cometeu pênalti em Vietto, quando o atacante tentava passar por Santos. Salem Al-Dawsari cobrou e mandou no canto, sem que Santos alcançasse. O Al-Hilal saía em vantagem. E a afobação transpareceu outra vez pouco depois, num erro que gerou a arrancada dos sauditas. Desta vez, David Luiz foi bem na cobertura de Marega. O Fla tinha dificuldades para trocar passes e se aproximar da área. A primeira chegada dos brasileiros ocorreu numa bola parada, aos oito minutos. Arrascaeta cobrou falta e Pedro desviou de cabeça para fora.

O Flamengo saiu mais para o jogo com o passar dos minutos, à medida que o Al-Hilal também recuava. Mas não que o time apresentasse tanta qualidade na construção. As infiltrações não saíam e, quando Gérson invadiu a área, tentou simular um pênalti e foi advertido com o cartão. Gabigol também foi amarelado por reclamação. A marcação dos sauditas estava bem encaixada, com uma pressão inicial e depois uma proteção maior ao redor da área. Entretanto, uma brecha bastou para Pedro empatar o jogo aos 20 minutos, na categoria. Num lance que a defesa não afastou por completo, Matheuzinho acionou Pedro rapidamente e o centroavante deu um tapa colocado no canto. Ótima finalização, que tirava um pouco o peso sobre os ombros dos rubro-negros.

Quase a virada do Flamengo aconteceu de imediato. Num cruzamento em que o goleiro caçou borboletas, Gérson não pegou em cheio a cabeçada. E o time seguiu ditando o ritmo, com melhores condições de esboçar a reação, mas sem estabelecer uma pressão contínua. Depois dos 30 minutos, o Al-Hilal voltou a sair um pouco mais. O Fla era melhor quando recuperava a bola e partia em velocidade, com mais espaços, mas faltava caprichar um pouco mais no passe final. A reta final do primeiro tempo não oferecia tantas emoções. Os sauditas criavam pouco e, na principal chegada rubro-negra, Pedro não alcançou o cruzamento, em lance depois anulado por impedimento.

A tensão cresceu mesmo durante o fim dos acréscimos, numa jogada do Al-Hilal dentro da área. Luciano Vietto tentou passar no meio de dois e Gérson deu um leve pisão no adversário. A penalidade não foi anotada na hora, mas o árbitro Istvan Kovacs foi chamado para revisar no monitor e resolveu marcar a infração. Gérson ainda terminou expulso, com o segundo amarelo, pagando caro pela simulação anterior. E, na marca da cal, Salem Al-Dawsari converteu de novo. O ponta cobrou com calma, mudando de lado, e só deslocou Santos. O Al-Hilal voltava à dianteira. A situação do Flamengo se tornava dramática para o segundo tempo, especialmente pela desvantagem numérica. A reclamação dos flamenguistas na saída de campo era ampla, e justificada.

Vítor Pereira realizou duas mudanças no Flamengo rumo ao segundo tempo. A saída de Léo Pereira era esperada, após o zagueiro sentir lesão, e Fabrício Bruno entrou. O maior impacto aconteceu na saída de Arrascaeta, para a entrada de Erick Pulgar. A mudança até poderia acertar o meio-campo sem Gérson, mas tirava aquele com condições de tirar o coelho da cartola. Os rubro-negros recomeçaram a partida com a necessária iniciativa, tantas vezes com Ayrton Lucas pela esquerda, mas também com sua dose de precipitação na hora de cruzar. O Al-Hilal, quando recuperava a bola, circulava mais. E por vezes encontrava a defesa adversária exposta, embora não surgissem oportunidades.

O Al-Hilal ganhou Michael no lugar de Ighalo aos 12 minutos. E quase o terceiro gol surgiu nesta sequência, numa jogadaça de Marega pela ponta direita. O atacante fez o que quis contra Matheuzinho e invadiu a área com muita facilidade. Na linha de fundo, só rolou para trás, mas Khalifah Al-Dawsari acertou o travessão. O Flamengo se safava. E mesmo que os rubro-negros tentassem se postar mais à frente, a desconcentração do time era gritante. As perdas de bola no meio eram padrão, com os contragolpes dos sauditas. Para sorte dos brasileiros, o Hilal não encaixava as jogadas também.

O Flamengo finalmente teve uma chance clara aos 19 minutos. Numa jogada pela direita, Matheuzinho cruzou e Gabigol cabeceou sozinho, mas mandou para fora. Logo o Al-Hilal trocou peças por ali, com o amarelado Khalifah Al-Dawsari dando espaço a Nasser Al-Dawsari na lateral esquerda. Os alviazuis teriam mais algumas chegadas logo depois, travadas na hora exata. E, aos 23, Everton Ribeiro era mais um a sair, dando lugar a Everton Cebolinha. Neste momento, o Fla sequer conseguia acertar seus contragolpes, desarmado logo na intermediária. A pressa sufocava os rubro-negros.

A situação não era ruim o suficiente que não pudesse piorar. Os problemas do Flamengo eram expressos e resultaram no terceiro gol do Al-Hilal aos 25. Pulgar saiu jogando errado e os sauditas avançaram em velocidade. Salem Al-Dawsari deu um ótimo passe por elevação e Vietto se confirmou como carrasco. O atacante dominou com muita frieza e, com o mínio espaço, soltou a paulada que bateu no travessão antes de entrar, morrendo no fundo da meta. O baque do Flamengo se tornou maior, a ponto de deixar os alviazuis girarem a posse de bola com muita facilidade depois. A esta altura, uma goleada parecia totalmente palpável. Salem e Vietto sobravam. Já se ouviam gritos de olé.

A partida se tornou protocolar nessa sequência. O Flamengo não criava. Já parecia ter desistido de qualquer tipo de reação e nem apresentava capacidade para isso na noite. Arturo Vidal entrou no lugar de Thiago Maia, mas era tarde, depois de um jogo muito ruim do volante. O risco maior era de sair o quarto gol do Al-Hilal. Os sauditas tinham muito mais escape nas transições rápidas e a defesa flamenguista sofria para afastar os perigos. Na reta final, Luciano Vietto saiu aplaudidíssimo – com todos os méritos.

Quando os seis minutos de acréscimos pintaram no relógio, enfim, o Flamengo se reavivou. Numa jogada pelo lado direito, os rubro-negros conseguiram descontar aos 46. O chute de Gabigol espirrou e Pedro estava no lugar certo para só concluir. Neste momento, o volume nas arquibancadas aumentavam com a torcida do Fla e finalmente a equipe voltava a acreditar. Entretanto, os riscos de tomar um contra-ataque permaneciam. Os flamenguistas conseguiram um ou outro cruzamento. Gabigol não pegou em cheio quando apareceu. O Al-Hilal queimou o tempo em chutões e até ganhou uma última chance do quarto, num chute de Salem Al-Dawsari que Santos pegou. Já o Flamengo insistiria até um escanteio derradeiro. Fabrício Bruno só triscou na bola e qualquer resquício de esperança acabava ali. Os rubro-negros tombavam.

É um resultado histórico para o Al-Hilal. Depois das boas atuações da Arábia Saudita na Copa do Mundo, o principal clube do país garante outro feito notável. Foram duas boas participações recentes no Mundial, em que os alviazuis deram trabalho a Flamengo e Chelsea, e desta vez os sauditas passam incontestavelmente. Já ao Flamengo, resta o desgosto e ainda uma decisão de terceiro lugar que ninguém quer disputar. Que houvesse desconfiança sobre o time pelo início da temporada, o que se viu em Tânger foi muito pior do que a encomenda. Se muita gente acreditava que era possível desbancar o Real Madrid, os rubro-negros sequer alcançaram a final. Fica o desastre de uma noite repleta de erros.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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