Entre expectativas e frustrações de um prodígio, Walcott ainda teve carreira importante
Se não virou craque, Walcott fez quase 400 jogos de Premier League, está entre os 20 maiores artilheiros do Arsenal e foi tricampeão da Copa da Inglaterra

Quando um adolescente é convocado para a Copa do Mundo, ele se junta a um grupo que conta, por exemplo, com Lionel Messi ou Ronaldo Fenômeno, nomes históricos que tiveram essa experiência. E isso gera expectativa, frequentemente injusta porque nem todo mundo chega lá. Poucos chegam lá. Quase ninguém chega lá, e Theo Walcott é a história de um que ficou pelo meio do caminho.
Não se esperava que se tornasse um craque para marcar época quando viajou à Alemanha em 2006, aos 17 anos, sem ter estreado pela Premier League, mas parecia ter potencial para ser um dos líderes da sua geração na Inglaterra, entre os principais jogadores do país, e houve momentos, escassos, em que pareceu próximo. Mas nunca explodiu de verdade, embora ainda tenha tido uma carreira importante. São poucos que passam tanto tempo em clubes grandes e disputam quase 400 partidas de Premier League como o veloz ponta que se aposentou nesta sexta-feira aos 34 anos.
Sejamos precisos: Walcott está entre os 45 jogadores que mais vezes apareceram em uma rodada da era moderna Campeonato Inglês, e isso porque as lesões foram um dos fatores que atrapalharam sua evolução. Está entre os 20 maiores artilheiros do Arsenal, com 108 gols. Defendeu a seleção 47 vezes e é tricampeão da Copa da Inglaterra, fazendo gol em uma dessas finais – e em outra, com derrota para o Chelsea. Também não são números de um jogador que não deu certo.
– A primeira vez em que calcei as chuteiras, aos 10 anos, foi o começo de uma jornada especial para mim. De jogar no parque com amigos a atuar em alguns dos maiores estádios, diante de grandes plateias ao redor do mundo. O apoio que recebi em todo esse tempo foi incrível, de todas as maneiras imagináveis, e estou muito grato. Eu compartilhei momentos em campo com tantos jogadores incríveis e criamos tantas memórias inesquecíveis. Quero agradecer todos os treinadores que tive, especialmente Harry (Redknapp), por ter me dado a primeira chance, e Arséne (Wenger) por ter confiado e me apoiando quando cheguei ao clube (Arsenal), aos 16 anos. Tive a sorte de receber propostas para continuar, mas sinto que é correto terminar onde comecei – disse Walcott.
Thank you ❤️ pic.twitter.com/A4qRFMUKr9
— Theo Walcott (@theowalcott) August 18, 2023
Como foi a carreira de Walcott?
Para chegar à Copa do Mundo aos 17 anos, o cara tem que ter feito alguma coisa antes disso. No caso de Walcott, a estreia foi em agosto de 2005, contra o Wolverhampton. Havia impressionado a comissão técnica de Redknapp em uma pré-temporada na Escócia e se tornou o jogador mais jovem da história do Southampton, aos 16 anos e 143 dias. Os Saints estavam na Championship e, na 14ª rodada, Walcott já era titular, marcando gol em três rodadas seguidas. Em janeiro, era um projeto de Arsène Wenger, contratado pelo Arsenal por cerca de € 10 milhões – na época, uma grana considerável.
Foi apenas o começo de uma longa caminhada. Ele não defendeu os Gunners naqueles primeiros meses, acompanhando de fora o vice-campeonato europeu e foi à Alemanha sem ter disputado um jogo de Premier League. Não chegou a entrar em campo. Era um momento de ruptura com os Invencíveis no norte de Londres. Patrick Vieira havia ido embora, Dennis Bergkamp se aposentara, Ashley Cole estava no Chelsea e Thierry Henry em breve iria ao Barcelona. O Arsenal precisava de novas referências, e Walcott se projetou como uma delas quando assumiu a camisa 14 de Henry, ainda como um reserva. Demoraria para começar a ter minutagem de titular.
Enquanto isso, ele ajudava como podia. Deu assistência para Adebayor nas quartas de final da Champions League de 2008 e quase eliminou o Liverpool, que acabou marcando duas vezes nos minutos finais. Meses depois, anotou um hat-trick pela Inglaterra contra a Croácia em Zagreb, o grande momento do garoto-prodígio da Copa do Mundo de 2006 pela seleção. A única grande competição em seu horizonte seria a Eurocopa de 2012, saindo do banco. Faria apenas mais cinco gols pelo time nacional.
Pelo Arsenal, progrediu. Brilhou em outra partida de quartas de final de Champions League contra o Villarreal em 2009 e foi o autor do gol do seu time na derrota para o Chelsea na final da Copa da Inglaterra daquele ano. Mas os problemas físicos começaram a ser um empecilho. Ele ainda não tinha grandes números, mas seguia conseguindo encaixar gols importantes, como contra o Barcelona em março de 2010. Passou a ser mais presente na virada da década e, depois de uma ótima segunda metade de Premier League em 2010/11, virou titular e começou a parecer o jogador que sempre prometeu.
Marcou 11 gols e deu nove assistências por todas as competições em 2011/12, começando 32 rodadas da Premier League. A temporada seguinte foi ainda melhor: 21 tentos e 14 passes diretos. Deitou em um 7 a 3 sobre o Newcastle, participando de cinco gols, com direito a um hat-trick. Estava conseguindo apresentar o refinamento que sempre seria a chave para que desse o salto. Não era mais apenas veloz, mas estava conseguindo influenciar o placar com frequência. Mostrava-se um jogador mais completo e era até testado como centroavante por Wenger. Mas aí se machucou seriamente.
Continuou com números de gente grande em 2013/14, mas uma lesão no ligamento cruzado do joelho encerrou sua temporada em janeiro. Pior: o impediu viajar ao Brasil. Nunca faria um jogo de Copa do Mundo. Ele também perderia os primeiros meses da campanha seguinte e teve uma lesão na virilha que atrasou sua recuperação, normal a quem passou tanto tempo afastado. Foi um ano para esquecer, embora tenha conseguido um dos seus grandes momentos em 2014/15, ao abrir o placar da goleada por 4 a 0 sobre o Aston Villa na final da Copa da Inglaterra.
As lesões fizeram com que desse um passo atrás, embora tenha conseguido ser um jogador de primeira linha novamente em 2016/17, quando marcou 19 vezes em 37 partidas, uma peça complementar daquele time de Wenger que tinha Mesut Özil e Alexis Sánchez em grande forma. Mas voltou a ser reserva. E dessa vez reserva de verdade. Em janeiro de 2018, o Arsenal decidiu aceitar uma proposta de £ 20 milhões do Everton e se despediu de uma das suas grandes promessas, sem que ela conseguisse mudar os rumos de um período complicado de sua história – por vários outros motivos.
Walcott ainda tinha 28 anos. Poderia ter uma prorrogação relevante na carreira, mas o projeto esportivo do Eveto não é dos mais estáveis. Em duas temporadas e meia, foi treinado por Sam Allardyce, Marco Silva e Carlo Ancelotti. Pareceu mais uma ilustração da falha estratégia de mercado praticada em Goodison Park, de pagar caro por jogadores super-valorizados, do que um bastião de experiência.
Em 2020, decidiu fazer o que antes não teve oportunidade antes: disputar a Premier League com o Southampton. Não jogou tanto assim, quase encostado em 2021/22, e é um pouco melancólico que sua carreira tenha terminado com um rebaixamento. O ciclo de Walcott começou e terminou no St. Mary's Stadium, e, no geral, não foi nem a promessa gigantesca que pareceu nos primeiros anos, e nem um veterano com dificuldades para ajudar um clube da Premier League. Foi alguma coisa entre elas.