Premier League

Os méritos de Postecoglou ao já ganhar o segundo prêmio seguido de Treinador do Mês

Postecoglou é o treinador do mês na Premier League pela segunda vez seguida e mostra seu impacto no Tottenham logo de cara

O impacto positivo de Ange Postecoglou em seus primeiros meses à frente do Tottenham é inegável. O novo treinador chegou com uma proposta diferente ao norte de Londres: não tinha o renome de seus antecessores, mas oferecia uma bem-vinda mudança de ares, com os pés no chão e uma ideia de jogo ofensiva. E a empolgação com o que faz o australiano é natural, diante do excelente rendimento dos Spurs, mesmo nos confrontos diretos contra os times do chamado “Big Six”. O Tottenham permanece invicto na liga, com seis vitórias e dois empates, na liderança da competição. Impulso inicial que concede a Postecoglou um feito inédito: foi eleito, em seu segundo mês de trabalho, pela segunda vez o Treinador do Mês da Premier League.

Receber duas vezes seguidas o prêmio de Treinador do Mês da Premier League já é um tanto quanto raro. Nas últimas dez temporadas, apenas Mikel Arteta, Pep Guardiola, Jürgen Klopp, Antonio Conte, Claudio Ranieri e Manuel Pellegrini conseguiram tal sucesso. Ainda assim, Klopp tinha sido o único a levar a honraria nos dois primeiros meses de uma temporada, quando depois se tornou campeão em 2019/20. Registrar a dobradinha em sua temporada de estreia, e exatamente nos dois primeiros meses de trabalho, é algo único alcançado por Postecoglou – e numa repetição que parece improvável a curto prazo. É este o tamanho do efeito positivo proporcionado pelo australiano em Londres.

Por enquanto, o único insucesso de Postecoglou com o Tottenham foi a eliminação diante do Fulham na Copa da Liga Inglesa, mas apenas nos pênaltis. O comandante permanece invicto até o momento na Premier League, com seis vitórias e dois empates. A lista de triunfos inclui equipes mais modestas como Luton Town, Sheffield United, Burnley e Bournemouth. Em compensação, mesmo com os repetidos desafios contra o Big Six neste início de campanha, os Spurs apresentam seu potencial. A equipe derrotou Liverpool (com todas as polêmicas, é verdade) e Manchester United, enquanto empatou no clássico com o Arsenal. Outro empate aconteceu contra o Brentford, na estreia do treinador, mas também numa boa apresentação.

O perfil totalmente distinto

Desde que perdeu o fio da meada com Mauricio Pochettino, depois de um trabalho memorável no clube, o Tottenham não conseguiu encontrar um caminho na escolha de seus treinadores. José Mourinho e Antonio Conte foram apostas grandiosas, mas com estilos de jogo que não eram exatamente os mais fiéis à história do clube e personalidades explosivas que acabaram minando o ambiente. Entre os dois, Nuno Espírito Santo foi um tiro n'água que não contou com qualquer paciência. Os últimos meses foram de totais desesperanças, em que nem os interinos se safaram. Não havia qualquer direção esportiva dentro do clube.

A chegada de Ange Postecoglou mudava a rota de vez. O Tottenham claramente fez uma aposta, num treinador de um país sem tanta tradição no futebol e com experiências limitadas em alto nível. Postecoglou até levou a Austrália à Copa do Mundo de 2014 e ao título da Copa da Ásia em 2015, após colecionar troféus na liga local por South Melbourne e Brisbane Roar. Contudo, seu reconhecimento internacional se tornou um pouco maior no Japão, quando fez o Yokohama F. Marinos campeão da J-League com um futebol propositivo. Tal noção se ampliou ainda mais no Celtic, ao retomar a hegemonia no Campeonato Escocês e quebrar recordes. Mesmo assim, talvez não fosse suficiente a um ambiente tão conturbado quanto o do Tottenham.

A conexão imediata de Postecoglou com os jogadores é uma de suas grandes virtudes nesse início de trabalho. O australiano não precisou de grife para construir uma relação imediata no elenco. Além disso, conseguiu conduzir uma renovação em que lideranças importantes saíram de cena. Além da venda de Harry Kane ao Bayern de Munique, Hugo Lloris também perdeu a titularidade. Eram dois nomes fundamentais no ciclo anterior, sobretudo com Pochettino. Até pela falta de amarras e pela terra arrasada deixada pelos antecessores, o novo comandante vai conseguindo formar um time com seus traços de trabalho. E que entra com tudo, mesmo contra os adversários mais temidos.

Segundo matéria do site The Athletic, Postecoglou realiza uma mudança na cultura interna do Tottenham, sem medo de realizar cisões e partilhar responsabilidades. Um dos passos fundamentais foi oferecer mais voz aos jogadores e funcionários. Empoderar e oferecer mais confiança para, assim, conseguir um envolvimento maior. Postecoglou também realiza um trato mais direto com todos e oferece ideias claras nas conversas. Também não é tão explosivo ou exigente nos corredores do clube, o que facilita o relacionamento. Seus próprios treinos são classificados como motivantes, sem exigir tanto desgaste dos atletas, mas sem perder a intensidade. Algo que dá resultado nas partidas.

Além do mais, a personalidade de Postecoglou recebe muitos elogios na Inglaterra. O treinador não pinta necessariamente como um revolucionário ou como um poço de carisma, vide seus colegas Pep Guardiola e Jürgen Klopp. Entretanto, suas entrevistas são bastante francas e ele se mostra afável no trato com cada um. Facilita o ambiente que constrói no norte de Londres, ainda que as impressões dependam bem mais da bola que o time joga. E é exatamente isto que faz o técnico de 58 anos levar os dois prêmios de Treinador do Mês.

A qualidade visível em campo

Um dos trunfos do Tottenham é a maneira ofensiva como o time atua. É uma equipe que possui um estilo mais intenso e de bola no chão, que rende muitos gols. Foram 18 tentos nestas oito primeiras rodadas, sendo o time que mais finalizou nesta largada da Premier League. Se por um lado os Spurs são o quadro que menos executa lançamentos na liga, por outro aparecem na terceira posição em passes curtos, jogando a maior parte do tempo no campo adversário. Outro destaque fica para as ações defensivas, como segundo time que mais desarmou no campeonato. É uma equipe que corre muito e se empenha muito para produzir muito. Facilita a ausência nas copas europeias, que permite dedicação total à Premier League e atividades mais focadas durante a semana.

No papel, o Tottenham passa longe de contar com o elenco mais aclamado da Inglaterra. Pelo contrário, existiam temores de que o nível caísse, especialmente após a venda de Harry Kane ao Bayern. No entanto, os Spurs aproveitaram o mercado de transferências para melhorar o conjunto – e isso mesmo sem contar com um diretor esportivo, após a saída de Fabio Paratici em abril, com as negociações conduzidas por John McDermott, antigo chefe das categorias de base.

O Tottenham gastou alto, com quase €250 milhões investidos, e nem mirou medalhões. Em compensação, adicionou jogadores de potencial que passaram a render de imediato. Ótimos exemplos são o goleiro Guglielmo Vicario, o lateral Destiny Udogie e o zagueiro Micky van de Ven. São três titulares absolutos, mas que não provocaram tantas manchetes quando assinaram com os londrinos. Neste momento, aparecem entre os melhores da Premier League em suas posições. Postecoglou indica ter confiança nos jovens, sem muito medo em dar espaço para que eles se firmem.

Outro trunfo de Postecoglu é a maneira como consegue fazer alguns jogadores renderem mais do que vinham fazendo pelo clube. O meio-campo é o setor mais beneficiado neste sentido. O trabalho de Yves Bissouma é excelente. Também dá para falar que Pape Matar Sarr cresceu demais, quando antes era um mero coadjuvante dentro da rotação. Isso sem contar jogadores antes valorizados e que continuam com grande contribuição, a exemplo de Cristian Romero no coração da zaga e de Dejan Kulusevski no apoio ao ataque. Mesmo a tentativa de recuperar Richarlison em outras funções merece elogios.

Contudo, há dois nomes que merecem citações especiais, um antigo e um novo. Son Heung-min assumiu o protagonismo para si e se torna uma das razões para o aproveitamento do Tottenham. Se o clube não buscou um substituto direto para Kane, o sul-coreano assumiu a responsabilidade e continuou rendendo muito como centroavante. São seis gols em cinco partidas na Premier League como homem de referência, o que lhe deu o prêmio de Jogador do Mês em setembro. Só não dá para cravar que Son é o melhor do time porque ele ganhou um baita sócio, James Maddison. A fluidez que o meia conferiu logo de cara nos Spurs é impressionante, como um maestro de capacidade técnica e chegada ao ataque. São dois gols, cinco assistências e uma infinidade de lances em que faz o futebol parecer fácil. Já tinha vencido o prêmio de Jogador do Mês em agosto.

Sonhar com o título da Premier League é uma missão duríssima, que depende de consistência. O Tottenham sabe disso como poucos, até pelas muitas frustrações dos últimos anos. Há adversários mais qualificados e também mais tarimbados em alto nível. Contudo, é preciso reconhecer e elogiar a transformação encabeçada por Postecoglou neste momento. De um clube à deriva, o Tottenham parece disposto a trazer esperanças ao seu futuro e montar um time até mais fiel à sua identidade histórica de futebol ofensivo. O que o novo treinador consegue não é pouco, e os prêmios individuais seguidos só servem de evidência a algo que pode ser ainda maior.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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