Premier League

O Liverpool se despede de Origi, o centroavante dos gols agonizantes, um predestinado a ser ídolo em Anfield

Origi chegou ao final de seu contrato com o Liverpool, após seis temporadas de poucos gols, mas tantos deles retumbantes

Para ser ídolo de uma torcida é preciso ser escolhido, não necessariamente ser o melhor. Obviamente, se um goleiro operar milagres todos os jogos ou um atacante empilhar gols, eles estarão mais próximos do coração da massa. Porém, os gramados oferecem outros atalhos para se conquistar a idolatria. Dedicação e identificação também são caminhos importantes. Mais raros são aqueles jogadores que, mesmo limitados, fazem o suficiente para se tornar inesquecíveis. Nesta categoria seleta é que Divock Origi escreveu seu nome na rica antologia do Liverpool. Era o homem certo no lugar certo, várias e várias vezes. Será um personagem aplaudido em pé a cada visita que fizer a Anfield. Ganhou esse direito por sua luz.

A despedida de Origi estava clara desde o final da temporada. Não à toa, o centroavante recebeu uma bonita homenagem em sua última partida em Anfield, contra o Wolverhampton. Os companheiros fizeram uma guarda de honra para aplaudi-lo, o clube ofereceu uma placa especial e a torcida até levou uma faixa que dizia: “Futebol sem Origi não é nada”. Já nesta quinta, o Liverpool oficializou o adeus através de suas redes sociais, com uma série de outros tributos que chamavam o talismã de “lenda”.

Origi teve uma passagem razoavelmente longa pelo Liverpool. O centroavante chegou como aposta em 2014, por €12,6 milhões, embora tenha permanecido emprestado por uma temporada ao Lille antes de se juntar ao elenco. Os Reds confiavam numa promessa que, aos 19 anos, já tinha decidido partida de Copa do Mundo pela Bélgica após ser convocado de última hora ao torneio. Seria exatamente como um predestinado que o novato funcionaria em Anfield, não exatamente como o dono absoluto do comando do ataque.

Origi não jogou tanto em sua primeira temporada pelo Liverpool, em 2015/16. Teve problemas de lesão e permaneceu como reserva de Daniel Sturridge na maior parte do tempo. No entanto, um de seus cinco gols naquela Premier League inaugural aconteceu no clássico contra o Everton. Era um sinal. Já na segunda temporada, em 2016/17, o centroavante teve seu maior espaço no clube, sem corresponder tanto. Foram 11 gols em 43 partidas por todas as competições. De novo, os torcedores precisavam se apegar mais aos feitos do que aos dados. O belga foi um dos heróis no maluco duelo com o Borussia Dortmund pelas quartas de final da Liga Europa.

Em 2017/18, Origi deixou brevemente o Liverpool. Defendeu o Wolfsburg, emprestado por uma temporada, e seu números não convenceram. O ápice viria exatamente por ajudar a livrar os Lobos do rebaixamento. Foi só no retorno a Anfield que os Reds compreenderam o caráter de Origi como talismã decisivo, não como uma grande fonte de gols. Até tentaram vendê-lo naquela janela de transferências, mas, sem uma oferta vantajosa na mesa, redescobriram o centroavante. Então, ele realmente se eternizou como ídolo. Deixou para trás a rejeição da torcida. Tinha sua dose de capacidade ofensiva e de oportunismo, mas para ser usada sob medida, em momentos pontuais. Alguns dos maiores possíveis.

Origi é o homem que recolocou o Liverpool no topo da Champions League em 2018/19. Sua participação na histórica reviravolta contra o Barcelona em Anfield é providencial, ao substituir o lesionado Roberto Firmino no time titular e cravar dois gols fundamentais ao milagre – em especial, aquele na cobrança de escanteio matreira de Trent Alexander-Arnold. Foi um feixe de luz em meio a tudo que se transformou aos Reds. Não poderia sair daquela campanha sem o gol na decisão, aquele que fechou o triunfo sobre o Tottenham. Depois disso, só marcou mais um gol em 17 partidas pela competição continental, com brilhos esparsos.

Já na Premier League, a história de Origi seria ditada pelos gols no dérbi contra o Everton e em partidas amarradas que eram importantes às ambições do time – por vezes, também contra os próprios Toffees. Alguns desses tentos contra os rivais foram inesquecíveis, como aquele chorado aos 51 do segundo tempo em 2018/19 ou os dois nos 5 a 2 da campanha do título em 2019/20. Outras apoteoses aconteceram contra Newcastle, Wolverhampton, West Brom e mais oponentes sem tanto peso, mas que surgiam como barreiras às pretensões do Liverpool. Não à toa, seu último gol pelos Reds juntou tudo num bolo só: aconteceu no clássico de abril de 2022, quando destrancou o ferrolho do Everton e permitiu aos Reds seguirem sonhando com o troféu da liga. Por mais que a taça não tenha vindo, o reconhecimento da torcida permanece, especialmente num dérbi.

A última temporada de Origi pelo Liverpool seria atrapalhada também pelas lesões. Disputou apenas 18 partidas, com seis gols marcados. Nestas seis temporadas completas pelos Reds, o belga acumulou 175 jogos e balançou as redes 41 vezes. Teve uma média de 40 minutos em campo a cada aparição e de um gol a cada 169 minutos. O importante não é a quantidade, mas sim o peso. E noites como aquela contra o Barcelona é que constroem a mística de um clube como o Liverpool. Origi é parte fundamental para se contar essa história e, até por isso, continuará adorado em Anfield muito além dessa despedida.

Sem contrato, Origi deve assinar com outro clube de tradição. O Milan deverá ser o seu destino na próxima temporada – onde de novo servirá como talismã na rotação com Olivier Giroud e o lesionado Zlatan Ibrahimovic. Aos 27 anos, o belga segue com um bom tempo de carreira pela frente, para experimentar outras realidades e quem sabe até desabrochar como titular. Mas, mesmo tão jovem, ele já conquistou a eternidade. Sua idolatria se preservará em Anfield por muito tempo.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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