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Liverpool e Tottenham entrelaçaram caos para produzir um jogaço de cinema: o 4×3 que Diogo Jota resolveu quando tudo desabava

Três gols do Liverpool em 15 minutos, a reação do Tottenham com o empate aos 48 do segundo tempo e, por fim, o gol da vitória dos Reds com Diogo Jota logo depois - sim, foi um dos maiores jogos da história da Premier League

O roteiro de pesadelos de Liverpool e Tottenham na temporada é conhecido. Dois times que atravessam fases abaixo de seus potenciais repetem erros à exaustão. O maior trauma dos Reds aconteceu na virada do Real Madrid, quando o time parecia ter a vitória nas mãos e derreteu. Já o pesadelo dos Spurs foi maior do que nunca na surra instantânea sofrida contra o Newcastle. Neste domingo, as histórias se entrelaçaram para um dos maiores jogos da história recente da Premier League – porque não há outra definição mais condizente para os 4 a 3 do Liverpool em Anfield, num jogo que misturou reviravoltas e o clímax no último ano. Foi um resumo do caos compartilhado pelos oponentes, mas no qual Jürgen Klopp riu por último. Os Reds abriram três gols de vantagem em 15 minutos e pareciam capazes de mais, tal qual o Newcastle. Só que se desligaram, como se os londrinos também fossem madrilenos. E os Spurs aproveitaram, para descontar, meter três bolas na trave, descontar de novo, pedir pênaltis e finalmente empatar com um gol épico de Richarlison aos 48 do segundo tempo. O marcador de 3 a 3 elevava a potência da ressurreição do Tottenham contra o Manchester United dias antes. Mas acabou enterrado pelo gol apoteótico de Diogo Jota aos 49, o da vitória e da vida ao Liverpool, que passa à frente na tabela e ainda se agarra às últimas esperanças em busca da Champions.

O Liverpool vinha empurrado pelo ambiente em Anfield desde cedo. E, de novo muito desligado, o Tottenham sofreu com a fúria de seu adversário. A saraivada de gols que abriu o roteiro caótico começou aos três minuto, conduzida por Trent Alexander-Arnold na faixa central. O inglês se combinou com Mohamed Salah e descolou um cruzamento milimétrico, para Curtis Jones completar no segundo pau e balançar as redes. Os Spurs estavam nas cordas e os Reds continuaram surrando. Três minutos depois, aos seis, o placar estava dobrado. A pressão alta funcionou, agora com Salah atuando como garçom. O egípcio deu uma enfiada ótima, para Cody Gakpo escapar na linha de fundo. O holandês recuou o passe e encontrou Luis Díaz, para a definição dentro da área. O pesadelo se repetia aos londrinos.

E não que o Liverpool tenha precisado fazer muito mais para marcar o terceiro, ao ganhar um pênalti. Alexander-Arnold apareceu bem por dentro na construção, num lance de insistência que valeu uma falta clara de Cristian Romero sobre Gakpo dentro da área – a tarde do argentino até então era desastrosa. Salah voltou à marca da cal e desta vez preferiu bater no meio, se refazendo dos erros recentes. Com 15 minutos, os Reds mostravam que a traulitada do Newcastle não tinha sido apenas culpa de Cristian Stellini, o antigo interino demitido. A falta de atenção e de encaixe defensivo dos Spurs se repetia com Ryan Mason. O time só melhorou quando adiantou a pressão e empurrou os anfitriões para trás.

Os minutos seguintes ainda foram cautelosos para o Tottenham. Salah teve uma batida perigosa para fora, enquanto Eric Dier quase entregou o ouro para Luis Díaz. Só depois dos 30 é que os Spurs melhoraram e passaram a acreditar mais numa reação, a começar por um passe de Harry Kane que Son Heung-min não completou por pouco. Era o primeiro aviso, pouco antes de Harvey Elliott cabecear para fora do outro lado. A reta final do primeiro tempo, contudo, foi de pane ao Liverpool. E os Spurs exploraram bem, especialmente ao se safarem da possível expulsão de Oliver Skipp por uma entrada por cima em Luis Díaz.

O Liverpool começava a entregar a bola rápido demais para o Tottenham na saída. O desconto começava a se esboçar. Numa conexão de Harry Kane com Son, a bola passou por Alisson, mas Virgil van Dijk conseguiu afastar na hora exata. O problema é que o zagueiro seria engolido no tento dos Spurs, aos 39 minutos. Ivan Perisic partiu no contragolpe e fez o que quis com Van Dijk, num corte seco que o deixou sem rumo. Centrou a bola para a definição de Kane nas redes, igualando Wayne Rooney como segundo maior artilheiro da história da Premier League. E a diferença poderia ser menor antes do intervalo. Dejan Kulusevski ficou sozinho com Alisson, que cresceu para cima do adversário e salvou no mano a mano. Logo depois, Son mandou um tiro colocado na trave de Alisson, em lance que acabaria anulado por impedimento. Mas era necessário aos Reds acordarem.

O segundo tempo viu o Liverpool um pouco melhor. Mais atento com a bola e com uma postura ligeiramente melhor para evitar a sangria. Mas bastou uma chegada do Tottenham para o sufoco retornar a Anfield. Aos nove minutos, os londrinos promoveram um festival de bolas nas traves. Son foi o primeiro a testar, numa batida que pegou na base do poste. Depois seria a vez de Romero, acionado por um ótimo lançamento de Kane. O argentino acertou uma acrobacia na bola e também parou na trave. E a presença de Alisson seria essencial nesta sequência, aos 12, numa pancada de Pedro Porro que o arqueiro desviou para fora.

O Liverpool precisava de mudanças, o que houve com as entradas de Jordan Henderson e Diogo Jota. Quase o português fez a diferença em sua primeira participação, num desvio de cabeça que pegou do lado de fora da rede. Por um momento, os Reds conseguiram acalmar um pouco mais a partida e controlar mais os passes no meio-campo. Mas, de novo, o Tottenham não necessitava de muitas chances para causar problemas aos Reds. O gol que incendiou o jogo de vez aconteceu aos 32 minutos, num contragolpe. Romero deu uma senhora enfiada de bola para Son, que partiu em velocidade no meio da desmontada zaga adversária e definiu na saída de Alisson. Os londrinos estavam mais vivos do que nunca.

A pressão era toda do Tottenham, e os Spurs estavam insatisfeitos com a arbitragem. Tinham reclamações de pênalti e também de um cartão vermelho para Diogo Jota, por uma disputa com o pé alto que acertou a cabeça de Oliver Skipp e fez o volante deixar o campo. Entrou Richarlison. E a participação do centroavante daria mais vigor ao abafa dos Spurs no jogo aéreo. Um dos penais cobrados pelos londrinos veio num lance com o brasileiro. A equipe visitante bombava a bola na área do Liverpool, em busca de um lance vadio. Arnaut Danjuma e Lucas Moura davam ainda mais agressividade. Até que o gol do dramático, do desenhado empate, surgisse aos 48. Falta lateral cobrada por Son, que encontrou justamente Richarlison na área. O atacante deu um desvio levíssimo, suficiente para encobrir Alisson e render uma comemoração efusiva. Não era para menos, especialmente a quem esperou tanto pelo primeiro gol com os Spurs na Premier League.

Só que o Tottenham não podia se desligar. Se o começo do jogo tinha sido cruel com os londrinos, o final foi muito pior. A reação não serviu absolutamente para nada, porque o Liverpool conseguiu arrancar a vitória agonizante aos 49, logo na saída de bola. Foi uma falha clamorosa de Lucas Moura, que deu um passe para trás após a reposição longa de Alisson e serviu uma assistência para Diogo Jota. O atacante invadiu a área com muito espaço, sem nenhum impedimento, e bateu na saída de Fraser Forster. Ocorria uma completa explosão em Anfield. A montanha-russa dos Reds terminava com um pico de adrenalina, que alimenta as ambições para o fim da Premier League. O clube buscou uma vitória para ser relembrada por muito, muito tempo, por todas as circunstâncias insanas.

O Liverpool toma a quinta colocação da Premier League. Passa Tottenham e também Aston Villa para entrar na zona da Liga Europa. Os 56 pontos não concedem uma vantagem tão grande contra os 54 de Spurs e de Villans, mas os Reds seguem com uma partida a menos. Quem ameaça um pouco mais é o Brighton, com 52 pontos e dois jogos a menos que o time de Jürgen Klopp. Resta saber se ainda há tempo para tentar uma reviravolta pela Champions League, com o Manchester United sete pontos à frente e um jogo a menos. Se por um lado o Liverpool se permite acreditar, o Tottenham sabe que jogou pelo ralo mais uma chance. Essa derrota abala o moral, porque pouco adiantou tamanho esforço, por culpa de um erro infantil.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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