Guia da Premier League 2020/21 – Leeds: O Rei do Norte
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Cidade: Leeds
Estádio: Ellan Road (37.890)
Técnico: Marcelo Bielsa
Posição em 2019/20: Campeão da Championship
Projeção: Metade da tabela
Principais contratações: Rodrigo (Valencia-ESP), Hélder Costa (Wolverhampton), Robin Koch (Freiburg), Illan Meslier (Lorient-FRA), Joe Gelhardt (Wigan), Cody Drameh (Fulham), Jack Harrison (Manchester City)
Principais saídas: Laurens de Bock (Zulte Waregem-BEL), Ben White (Brighton), Will Huffer (sem clube), Gaetano Berardi (sem clube)
O Exército dos Mortos se aproximava de Winterfell, todas as casas nobres se reuniram para tentar salvar o mundo dos vivos, e o primeiro grande mistério da oitava e última temporada de Game of Thrones era a identidade do herói que derrotaria o Rei da Noite. Em entrevista a um talk-show, Jaime Lannister, não satisfeito em ser um regicida, deu spoiler: “Sabe que tem uma teoria de que o escolhido aparecerá para salvar o dia? E todo mundo pensa que é Jon Snow. Mas também há um homem chamado Bielsa, que é um cara que chega e magicamente transforma o mundo para o bem. Quando tudo está perdido, ele magicamente transformará o Norte neste lindo paraíso”.
O ator dinamarquês Nikolaj Coster-Waldau, intérprete de Jaime Lannister na série, deu essa declaração em abril do ano passado. Faltavam cinco rodadas, o Leeds ocupava o segundo lugar. Não há a menor evidência de que o norte da Inglaterra tenha se tornado um lindo paraíso e, quanto a transformar o mundo para o bem, hoje em dia comprar pão exige uma operação de guerra. O Leeds, após a proclamação do ator, ganhou apenas uma rodada da Championship, caiu para os playoffs e foi eliminado pelo Derby County. Jaime Lannister estava errado. Jaime Lannister esteve errado várias vezes. Mas, desta vez, errou apenas o cronograma. Bielsa precisava de mais um ano para virar herói.
O Leeds, time do coração de Coster-Waldau, caso ainda não tenha ficado muito claro, é um clube orgulhoso, e com motivo. Teve um período de ouro na metade do século passado. Conquistou o Campeonato Inglês, sob o comando de Don Revie, depois chegou à final da Copa dos Campeões. Tinha um estilo de jogo duro, para muitos, sujo, que o definiu e gerou antipatia, da qual sua torcida, uma das mais passionais da Inglaterra, se alimentava, sempre disposta a assumir o papel de antagonista. Por vezes, com violência, entre o auge do hooliganismo. Pois é. O Leeds era, em certos aspectos, a Casa Lannister do futebol inglês.
Gastos excessivos cerca de 20 anos atrás jogaram o Leeds em uma crise financeira que o retirou da Premier League e o relegou à irrelevância. Chegou à terceira divisão antes de passar a vagar pelo meio da tabela da Championship, meio como um corpo sem alma, se agarrando ao passado, na falta de um bom futebol no presente. Em sete temporadas, havia ido além do 13º lugar apenas uma vez.
E, então, Bielsa chegou, e de repente o Leeds foi catapultado, na base das ideias e da determinação, sem a necessidade de grandes investimentos. Passou 33 das 46 rodadas em posição de acesso direto à Premier League. A queda na reta final doeu profundamente, mas era parte do processo. Bielsa acredita em processos. E acredita que o futebol, além de vencer ou perder, precisa causar emoções, distrair as pessoas do tédio da vida cotidiana.
Não foi uma tarefa das mais simples convencê-lo a renovar o seu contrato. Suas listas de exigências para assinar qualquer coisa costumam ser tão extensas quanto seu conhecimento do jogo. Demanda muito também de seus jogadores, nos campos de treinamento e nas mesas de almoço. Questionado sobre do que mais sentia falta da sua dieta pré-Bielsa, Luke Ayling respondeu: “De comida”. Mas eventualmente Bielsa aceitou fazer mais uma tentativa. Sem grandes mudanças no elenco, apenas com uma ideia de jogo mais refinada, conquistou o acesso com antecedência e foi campeão da Championship. Percorreu o trajeto à idolatria em Leeds, independente do que faça na Premier League.
Essa é a pergunta que talvez tenha mais respostas em potencial antes da próxima edição da competição. Também a mais fascinante. Brigar pelo título seria exagerado, mas, de resto, pode acontecer qualquer coisa. Pode se tornar uma potência do segundo patamar como o Wolverhampton, fazer uma campanha extremamente sólida como o Sheffield United, correr riscos excessivos o campeonato inteiro e se salvar no fim como o West Ham ou até brigar com alguém na quarta rodada, pedir demissão e assistir do seu sofá em Rosario a um novo rebaixamento. A própria renovação para disputar a Premier League se arrastou e foi confirmada apenas na última quinta-feira. O bom do Bielsismo é que ele tem uma ampla gama de camadas, algumas até trágicas, mas mesmo essas costumam ser divertidas.
Não há muito no que se basear. A última temporada completa de Bielsa em uma primeira divisão, pelo Olympique Marseille, foi boa, mas não se estendeu e tem cinco anos. Antes daquele quarto lugar na França, ficou duas vezes no meio da tabela na Espanha com o Athletic Bilbao, meta realista para o atual momento do Leeds, e teve sucesso na Liga Europa e na Copa do Rei. Do país ibérico, inclusive, chega o principal reforço para a próxima temporada até agora. Parte do diagnóstico das falhas da sua primeira temporada foi que era necessário finalizar melhor. Isso não aconteceu com Patrick Bamford no comando de ataque, mas talvez aconteça com Rodrigo, reforço de € 30 milhões, o mais caro do clube, superando Rio Ferdinand, contratado do West Ham, em 2000, por € 26 milhões.
O Leeds queria porque queria Ben White. Fez três propostas para contratá-lo em definitivo, após ele ter contribuído decisivamente para o acesso em uma temporada emprestado, mas o Brighton bateu o pé. O plano B para ser parceiro de zaga de Liam Cooper foi Robert Koch, do Freiburg. Luke Ayling é o lateral direito, Stuart Dallas, o esquerdo. O meio-campo começa com o excelente Kalvin Phillips, apelidado pela torcida de “Pirlo de Yorkshire” pela maneira como comanda a cabeça da área com passes apurados e agressividade. Acabou de estrear pela seleção inglesa no empate por 0 a 0 contra a Dinamarca, pela Liga das Nações.
O setor segue com o polonês Mateusz Klich e, sempre que possível, o espanhol Pablo Hernández, o passador mais refinado do time, essencial para ditar o ritmo da troca de passes do Leeds que encantou a segunda divisão inglesa. No entanto, as exigências físicas do estilo de muita movimentação e pressão de Bielsa impedem que ele, aos 34 anos, continue atuando todas as semanas. Participou de 36 das 46 rodadas da Championship, titular em 27.
O ataque tem Jack Harrison, novamente emprestado pelo Manchester City, Hélder Costa, confirmado do Wolverhampton após um empréstimo, e Bamford, artilheiro da equipe com 16 gols, mas que deve perder espaço para Rodrigo. Os outros reforços foram jovens, em princípio para as categorias de base, com destaque para Sam Greenwood, revelação de 18 anos da academia do Arsenal e com bastante brilho nos torneios sub-17.
Sem querer estender a metáfora de Game of Thrones mais do que já estendi, Bielsa chega à Premier League como aquele espadachim veterano que precisará enfrentar alguns dos seus pupilos. Terá que provar que além de dominar a sua arte ainda tem vitalidade para executá-la regularmente no mais alto nível. Um bom indício foi o duelo contra o Arsenal na Copa da Inglaterra. Perdeu, mas fez páreo duro. Além de Mikel Arteta, Bielsa teve encontros com outros nove treinadores que enfrentará – a menos que um deles seja demitido antes – na próxima Premier League.
Trocou vitórias com Scott Parker (Fulham) e Chris Wilder (Sheffield United). Levou vantagem contra Dean Smith (Aston Villa), Graham Potter (Brighton), Slaven Bilic (West Brom) e Steve Bruce (Newcastle). Todos esses entre um ou três jogos na segunda divisão inglesa. Sua maior superioridade é contra Frank Lampard (Chelsea), com três vitórias e uma derrota, mas foi justamente essa derrota que impediu o acesso do Leeds ano passado. Não ganhou nenhum dos três jogos que fez contra Pep Guardiola. Perdeu todos os quatro contra José Mourinho.
No último degrau da estátua de Billy Bremmer, em Elland Road, há a frase: “O time antes de si mesmo, sempre”. Bielsa compartilha do lema do Leeds. O coletivo é sempre o mais importante, e quem não quiser se adequar ao que ele considera necessário está fora. A exigência é alta, tanto física quanto mental, e aconteceu de seus times perderem rendimento na reta final das temporadas. Na Premier League, isso pode ser fatal. De qualquer maneira, Bielsa está prestes a guiar o Leeds e uma incrível jornada. Vida longa ao Rei do Norte.