Adeus, 007: Antes do cinema, Sean Connery recusou uma oferta de Matt Busby para jogar no Manchester United
Dr. No, Auric Goldfinger, Ernst Stavro Blofeld, Emilio Largo ou qualquer outro vilão não foi capaz de vencer James Bond. Neste sábado, porém, o mundo se despede de Sean Connery – o homem que incorporou o agente secreto pela primeira vez nas telonas e se tornou o mais famoso de todos os 007. Aos 90 anos, o escocês faleceu durante a última madrugada, depois de “passar algum tempo doente” – segundo seu filho, em entrevista à BBC. Deixou um legado imenso, sobretudo por seus inúmeros papéis inesquecíveis no cinema, muito além do James Bond original.
Para homenagear Sean Connery, resgatamos um texto de 2015, publicado aqui na Trivela. Mais do que um apaixonado por futebol, afinal, o ator quase tentou carreira profissional nos gramados. E não teria um início qualquer, aprovado pelo gigantesco Matt Busby, que construía a força do Manchester United no início da década de 1950. Confira:
*****
James Bond, William de Baskerville, Rei Arthur, Allan Quartermain, Professor Henry Jones, Capitão Marko Ramius, Robin Hood. Não dá para interpretar tantos personagens lendários do cinema sem ser uma verdadeira lenda. Sean Connery é um monstro das telonas. Quis a Academia que o 007 mais famoso só ganhasse um Oscar, de ator coadjuvante: como o veterano policial Jim Malone em Os Intocáveis, num papel verdadeiramente fantástico. Sua real importância para o cinema, de qualquer forma, é muito maior que essa estatueta. E pensar que, por causa do futebol, o escocês poderia nunca ter sido ator. Contudo, não se tornaria um jogador qualquer: Connery teve a chance de ser um Busby Babe no Manchester United, mas escolheu outro caminho.
Quem contava essa história era o próprio Connery. Durante a juventude, o escocês tinha qualidade no trato com a bola. Tanto que defendeu equipes amadoras do sul de seu país, como o Bonnyrigg Rose, famoso por suas categorias de base. Aos 21 anos, o ponta direita chegou a ser convidado para um teste no East Fife, a terceira força do Campeonato Escocês no início dos anos 1950. Mas naquela época já começava a ser fisgado pelo teatro. Entrou para o elenco do musical South Pacific, de muito sucesso no Reino Unido. Até que, durante a turnê pela ilha, disputou ao lado dos atores da peça um amistoso em Manchester. Acabou observado por Matt Busby, técnico do Manchester United.
Busby se impressionou com a capacidade física de Connery e logo lhe ofereceu um teste. Caso passasse, assinaria contrato de £25 semanais (o dobro do que ganhava no musical) para se mudar a Old Trafford naquele 1953. Depois de seguidos vices, o United voltou a conquistar o Campeonato Inglês em 1951/52, encerrando um jejum de 41 anos na liga. Também havia faturado a Copa da Inglaterra pouco antes, em 1947/48. “Sean bateu no meu camarim e estava muito empolgado, porque jogara futebol por 15 anos e sabia que era bom. Ele mal podia falar, de tão eufórico que estava, repetindo de novo e de novo a importância do United, e o privilégio disso. Eu o ouvi e o lembrei de que, se podia interpretar Tolstoy, também conseguiria grandes filmes no futuro”, afirma Robert Henderson, colega do escocês no musical.
Apesar do momento glorioso dos Red Devils, Connery declinou a chance dada por Busby. Aos 23 anos, viu mais futuro na carreira como ator. “Eu realmente queria aceitar, porque eu sempre amei o futebol. Mas parei para pensar e perguntei a mim mesmo qual a duração da carreira de um futebolista. Quando um jogador de primeiro nível chega aos 30 anos, ele está no meio do caminho. Então, eu decidi ser ator, porque era algo que duraria, e eu me divertia. Eu não tinha experiência, mas foi uma das decisões mais inteligentes da minha vida”, declarou em 1965, em entrevista à Playboy.
A estreia de Sean Connery no cinema aconteceu um ano depois, em 1954, com o filme Lilacs in the Spring. Tornou-se protagonista pela primeira vez em 1957, quando o Busby conquistava o seu terceiro Campeonato Inglês pelo Manchester United, o último antes do desastre aéreo de Munique. Em 1962, o astro viveu pela primeira vez James Bond, enfrentando o Doutor No. E já tinha filmado cinco filmes da franquia quando os Red Devils finalmente conquistaram pela primeira vez a Copa dos Campeões, em 1968, liderados por Bobby Charlton, Denis Law e George Best.
Mesmo longe dos gramados, Connery seguiu jogando as suas peladas. E também torcendo, inclusive virando a casa. “O futebol foi uma grande paixão minha desde a infância. Meu pai me incentivou a torcer pelo Celtic. Eu mantive meu amor pelo esporte, embora tenha me afastado enquanto estava muito ocupado com os filmes. Voltei e até me envolvi de novo com o Celtic, ajudando em um jogo beneficente de Jock Stein”, contou ao jornal Daily Record, em 2008. “Mas mudei minha lealdade com David Murray, então presidente do Rangers. Somos bons amigos e, agora, vão cuspir em mim se eu for ao Celtic Park”.
Quando completou 80 anos, o astro admitiu que continuava batendo bola com seu neto, assim como era viciado em assistir futebol na TV. Cinco anos antes, havia dado o pontapé inicial de um amistoso no Camp Nou, posando ao lado de Ronaldinho. Guardou a paixão sem grandes ressentimentos por não cumprir seu sonho de infância. Afinal, se fosse para Old Trafford, o mais provável é que se tornasse um coadjuvante sem nem direito a Oscar. Melhor mesmo ter escolhido os palcos e as telas, eternizado com um dos maiores símbolos do cinema. James Bond nunca seria o que é sem Sean Connery.
Abaixo, para quem quiser conferir, um trecho da grande contribuição de Sean Connery para o cinema boleiro: o escocês narrou o documentário oficial sobre a Copa do Mundo de 1982.