Ligue 1

No Lille que desafia a supremacia do PSG, Yilmaz brilha em oportunidade tardia em uma grande liga europeia

Perto de completar 36 anos, o centroavante faz primeira temporada de grande sucesso na Ligue 1 como líder interno dos Dogues

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Foi só com mais de 35 anos que Burak Yilmaz enfim ganhou sua primeira chance em uma das cinco grandes ligas europeias. Com seu desempenho destacável logo na primeira temporada na Lille guerreiro que desafia a supremacia do Paris Saint-Germain na Ligue 1 e que – apesar da briga feroz, com apenas um ponto de vantagem para os parisienses – está teoricamente a três jogos de levar o título local, no que seria uma das grandes histórias desta temporada europeia.

Mesmo sem uma carreira de prestígio fora da Turquia, Yilmaz conseguiu se tornar um grande personagem do futebol local por seus êxitos dentro do país. Figura complexa, o centroavante dificilmente deixa indiferente o turco apaixonado por futebol. Passou pelos três maiores clubes do país, Besiktas, Fenerbahçe e Galatasaray, com diferentes níveis de sucesso, e embora seus gols tenham conquistado o coração de milhões de torcedores, suas passagens por rivais incomodoram também um grande número de fanáticos.

Após seus primeiros anos de carreira no Antalyaspor, foi contratado pelo Besiktas em 2006 e defendeu o clube por um ano e meio. Depois de meia temporada no Manisaspor, rumou para o Fenerbahçe em 2008, onde não conseguiu se firmar. A partir de 2010, enfim, começou a fazer sua carreira decolar. Pelo Trabzonspor, desandou a fazer gols, acumulando 55 tentos em 79 jogos ao longo de duas temporadas, sendo o maior artilheiro da liga turca em 2011/12, temporada em que o clube terminou como vice-campeão turco após brigar palmo a palmo com o Fenerbahçe pelo título. O rendimento o levou de volta a Istambul, desta vez para defender o Galatasaray, em que também terminou como maior goleador do campeonato local logo em sua primeira campanha.

Ao longo de quatro anos no Gala, um deles formando dupla de sucesso com Didier Drogba, Yilmaz marcou 82 gols e se confirmou na condição de um dos principais destaques do futebol nacional. Seu sucesso no clube rompeu mesmo as fronteiras da Turquia, quando o centroavante ajudou o Galatasaray a alcançar as quartas de final da Champions League em 2012/13, terminando como terceiro maior artilheiro da edição, com oito gols marcados, atrás apenas de Lewandowski (10) e Cristiano Ronaldo (12).

Após passar uma temporada no futebol chinês, defendendo o Beijing Guoan em 2016/17, Yilmaz retornou ao futebol turco em 2017, brilhando pelo Trabzonspor, e passou mais dois anos, entre 2018 e 2020, em seu país, atuando pelo Besiktas.

Com tantas idas e vindas entre os maiores clubes do país, defendendo um rival antes de vestir as cores de outro, é natural que Yilmaz tenha acumulado com o tempo muitos detratores. Os torcedores do Fenerbahçe passaram a detestá-lo após o centroavante ser contratado pelo Galatasaray, onde teve que conquistar o apreço dos adeptos após um cisma inicial. No Besiktas, em sua segunda passagem, já em 2018, também foi mal recebido por ter jogado nos rivais após uma primeira passagem pelos alvinegros lá no início de sua carreira. Porém, lá, como no Galatasaray, conquistou a parte da torcida que era crítica à sua figura com gols e grandes atuações.

Sua característica de figura divisiva, que ganhou contornos extracampo com as demonstrações de apoio ao presidente turco Recep Tayyip Erdogan nos últimos anos, é um ingrediente a mais para entender o seu tamanho na Turquia ao constatarmos que, apesar de todas essas nuances, o centroavante se tornou apenas o terceiro jogador do futebol turco a ser chamado de “Kral”, ou “o rei”, sucedendo Tanju Çolak, lenda do Galatasaray e do Fenerbahçe nos anos 1990, e Hakan Sükür, maior artilheiro da história da seleção.

Com um histórico tão notável no futebol turco e a demonstração comprovada de sua capacidade de balançar as redes, é impossível não se perguntar por que Burak Yilmaz não teve mais cedo sua primeira aventura europeia fora da Turquia. A verdade é que o centroavante, apaixonado por seu país, sempre se sentiu bem permanecendo em casa. À exceção de uma temporada em que foi atraído pelo projeto financeiro de jogar na China, passou toda a carreira no país-natal. Mesmo em seu melhor momento, quando atraiu olhares de clubes das cinco grandes ligas com a performance notável na Champions League de 2012/13, o jogador preferiu permanecer na Turquia.

O que mudou então para que Yilmaz tenha decidido só aos 35 anos se aventurar em outra liga europeia? Conforme revelou seu empresário, Hassan Torun, à rádio francesa RMC recentemente, uma convergência de circunstâncias foi o que possibilitou a transferência para o Lille no ano passado.

Então diretor esportivo do Lille, Luis Campos se viu pego de surpresa pelo fracasso nas negociações pela renovação de contrato do atacante Loïc Rémy. Procurando um atacante experiente para preencher a lacuna, chegou a Yilmaz por intermédio de Torun, passando dez dias em Istambul com o empresário a fim de convencer o centroavante.

“Burak realmente veio ao Lille por causa do Luis Campos e do projeto que ele lhe apresentou. Ele gostou do que foi dito, o Campos é muito forte”, relembra Torun. Ibrahim Alci, presidente da associação franco-turca do norte da França, que ficou próximo do jogador desde sua chegada à Lille, confirma isso, em entrevista ao site francês 20 Minutes: “Campos foi o gatilho. Ele o persuadiu do papel importante que ele poderia ter no Lille com sua agressividade e sua aura. E o Burak fixou um último objetivo em sua carreira ao tentar ter sucesso em um clube estrangeiro”.

Fator também importante na decisão do centroavante, a presença de dois turcos no clube, Zeki Çelik e Yusuf Yazici, facilitou a escolha, com o atacante sabendo que encontraria uma turma com que pudesse se identificar dentro do elenco. O relacionamento com os dois ajuda também a explicar o sucesso imediato do veterano na França. O extracampo pesa no desempenho dos atletas, e Yilmaz tem nos conterrâneos uma rede de apoio importante. Quando não estão em campo ou nos treinamentos, o trio se encontra duas vezes por semana na casa do centroavante para jantar e espairecer.

O casamento entre clube e jogador, claramente, não poderia ter sido melhor, e o resultado disso se vê no gramado. Mesmo sofrendo de uma lesão que o tirou de campo por dois meses, Yilmaz vive grande temporada de estreia nos Dogues, com 13 gols em 25 jogos na Ligue 1 (15 no total, levando em consideração outras competições). Mais do que o número positivo, seu desempenho nesta reta final de temporada, marcando gols decisivos no momento em que a corrida pelo título aperta, tem aumentado a mística em torno do “Rei Burak”.

Na rodada retrasada, diante do Lyon, Yilmaz liderou o Lille em uma virada impressionante contra o Lyon, então ainda um concorrente ao título. Depois de o OL abrir 2 a 0 no primeiro tempo, o turco puxou a responsabilidade para si no segundo tempo e conduziu sua equipe à vitória com dois gols e uma assistência no triunfo por 3 a 2. Na rodada seguinte, com o Lille pressionado por uma vitória após o PSG vencer contra o Lens, Yilmaz mais uma vez foi às redes, abrindo o triunfo por 2 a 0 sobre o Nice que manteve os Dogues numa briga que agora parece estar apenas entre o time do norte da França e os parisienses.

Por seu exemplo técnico, mas também de atitude, Yilmaz se transformou em uma referência no Lille. Os jogadores mais jovens o chamam de “irmão mais velho”, enquanto o técnico Christophe Galtier exalta o exemplo de “agressividade positiva” que o atacante dá aos companheiros que estão vivendo apenas seu início de carreira, acrescentando que o veterano “une a equipe com sua determinação e experiência”.

O sucesso de Yilmaz na França não passa batido na Turquia, e, mesmo em um momento de tensão diplomática relativamente recente entre os dois países, o Lille ganhou uma torcida extra em sua briga pela Ligue 1. “Nós, turcos, somos muito solidários quando um jogador parte para o exterior. Nós o apoiamos independentemente do que aconteça, especialmente quando existem dúvidas de seu sucesso no exterior aos 35 anos”, explicou Atakan Anil, especialista em futebol turco ao 20 Minutes.

Esta torcida conta com o apoio oficial do treinador da seleção turca, Senol Günes. “O Lille está na corrida pelo título como outras equipes. Porém, como nossos jogadores (Yilmaz, Çelik e Yazici) estão lá, os fãs de futebol turco como eu acompanham as partidas, assistimos a elas com orgulho”, contou o selecionador ao veículo turco DHA.

Com o momento a seu favor, independentemente de conquistar ou não a Ligue 1, Yilmaz deverá ter em breve uma chance de novamente brilhar a nível continental e relembrar os fãs de sua campanha marcante na Champions League de 2012/13. O centroavante deverá defender o Lille na Liga dos Campeões da próxima temporada e, antes disso, irá representar a Turquia na Eurocopa, como capitão de uma equipe que vive momento interessante e pode protagonizar algumas surpresas. No 4 a 2 em março deste ano contra a Holanda, Yilmaz, autor de uma tripleta, mostrou que tem personalidade e poder de fogo suficientes para ainda fazer a diferença aos turcos.

Foto de Leo Escudeiro

Leo Escudeiro

Apaixonado pela estética em torno do futebol tanto quanto pelo esporte em si. Formado em jornalismo pela Cásper Líbero, com pós-graduação em futebol pela Universidade Trivela (alerta de piada, não temos curso). Respeita o passado do esporte, mas quer é saber do futuro (“interesse eterno pelo futebol moderno!”).
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