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Dono de uma das bases mais famosas da França, o Le Havre volta à Ligue 1 depois de 14 anos

O Le Havre tinha disputado todas as edições da segundona desde 2009 e subiu com uma campanha na qual chegou a ficar invicto por 32 jogos seguidos

O Le Havre possui uma fama justificada de ser um dos maiores formadores de talentos da França. Jogadores como Paul Pogba, Riyad Mahrez, Dimitri Payet, Steve Mandanda e Lassana Diarra foram lapidados no Estádio Océane. E a qualidade da base dos Ciel et Marine poderá se provar novamente na Ligue 1. Depois de 14 anos longe da primeira divisão, o Le Havre está de volta à elite do Campeonato Francês. O time chegou a ficar 32 rodadas sem perder na segundona e até demorou a carimbar sua promoção, desperdiçando algumas chances na reta final. Ainda assim, selou o acesso na última rodada, nesta sexta-feira. Bastou a vitória por 1 a 0 sobre o Dijon, com grande festa na Normandia e invasão de campo para coroar.

Fundado em 1894, o Le Havre é um dos clubes mais antigos do futebol francês. Os Ciel et Marine começaram a disputar o Campeonato Francês ainda no Século XIX, numa versão regionalizada do torneio. O Le Havre se tornou justamente o primeiro campeão fora de Paris, com um bicampeonato em 1898/99 e 1899/00, recuperando a taça ainda em 1918/19. A equipe também seria vice-campeã da Copa da França em 1919/20. A partir da profissionalização do Campeonato Francês e da formação de um torneio nacional em pontos corridos, na temporada 1932/33, os normandos se firmaram como um ioiô entre as duas primeiras divisões. Faturaram seis vezes o título da segundona, mas sem nunca passar da terceira colocação na elite, ainda nos anos 1950. O ponto fora da curva ficou para o título da Copa da França em 1958/59, quando estava na segunda divisão.

O Le Havre tinha dificuldades para se firmar na primeira divisão até a década de 1990, quando teve sua maior estadia na elite. O time passou nove campanhas consecutivas na Division 1, de 1991/92 a 1999/00, até que voltasse a passar mais tempo na segundona. O último acesso havia acontecido em 2007/08, mas sem que os Ciel et Marine escapassem do descenso imediato em 2008/09. Desde então, acumularam 14 edições consecutivas na Ligue 2. As maiores frustrações aconteceram em duas campanhas na qual o time bateu na trave. Não subiu em 2015/16 por dois gols marcados a menos que o Metz e sucumbiu em 2017/18 nas semifinais dos playoffs.

Oitavo colocado da Ligue 2 em 2021/22, o Le Havre nem dava tanta pinta de que poderia subir, até engrenar na atual temporada. O time não venceu um jogo sequer nas três primeiras rodadas, mas emplacou um 6 a 0 fora de casa sobre o Saint-Étienne no quarto compromisso. A goleada sobre os Verts motivou os Ciel et Marine, que emendaram uma série invicta imparável. Em novembro, a equipe assumiu a liderança da segundona e não saiu mais do topo da tabela. Com uma defesa forte e um desempenho regular tanto fora quanto em casa, o Le Havre se tornou um candidato natural ao acesso direto.

O mais impressionante foi a sequência invicta do Le Havre. O time passou nove meses sem perder pela Ligue 2, numa série de 32 rodadas. Tudo bem que os empates freavam uma vantagem maior da equipe na dianteira, mas os Ciel et Marine não perdiam a primeira colocação nem com a perseguição de clubes como Bordeaux e Metz. As derrotas só voltaram a acontecer na rodada 35, quando o Le Havre perdeu para Annecy e Valenciennes, dois times lutando contra o rebaixamento. Isso permitiu que os concorrentes se aproximassem, mas os normandos só dependiam de si. O empate com o Bastia na penúltima rodada tornou a situação um pouco mais tranquila. Isso até que a vitória por 1 a 0 sobre o Dijon nesta sexta selasse a promoção. Curiosamente, a torcida invadiu o campo antes do apito final, o que gerou certa confusão até que o jogo fosse concluído.

O Le Havre fechou a campanha com 75 pontos, três a mais que o segundo colocado Metz. Os Ciel et Marine tiveram as mesmas 20 vitórias de Metz e Bordeaux, mas com o menor número de derrotas do campeonato, só três, e também o maior de empates, 15. A defesa sofreu míseros 19 gols, média de um tento a cada duas partidas. Os normandos não foram vazados em 21 das 38 rodadas, um número expressivo.

O Le Havre foi treinado nesta temporada pelo esloveno Luka Elsner. O técnico já tinha dirigido antes o Amiens, além de ter feito diferentes trabalhos na Bélgica e na própria Eslovênia. Já em campo, chama atenção como os gols se dividiram bastante. Nenhum jogador anotou mais do que seis tentos. Mais importante foi o goleiro Arthur Desmas, que ficou sem ser vazado em 17 dos 31 compromissos que disputou.

O zagueiro Terence Kongolo e o ponta Samuel Grandsir são os nomes mais tarimbados do Le Havre. Há também uma grande quantidade de jovens, com quatro jogadores de 20 a 21 anos na equipe titular. O zagueiro Arouna Sangante, o meia Yassine Kechta e o ponta Josué Casimir (autor do gol do acesso) vieram da base, enquanto o meia Amir Richardson está emprestado pelo Stade de Reims. Outro prata da casa é o volante Victor Lekhlal, de 29 anos, que usou a braçadeira de capitão e foi também o atleta com mais minutos em campo na empreitada. Terminou como um dos artilheiros da equipe, autor de seis gols, e eleito para a seleção do campeonato. Sangante, Richardson e Desmas também foram premiados.

Já o proprietário do Le Havre é um americano, o empresário Vincent Volpe. Com negócios na Normandia desde os anos 1990, o magnata adquiriu 90% das ações do clube em 2015. Volpe até manifestou sua intenção de negociar os Ciel et Marine em 2021, diante das dificuldades para conseguir o acesso, mas mudou de ideia e reformulou o projeto. Se antes os normandos apostaram em técnicos mais badalados como Bob Bradley e Paul Le Guen, mais recentemente passaram a confiar nas categorias de base como norte do trabalho. Deu certo.

As principais mudanças do Le Havre nos últimos meses aconteceram nos bastidores, com a chegada de novos funcionários para pensar o clube. O técnico Luka Elsner foi uma das novidades. Além disso, a chefia geral também mudou, com a chegada de figuras com larga experiência no futebol – a exemplo do ex-volante Mathieu Bodmer, que virou diretor de futebol, e do executivo Jean-Michel Roussier, antigo presidente do Olympique de Marseille que assumiu o mesmo cargo no Le Havre. Bodmer é bastante elogiado como peça central no acesso, por fazer contratações pontuais certeiras e aproveitar melhor o talento à disposição na base.

Depois de tanto tempo longe da primeira prateleira, a manutenção na Ligue 1 se torna um desafio para o Le Havre. A competição passa a ter menos participantes na próxima temporada. De qualquer maneira, a campanha que o HAC fez na segundona o respalda. E vai ser bacana ver o que esse foco à base pode resultar na elite, ainda mais dentro de um clube com tradição de revelar. O outro time a subir será confirmado apenas na segunda-feira, numa reunião da Liga Profissional de Futebol. O Metz está com a vaga na mão, mas ainda depende da confirmação da organização da liga, depois da confusão que provocou o abandono do jogo do Bordeaux – que também brigava para subir e deve seguir na Ligue 2.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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