Ligue 1

Acordo rompido, fim dos canais e perdas financeiras aos clubes: o fiasco Mediapro na França

Em maio de 2018, a LFP, organizadora da Ligue 1 e da Ligue 2, anunciou com empolgação seu novo acordo recorde para a transmissão das duas primeiras divisões francesas entre 2020 e 2024. Graças sobretudo ao negócio com a empresa sino-espanhola Mediapro, o futebol francês dava um salto de 60% em relação ao período anterior: € 1,232 bilhão em comparação com € 748,5 milhões de 2016 a 2020. O que deveria representar uma importante transição de patamar para o futebol francês acabou por se transformar em um grande fiasco. Incapaz de pagar mesmo as parcelas iniciais diante da crise financeira causada pelo coronavírus, a Mediapro acaba de fechar um princípio de acordo para desfazer a parceria ainda na primeira temporada e encerrará as atividades dos canais Téléfoot, que havia criado para a difusão das partidas das duas primeiras divisões da França e com os quais não conseguiu o número esperado de assinaturas (angariou apenas cerca de 600 mil).

Depois de pagar suas duas primeiras parcelas em julho e agosto, uma quantia de € 143,6 milhões, a Mediapro não entregou o montante combinado em outubro (€ 172,3 milhões) e dezembro (€ 152,5 milhões). Em vez disso, sem dinheiro suficiente em caixa, tentou renegociar o valor que pagaria por temporada, acordado anteriormente em € 828 milhões.

A proposta já seria dificilmente aceita em outros períodos. Em um momento de crise financeira causada pelo fechamento dos estádios, muito menos. Um estudo feito pela Ernst & Young prevê que as perdas dos clubes da Ligue 1 em 2020/21 deverão ultrapassar os € 600 milhões caso as arquibancadas continuem fechadas até o fim do campeonato. Rever o acordo era, portanto, impensável para a LFP.

O impasse entre Mediapro e LFP se arrastava há meses e agora está próximo de um fim. Um princípio de acordo foi fechado na semana passada e prevê a entrega dos direitos por parte da Mediapro e o pagamento de uma indenização de € 100 milhões da empresa à entidade que organiza o futebol de elite na França. A LFP aguarda agora a validação do acordo pelo Tribunal de Comércio de Nanterre para poder vender os direitos a outro grupo.

Os clubes, que já não recebiam dinheiro pelas transmissões do Téléfoot há quatro meses, enfim tiveram um pequeno alívio financeiro após o pagamento de uma primeira parcela de € 64 milhões, com os outros € 36 milhões de indenização previstos para o primeiro semestre de 2021.

A situação, é claro, segue muito tensa aos clubes franceses. Se antes a expectativa era grande pelo possível salto de qualidade decorrente do novo acordo de TV, a impressão agora é de uma grande oportunidade desperdiçada no que tem sido descrito na imprensa local como um “golpe”.

Os clubes deveriam receber uma soma de € 1,232 bilhão por temporada com a venda de direitos de transmissão domésticos até 2024, com a soma dos negócios com Mediapro (€ 828 milhões), Canal + e Bein Sports (€ 361 milhões) e Free (€ 41,8 milhões). Destes € 828 milhões, no entanto, a Mediapro terminará por pagar apenas € 243,6 milhões, o que representa uma perda de € 585 milhões para a LFP na temporada 2020/21.

No espaço deixado pela Mediapro, o Canal+ aparece como principal favorito a assumir o slot de oito jogos por rodada. Para isso, estaria disposto a desembolsar um total de € 590 milhões, incluindo os € 330 milhões que já pagou pela difusão de duas partidas por rodada na atual temporada. Segundo o L’Équipe, o Canal+ poderia acrescentar um bônus ainda de € 100 milhões por temporada, dependendo de uma eventual alta de assinaturas. Neste novo cenário, a Ligue 1 estaria olhando para um total de € 858,4 milhões nesta temporada 2020/21, uma perda mínima de € 373,7 milhões em relação ao que era esperado.

De 2021 a 2024, mesmo considerando o bônus de € 100 milhões do Canal+, o valor por temporada seria de apenas € 731,8 milhões, bem menos do que o montante de € 1,232 bilhão inicialmente previsto e que havia feito a liga se empolgar com um possível salto. Ao fim do período, poderá haver um buraco de € 1,5 bilhão no orçamento planejado.

O fiasco agora concretizado virou o estopim para que algumas figuras registrassem em público o seu “eu avisei”. O jornalista Daniel Riolo, da RMC Sport, criticou a maneira como a LFP conduziu as negociações, enquanto o ex-presidente do Toulouse Olivier Sadran condenou o deslumbramento da entidade diante do dinheiro proposto, sem a exigência de garantias.

“No momento desse leilão, fiz parte daqueles que disseram que era inconcebível não ter garantias. Mas não nos ouviram, porque todos só viam os milhões”, afirmou Sadran ao jornal La Dépêche.

Em outubro, André Villas-Boas, preocupado com a situação financeira dos clubes, incluindo o seu Olympique de Marseille, foi outro a criticar o negócio: “Eu também posso sonhar com uma casa em Beverly Hills por €20 milhões de euros, mas não posso comprá-la. Portanto, não vou fazer uma oferta para adquiri-la. É a mesma coisa: se não se tem dinheiro, não se participa num concurso para a compra dos direitos de transmissão do Campeonato Francês. É um escândalo”.

O pior de tudo é que a LFP não precisava ter se exposto a um risco tão grande e anunciado. Se não tivesse aceito a proposta da Mediapro, mas, sim, as outras à mesa, a entidade receberia € 1,011 bilhão por temporada, contra € 1,153 bilhão que acreditou que ganharia com a inclusão da Mediapro, e ainda teria dois canais fiscalmente confiáveis, Canal+ e Bein Sports, como parceiros.

O tão almejado salto da Ligue 1 agora terá que esperar alguns anos para sequer começar a ser ensaiado. Neste meio tempo, a liga precisa se preocupar em melhorar o seu próprio produto, com um trabalho de base que melhore não só a apresentação de seus clubes e duelos, mas também a qualidade desses encontros, para só então poder reclamar por valores mais próximos a aqueles vistos na Bundesliga (€ 1,1 bilhão por temporada), em La Liga (€ 1,1 bilhão) e na Serie A (€ 973 milhões), suas principais “concorrentes”.

Foto de Leo Escudeiro

Leo Escudeiro

Apaixonado pela estética em torno do futebol tanto quanto pelo esporte em si. Formado em jornalismo pela Cásper Líbero, com pós-graduação em futebol pela Universidade Trivela (alerta de piada, não temos curso). Respeita o passado do esporte, mas quer é saber do futuro (“interesse eterno pelo futebol moderno!”).
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