Há 10 anos, a Liga Europa exibiu o melhor de Forlán, às vésperas de sua inesquecível Copa do Mundo
O Atlético de Madrid voltou a se colocar entre os melhores clubes da Europa muito graças a Diego Simeone. A partir de sua chegada, em dezembro de 2011, o treinador elevou o nível competitivo dos colchoneros e transformou a própria mentalidade presente no elenco. Ainda assim, o crescimento do Atleti ao longo da última década dependeu de diversos protagonistas e, meses antes, contou com o poder decisivo de outro Diego: Forlán, brilhante na conquista da Liga Europa em 2009/10. Com gols fundamentais e boas atuações nos mata-matas, o uruguaio contribuiu bastante para que os rojiblancos voltassem a proclamar sua grandeza.
Aquela era a terceira temporada de Forlán no Vicente Calderón. O atacante foi contratado pelo Atlético de Madrid em julho de 2007, por €21 milhões. Chegava com moral à capital, após liderar o Villarreal em campanhas históricas e terminar como artilheiro do Campeonato Espanhol pouco antes. A venda de Fernando Torres ao Liverpool naquele mesmo verão possibilitou a transferência do uruguaio, embora atribuísse a ele uma grande dose de responsabilidade em meio à reconstrução dos colchoneros. Após campanhas medianas nas temporadas anteriores, o Atleti perseguia seu salto após iniciar a década na segunda divisão.
Forlán não estava sozinho na empreitada. O novo dono do ataque já contava com a companhia de Sérgio Agüero, então um garoto de 19 anos trazido sob altas expectativas do Independiente. Treinado pelo mexicano Javier Aguirre, o Atlético de Madrid montava um elenco cada vez mais forte – em mercado que ainda incluiu Maniche, Thiago Motta, Luis García, Simão Sabrosa e Juan Antonio Reyes. A quarta colocação em 2007/08 premiou a ascensão dos rojiblancos, que descolaram uma vaga na Champions League pela primeira vez em 11 anos.
O Atlético de Madrid reafirmou sua força em 2008/09. Ainda sob as ordens de Javier Aguirre e com novos reforços ao elenco, o time alcançou as oitavas de final da Champions – eliminado pelo Porto com dois empates. Mais importante, com uma arrancada de seis vitórias consecutivas na reta final, os colchoneros repetiram a quarta colocação em La Liga. Forlán teve grande importância nesse desempenho, aliás. O uruguaio encerrou o campeonato novamente como artilheiro, somando incríveis 32 gols e 10 assistências em 33 aparições. Foram 12 tentos nas últimas oito rodadas, contribuindo à disparada dos madrilenos.
Para 2009/10, Aguirre contou com um elenco de potencial para enfrentar a jornada dupla entre La Liga e Champions League. Seus goleiros eram dois jovens bem cotados nas seleções de base, Sergio Asenjo e David de Gea. A linha defensiva bastante experiente contava com os serviços de Luis Perea, Tomás Ujfalusi, Juanito e Antonio López, além do ascendente Álvaro Domínguez. Entre os bons negócios ao meio-campo naquele verão estavam Tiago e José Manuel Jurado, enquanto Paulo Assunção era a referência na cabeça de área. Cléber Santana e Raúl García ainda contribuíam na rotação. Já para as pontas, o Atleti desfrutava de ótimas opções com Maxi Rodríguez, Simão Sabrosa, José Antonio Reyes e Eduardo Salvio. Tudo para que Forlán e Agüero resolvessem lá na frente, num mais frequente 4-4-2.
O problema é que a temporada não começou conforme o esperado para o Atlético de Madrid. A equipe só venceu um jogo durante as 11 primeiras rodadas do Campeonato Espanhol e frequentou a zona de rebaixamento. Até melhorou depois disso, mas o 11° lugar ao final do primeiro turno não animava. Já na Champions, o Atleti não se tornou capaz de vencer uma partida sequer, após superar o Panathinaikos nas preliminares. Não era um grupo simples, com Chelsea e Porto descolando as vagas às oitavas. Apesar disso, os colchoneros também empataram as duas contra o Apoel Nicósia. Graças ao saldo de gols, os espanhóis superaram os cipriotas na terceira colocação e foram repescados à Liga Europa.
Javier Aguirre durou no cargo até o início de fevereiro, demitido após uma derrota para o Málaga, que deixou o Atlético no 13° lugar de La Liga. A decisão da diretoria gerou certa controvérsia e discussão sobre o próprio papel dos jogadores na crise, inclusive de Forlán, a estrela da companhia. O uruguaio apoiou o ex-treinador publicamente e admitiu que o elenco não estava rendendo bem. Seus números reforçavam essa noção: o atacante assinalou oito gols durante o primeiro turno do Espanhol e passou em branco ao longo da fase de grupos da Champions. A Liga Europa era a chance de se reerguer.
O nome do “fato novo” no Atlético de Madrid era Quique Sánchez Flores. A chegada do treinador deu certo impulso aos colchoneros, que logo venceram o Barcelona no Calderón e também se classificaram à decisão da Copa do Rei, superando o Racing de Santander nas semifinais. Já o desafio nos 16-avos de final da Liga Europa começava duas semanas após a saída de Aguirre, contra o Galatasaray. Treinados por Frank Rijkaard, os turcos tinham Arda Turan e Elano entre suas principais figuras na época.
A primeira partida aconteceu no Vicente Calderón e não garantiu um bom resultado ao Atlético. Reyes abriu o placar com um golaço de falta, mas, no segundo tempo, Abdul Kader Keita determinou o empate por 1 a 1. Titular naquele jogo, Forlán ficaria no banco para a volta em Istambul. Apesar disso, o uruguaio foi decisivo ao triunfo por 2 a 1. Simão anotou o primeiro no segundo tempo e Keita, de novo, ia provocando a prorrogação. Somente aos 44 minutos é que o Atleti confirmou a classificação, com Forlán. O camisa 7 recebeu o passe de Reyes, cortou a marcação e bateu de canhota no canto do goleiro Léo Franco.
O Atlético de Madrid dava sinais de melhora também no Campeonato Espanhol, ao golear o Valencia. Foi assim que o ambiente melhorou antes de encarar o Sporting nas oitavas de final. A equipe de Carlos Carvalhal havia eliminado o Everton na etapa anterior, com grande fase de Liedson e João Moutinho. Seria o único dos confrontos naqueles mata-matas da Liga Europa em que Forlán passaria em branco. Os colchoneros ficaram no empate por 0 a 0 dentro do Calderón. Precisaram se valer dos gols fora, com o empate por 2 a 2 em Lisboa. Forlán mais uma vez ficou no banco de Agüero e o argentino compensou, assinalando dois tentos antes dos 33 minutos. Polga e Liedson igualaram duas vezes aos leoninos, em reação que pouco valeu.
O desafio voltava a aumentar para o Atlético nas quartas de final, quando o time fazia um duelo doméstico contra o Valencia. Dirigidos por Unai Emery, os Ches tinham muitos jovens talentos em seu elenco – a exemplo de David Silva, Juan Mata e Jordi Alba. David Villa fazia a diferença na frente, enquanto medalhões como Rubén Baraja e Vicente seguiam à disposição. De novo, os gols fora de casa salvaram a pele dos madrilenos.
Os quatro tentos no empate por 2 a 2 dentro do Mestalla saíram no segundo tempo. Forlán fez o primeiro, depois de um contra-ataque alucinante puxado ao lado de Agüero. Manuel Fernández empatou com um chutaço de longe, mas o lateral Antonio López logo respondeu com uma cabeçada. Os valencianos diminuiriam o prejuízo a dez minutos do fim, com Villa superando De Gea. Só que o resultado pesou contra os Ches na visita ao Calderón. Num jogo de arbitragem ruim, o empate por 0 a 0 prevaleceu e classificou os donos da casa. O Valencia reclamou de um pênalti negligenciado no fim, mas Forlán também teve um tento mal anulado que atrapalhou os rojiblancos pouco antes.
O adversário de maior renome naquela campanha apareceria no caminho do Atlético de Madrid durante as semifinais. O Liverpool de Rafa Benítez estava longe de possuir um elenco tão impressionante, mas merecia respeito. Steven Gerrard, Jamie Carragher, Pepe Reina, Javier Mascherano, Dirk Kuyt e Lucas Leiva estavam entre os destaques dos Reds – enquanto Fernando Torres era desfalque, por causa de uma lesão no joelho. Com uma dose de aperto, os rojiblancos se aproveitaram do regulamento de novo.
Forlán deu um bocado de sorte para determinar a vitória por 1 a 0 em Madri. O gol saiu aos oito minutos, em lance no qual o atacante errou a cabeçada. Mesmo assim, se recuperou a tempo e chegou antes de Reina para concluir às redes. Dentro de Anfield, o Liverpool deu o troco. Alberto Aquilani balançou as redes aos 43 minutos e reverteu o resultado da ida, forçando a prorrogação. E os ingleses deram um passo à frente no primeiro tempo extra: a partir de um ótimo lançamento de Lucas Leiva, Yossi Benayoun ampliou.
Neste momento, pela contestável regra da Uefa, o Atleti só dependia de mais um gol para avançar. Foi o que aconteceu sete minutos depois, fechando a conta em 2 a 1 para os Reds. Reyes brigou pela bola e deu um cruzamento com o biquinho da chuteira, para Forlán completar de primeira dentro da área. Pela primeira vez desde 1986, os rojiblancos disputariam uma final continental. Tentariam conquistar o título europeu que não vinha desde 1962, quando faturaram a Recopa Europeia. A partir de então, haviam sido três vices nos torneios da Uefa.
A final da Liga Europa 2009/10 seria sediada em Hamburgo. E o adversário do Atlético de Madrid não era nada óbvio: o Fulham permanece como uma das grandes surpresas da história do torneio. Após terminarem na segunda colocação do Grupo E, que também tinha a Roma, os londrinos eliminaram vários favoritos nas etapas seguintes. Primeiro, derrubaram o Shakhtar Donetsk, campeão do torneio na temporada anterior. Depois bateram a Juventus nas oitavas, com direito a uma goleada por 4 a 1 em Craven Cottage, revertendo os 3 a 1 da ida. Também despacharam com duas vitórias o Wolfsburg, vencedor da Bundesliga meses antes. Por fim, na semifinal, frustraram o sonho do Hamburgo de disputar a decisão em casa.
O técnico Roy Hodgson contava com uma equipe bastante rodada à sua disposição. O goleiro era Mark Schwarzer, um dos principais responsáveis pela campanha. Brede Hangeland e Aaron Hughes formavam a dupla de zaga. O capitão Danny Murphy e o ponta Damien Duff agregavam no meio, com experiência em grandes equipes. Mais à frente, Zoltán Gera encabeçava a armação para o centroavante Bobby Zamora, principais responsáveis pelos gols naqueles mata-matas. Não era exatamente uma potência continental, mas o time fez valer suas virtudes, sobretudo após o que havia aprontado na caminhada.
Antes da final da Liga Europa, o Atlético de Madrid sabia que não iria às competições continentais através de La Liga. Restando uma rodada para o fim da campanha, os colchoneros ocupavam a nona colocação. Além disso, a final da Copa do Rei aconteceria dentro de uma semana. Apostar as fichas na decisão europeia era obrigação à equipe de Quique Sánchez Flores. O único desfalque era Asenjo, substituído por De Gea no gol. De resto, força máxima com Ujfalusi, Perea, Domínguez e Antonio López na defesa; Raúl García e Paulo Assunção fechando o meio, com Simão e Reyes abertos nas pontas; além de Agüero e Forlán na linha de frente. E o uruguaio escreveria de vez seu nome na história rojiblanca durante aquele 12 de maio de 2010.
Forlán deu seu aviso aos 12 minutos, quando carimbou a trave de Schwarzer. O primeiro gol saiu 20 minutos depois, em contragolpe puxado por Reyes na direita. Agüero pegou mal o chute, mas Forlán apresentou seu oportunismo e desviou no contrapé de Schwarzer. O empate do Fulham viria aos 37, numa bola que a zaga não conseguiu afastar e Simon Davies emendou de primeira às redes. Todavia, aquela era mesmo a noite de Forlán. O camisa 7 forçou uma boa defesa de Schwarzer ainda na primeira etapa, enquanto sua jogadaça no segundo tempo terminou desperdiçada por Agüero. O inesquecível gol da vitória por 2 a 1, e do título, ocorreu na prorrogação – depois de 116 minutos mais agressivos dos espanhóis.
Agüero também tem seus méritos na jogada que selou a conquista. Lançado por Antonio López na esquerda, o argentino ganhou de Aaron Hughes na corrida, evitou que a bola saísse pela linha de fundo e fez o cruzamento rasteiro. Porém, ainda mais importante foi a inteligência de Forlán. O uruguaio se antecipou à marcação e, na risca da pequena área, bateu na bola com a sola da chuteira e ainda contou com um desvio na marcação para matar Schwarzer. O relógio marcava 11 minutos do segundo tempo da prorrogação e, a esta altura, o Fulham não teria mais chances de reagir. A taça era colchonera e Forlán terminou premiado como o melhor em campo.
“Aquela final contra o Fulham, ao lado da Supercopa, foi um dos dias mais felizes de minha época no Atlético. Eu me lembro que esse jogo foi muito parelho e que merecemos um pouco mais durante os 90 minutos. Durante a prorrogação, não queria ir aos pênaltis, porque não importa muito a qualidade de seus batedores. Muitas vezes, por mais que tenha merecido vencer com bola rolando, termina perdendo os penais. Ganhar aquele título foi uma alegria coletiva, todos estávamos contentes. O importante era ganhar e, por sorte, conseguimos a três minutos do fim”, relembrou Forlán, em entrevista nesta terça ao Marca.
“Fiquei surpreso quando vi Madri toda pintada de vermelho e branco. Você conhece o Atlético, uma equipe grande e com muitos torcedores, mas ver a cidade daquele jeito chamava atenção. Essa imagem me encanta. Cada vez que vou à cidade e estou com minha mulher, digo para ela: ‘Pensar que isso tudo estava tomado pelo vermelho e pelo branco…'”, complementou. “Há um antes e um depois com aquele título, por encerrar o jejum do clube. Mas o que aconteceu depois, com a comissão técnica de Simeone e os jogadores posteriores, é mérito só deles. Nós apenas mudamos esse tabu que existia. Foi o pontapé inicial de tudo”.
Forlán encerrou a temporada 2009/10 com 27 gols anotados – 18 pelo Campeonato Espanhol, três pela Copa do Rei e seis pela Liga Europa. Acabou perdendo a final da Copa do Rei para o Sevilla uma semana depois, com o triunfo por 2 a 0 dos andaluzes. Em compensação, o uruguaio chegou na ponta dos cascos para disputar a Copa do Mundo. Apresentou sua excelente forma para conduzir a Celeste às semifinais do Mundial, como não acontecia desde 1970, e também para receber o prêmio de melhor jogador do torneio na África do Sul. Aos 31 anos, o atacante desfrutava de seu auge.
Apesar do interesse de outros clubes, Forlán permaneceu no Atlético de Madrid por mais uma temporada. Conquistou a Supercopa Europeia em cima da Internazionale, mas o desempenho cairia no geral. O Atleti sucumbiria logo na fase de grupos da Liga Europa e terminaria em quinto no Espanhol. O camisa 7 contribuiu com apenas dez gols em 42 partidas. Assim como Agüero, Forlán arrumou as malas em 2011: mudou-se à própria Internazionale, já entrando em declínio, enquanto o argentino protagonizaria o “milagre” do Manchester City na Premier League. Em reformulação, os colchoneros passaram um péssimo segundo semestre em 2011, até que Simeone chegasse e alavancasse o time a mais uma taça na Liga Europa – desta vez com os gols de Radamel Falcao García. O título de 2010, ainda assim, mantém seu simbolismo.