A temporada memorável de Bono ganhou outra glória, de novo gigante nos penais e na Liga Europa
Bono já tinha sido fundamental na conquista da Liga Europa em 2019/20, quando se afirmava no Sevilla, e prova sua grandeza desta vez após a Copa do Mundo marcante

Decisões por pênaltis oferecem a ocasião perfeita para eternizar grandes goleiros. Bono sabia disso como poucos nesta temporada, depois de se transformar em herói nacional durante a campanha de Marrocos na Copa do Mundo. E se não havia dúvidas sobre a qualidade do arqueiro, ele voltou a experimentar a máxima glória nesta quarta-feira, em Budapeste. O Sevilla é campeão da Liga Europa pela sétima vez e a influência de Bono nesse feito é imensa. O marroquino foi o melhor em campo na decisão contra a Roma. A partida se estendeu até a disputa por pênaltis porque Bono garantiu alguns milagres aos rojiblancos com bola rolando. Já na marca da cal, reapareceu o herói visto há poucos meses no Catar. Bono pegou duas cobranças romanistas e possibilitou a vitória sevillista. Completa a temporada mais brilhante de sua vida, e isso mesmo precisando se revezar com Marko Dmitrovic no clube durante os meses mais recentes.
A Liga Europa já tinha feito parte de um momento importante na carreira de Bono, durante sua primeira temporada com o Sevilla. Após ser trazido por empréstimo do Girona, o marroquino ainda precisava disputar posição com Tomás Vaclík. Coube ao camisa 13 ganhar chances nas copas disputadas pelos sevillistas, entre elas a Liga Europa de 2019/20. E todo mundo sabe o que costuma acontecer com os andaluzes na competição: foram campeões. Muito por conta do auxílio que Bono deu ao longo da empreitada, eleito inclusive o melhor goleiro daquela edição do torneio.
As grandes atuações de Bono aconteceram na reta final daquela Liga Europa, realizada em jogos únicos por causa da fase mais aguda da pandemia. A vitória por 1 a 0 sobre o Wolverhampton, nas quartas de final, teve grande contribuição do goleiro. Ele pegou um pênalti de Raúl Jiménez ainda no tempo normal e abriu alas aos rojiblancos. A exibição nas semifinais seria brilhante, com uma série de grandes defesas contra o Manchester United, sobretudo no segundo tempo. E na decisão contra a Internazionale, se não foi tão exigido, Bono salvou sua equipe com uma intervenção fundamental no mano a mano com Romelu Lukaku.
Depois do título continental, Bono viveu um divisor de águas. Contratado em definitivo, o goleiro assumiu a titularidade do Sevilla, tanto na liga quanto nas copas. Firmou-se como um dos melhores de sua posição no futebol espanhol. Já seria ótimo em La Liga 2020/21, com apenas 28 gols sofridos e 15 partidas sem ser vazado. Reduziu ainda mais sua média em 2021/22, com 24 tentos sofridos, o que rendeu o prestigiado Troféu Zamora. Acumulava experiências, com a sequência de aparições dos sevillistas na Champions. Era uma certeza no Nervión. E também em Marrocos.
Afinal, não há como falar sobre o reconhecimento de Bono sem passar pela Copa do Mundo de 2022. O sucesso no Sevilla respaldou a titularidade de Bono na seleção. Chegou ao Mundial do Catar entre os principais nomes dos marroquinos. E depois de uma fase de grupos em que nem apareceu tanto, virou um monstro nos mata-matas. A classificação histórica contra a Espanha nas oitavas de final teve participação decisiva do arqueiro, ao defender os pênaltis de Carlos Soler e Sergio Busquets. Também fechou o gol nas quartas de final, contra Portugal, com ao menos três grandes intervenções.
Nas nuvens após a recepção apoteótica em Marrocos, Bono precisou voltar à terra com a temporada duríssima do Sevilla. O time vinha ameaçado pelo rebaixamento em La Liga e via os técnicos se alternarem na casamata. O marroquino não conseguia evitar os problemas na competição nacional. A Liga Europa, todavia, voltou a despontar como uma esperança após a queda precoce na Champions. De início, Marko Dmitrovic ocupou a meta no torneio continental, enquanto Bono sofria no cenário nacional. Isso até que os papéis se invertessem: o novo treinador José Luis Mendilibar colocou o sérvio como escolha principal em La Liga, fruto da relação entre ambos desde os tempos de Eibar. A partir de abril, Bono disputaria a Liga Europa. Apesar do debate gerado por utilizar menos vezes o marroquino, a decisão se mostrou certeira.
Dmitrovic teve uma ótima sequência no Campeonato Espanhol, com apenas uma derrota em dez rodadas e cinco partidas sem sofrer gols. Já Bono se mostrou outra vez como um goleiro de grandes partidas e cresceu nos mata-matas da Liga Europa. O camisa 13 voltou à posição nas quartas de final, contra o Manchester United. Manteve a segurança especialmente na vitória por 3 a 0, que carimbou a classificação. Já nas semifinais, diante da Juventus, Bono seria mais exigido na segunda partida. Segurou as pontas para que a virada e a classificação se consumassem na prorrogação.
Ao longo da final, a Roma não atacou a meta do Sevilla de forma tão constante. Porém, os giallorossi foram contundentes. Viram Bono aparecer muito bem. Durante o primeiro tempo, o goleiro rebateu um chute quente de Leonardo Spinazzola. Só não teve o que fazer quando Paulo Dybala saiu na cara do gol e abriu o placar. Já na segunda etapa, foram dois milagres de Bono. Primeiro, ao fechar o ângulo na batida à queima-roupa de Tammy Abraham e abafar o rebote, quando os romanistas tentavam o empate. Depois, ao desviar com a ponta dos dedos o chute de Andrea Belotti, sozinho na área. Foi uma intervenção tão incrível que o árbitro nem viu o escanteio – e ela, portanto, não entra nas estatísticas. Sem ser testado na prorrogação, o goleiro ainda deu sorte quando errou o golpe de vista e viu a cabeçada de Chris Smalling bater no travessão.
Por fim, os pênaltis guardavam o melhor a Bono. O goleiro está mais do que acostumado a encarar situações do tipo. E seu trabalho foi até facilitado, sem os principais batedores da Roma em campo. O herói começou a pintar na segunda cobrança, diante de Gianluca Mancini. Parou com as pernas o chute mal colocado do zagueiro. Já Roger Ibañéz parecia fazer tudo certo: mirou o cantinho. Só não estufou as redes porque Bono se esticou por completo. Uma triscada com a ponta da luva foi suficiente para que a bola desviasse e parasse na trave. Sem que Rui Patrício defendesse do outro lado, a festa era sua.
Bono tem muitos argumentos para ser considerado um dos maiores goleiros africanos de todos os tempos. Fez uma Copa do Mundo gigantesca e atua em alto nível há anos, num dos clubes mais competitivos da Europa. Aos 32 anos, sabe que tem tempo para conquistar muito mais. E a torcida do Sevilla certamente endossa tal reconhecimento ao marroquino, porque sabe que nele desponta um dos melhores arqueiros da história do próprio clube. É difícil competir na Andaluzia com a magia de Andrés Palop, por tudo o que fez nas duas primeiras conquistas da Copa da Uefa. Bono não chegou a marcar gol salvador ou dar assistência em final, como o veterano, mas, tal qual Palop, levantou a sua segunda taça e igualmente fez a diferença nos pênaltis. É um ídolo, ainda mais depois desta quarta-feira em Budapeste.