Um pouco da história do futebol em Istambul e um mapa com os clubes da cidade que já disputaram o Campeonato Turco
Antes da final da Champions League no Estádio Olímpico Atatürk, aproveitamos para recontar a história do futebol em Istambul e representar os clubes da cidade

Istambul é a sexta cidade mais populosa do mundo. Sem considerar a região metropolitana ao redor, são 15,5 milhões de habitantes no maior centro urbano da Turquia. Dividida entre dois continentes, Istambul possui uma importância histórica inegável. E sua ligação com o futebol é ainda maior do que o fanatismo pelo “trio de ferro” do Campeonato Turco sugere. Atualmente, há 13 equipes diferentes da cidade nas três principais divisões da liga, oito delas na elite. Além disso, 18 times de Istambul já passaram pela Süper Lig desde a constituição da competição nacional em 1959. Representam um quarto dos clubes que disputaram a elite local ao longo de mais de seis décadas de história.
Istambul foi um dos berços do futebol turco, a partir do fim do Século XIX, quando ainda se chamava Constantinopla. O esporte se inseriu no Império Otomano através da cidade e também de Esmirna (Izmir), importante porto na costa do Mediterrâneo. Muitos dos primeiros clubes locais já não existem mais. Havia uma forte influência dos trabalhadores ingleses, como em tantos outros cantos do mundo, mas também da larga comunidade grega presente nas principais metrópoles. Times como o Elpis, o Hermes, o Orpheus, o Apollon e o Heraklis estavam entre os pioneiros das atuais cidades turcas. Porém, a Guerra Greco-Turca provocou a expulsão desse povo de volta à Grécia, em meio a um processo de “turquificação” da população otomana. Membros desses antigos times deram origem a agremiações gregas como o PAOK, o AEK, o Panionios e o Apollon Smyrnis.
O futebol levou um pouco mais de tempo para ser absorvido na comunidade turca em si. O esporte chegou a ser proibido aos turcos pelo Sultão Abdul Hamid II, na tentativa de frear a influência estrangeira. Um dos clubes pioneiros, o Black Stockings, despontou entre estudantes e foi desmantelado pelo sultanato logo depois de sua formação, em 1901. Seus jogadores acabaram presos e perseguidos. Foi apenas anos depois disso que outros times peitaram as regras e se estabeleceram. Medir forças contra as equipes de outras origens era um anseio para as novas agremiações se provarem – e, assim, demonstrarem também a superioridade dos turcos no campo de jogo, para um reflexo além.
Galatasaray (1905) e Fenerbahçe (1907) foram exatamente os primeiros times a florescerem, com o nacionalismo turco entre suas motivações iniciais – antes do Besiktas criar seu departamento de futebol em 1911. A partir de 1906, os turcos passaram a disputar a Liga de Futebol de Constantinopla contra ingleses e gregos. Não à toa, os principais clubes de etnia turca em Istambul estão localizados em vizinhanças mais seculares, com presença maior de grupos cristãos e judeus naqueles primórdios. Também há um enraizamento forte dos times turcos em seus respectivos distritos, como emblemas da identidade local. Como maior exemplo, diferenças entre a metade europeia e a asiática da cidade se representam na rivalidade entre Galatasaray e Fenerbahçe.
A Primeira Guerra Mundial, a Guerra Greco-Turca e a Guerra de Independência da Turquia minaram a presença dos clubes de outras etnias nas competições locais. A partir da década de 1920, com o fim dos conflitos, o futebol estabeleceu campeonatos nas principais cidades do país. E existia uma clara “turquificação” entre as equipes, reverberando o que acontecia na sociedade como um todo, embora com a presença pontual de agremiações ligadas a estrangeiros. A principal delas era o Taksim SK, símbolo da comunidade armênia, mesmo depois do genocídio realizado contra esta população. O elenco era aberto também a turcos, mas ajudava a aglutinar mais grupos, como judeus e gregos. Os aurirrubros mantiveram sua relevância entre as décadas de 1940 e 1950, quando relevaram Lefter Küçükandonyadis, ídolo do Fenerbahçe e estrela da seleção na Copa de 1954, mesmo vindo de família grega.
Foi também na transição da Turquia como república que surgiu a primeira versão do campeonato nacional, na década de 1920. Era uma espécie de “Taça Brasil”, que reunia os campeões regionais numa fase final disputada em tiro curto. Na década de 1930, também nasceu uma versão primitiva da liga em pontos corridos, com equipes representantes das três principais cidades – Istambul, Izmir e Ancara. Entretanto, como esses torneios foram descontinuados e o profissionalismo só se introduziu definitivamente na década de 1950, a fundação do Campeonato Turco em si acontece a partir de 1959.
De início, o Campeonato Turco ainda se concentrava nas principais cidades. Entretanto, com o passar da década de 1960, o governo local incentivou a fusão de equipes das principais localidades do interior, para a formação de times mais competitivos. Foi a partir de então que surgiram e ascenderam clubes como o Eskisehirspor, o Bursaspor e o Samsunspor, primeiros a alcançar a elite. Já a partir dos anos 1970, a liga nacional passou a preencher bem mais o território turco e viu o Trabzonspor se estabelecer como potência, a ponto de disputar títulos com o “trio de ferro” de Istambul.
Por conta da preponderância de seus três principais clubes e da importância histórica dentro do contexto local, o futebol em Istambul naturalmente gira ao redor de Besiktas, Fenerbahçe e Galatasaray. Porém, há outros tantos times que se firmaram como participantes costumeiros da elite. O Istanbulspor é o mais tradicional como “quarta força”, com origens seculares e resistindo à ascensão das demais regiões do país. O Vefa era outro clube notável dos primórdios, mas perdeu espaço com a expansão da liga. Esporadicamente, outros times despontaram em áreas distintas da cidade, a exemplo do Sariyer, figurante da primeira divisão nas décadas de 1980 e 1990. Já neste século, mais clubes de Istambul se fortaleceram na Süper Lig, muitos deles envolvidos a projetos políticos – sobretudo Basaksehir e Kasimpasa, ambos ligados umbilicalmente ao presidente Recep Tayyip Erdogan.
A próxima edição do Campeonato Turco contará com oito equipes de Istambul. Há uma dominância da metrópole que aumentou nas temporadas recentes. O Pendikspor, por exemplo, estreará na elite em 2023/24 e manterá o número de equipes da cidade, após o rebaixamento do Ümraniyespor. É interessante notar como os clubes se espalham por diferentes distritos, o que auxilia na criação de uma torcida local ao redor, mesmo que o trio de ferro espalhe seus fanáticos por uma área mais ampla. A maioria das equipes ainda se concentra no Estreito de Bósforo, no coração da cidade, onde o futebol fincou suas raízes desde os tempos de Constantinopla. Também há uma presença maior de times do lado europeu, com o Fenerbahçe sendo de longe a principal potência entre os asiáticos. E a expansão da área urbana de Istambul se representa pela guinada de alguns clubes como o Basaksehir, num distrito de crescimento mais recente.
Abaixo, para representar o futebol de Istambul antes da final da Champions League, fizemos um mapa com os 18 clubes da cidade que já disputaram a primeira divisão do Campeonato Turco. A maior parte está localizada em seus estádios atuais, mas alguns também nos distritos de origem. Além disso, apontamos os locais de dois estádios representativos sem um dono específico: o Taksim e o Olímpico Atatürk. O primeiro deles não existe mais e ficava no local do simbólico Parque Taksim, recebendo os compromissos da antiga Liga de Futebol de Constantinopla. Foi a primeira casa do trio de ferro. Já o segundo, inaugurado em 2002, é a casa da seleção nacional e o palco da final da Champions pela segunda vez.